Área: Neurologia e Medicina Clínica
Autores: José Lopes Tabatinga Neto e Renan Soares
Revisor(a): Ruan Costa Gonçalves
Orientador(a): Francisco de Assis Aquino Gondim
Liga: Liga Acadêmica de Neurociências UFC (Neuroliga-UFC)
Apresentação do caso clínico
Paciente do sexo masculino, 28 anos, caucasiano, estudante, procedente e residente de Fortaleza/Ceará, procurou serviço de urgência/emergência no início da manhã com queixa de dor de cabeça excruciante, que identifica como a mais intensa de sua vida, com início em região retro-orbital esquerda e irradiando para hemicrânio esquerdo e acompanhada de náusea e episódio de vômito no trajeto ao hospital. Paciente relata que acordou aproximadamente 5 horas da manhã em decorrência da dor e que se intensificou rapidamente mesmo com o uso de analgésico. O paciente relata também a sensação de pressão no olho esquerdo “como se fosse explodir”. Além disso, afirma que vem sentido dores semelhantes e muito intensas nos últimos 4 dias, não acompanhadas de náusea ou vômito, fazendo-o acordar por volta do mesmo horário e que passam sem a necessidade de medicação em cerca de 1 hora, ocorrendo novamente por volta das 17 horas, mas com menor intensidade. O último evento, contudo, foi mais intenso, descrito como insuportável.
Ao ser questionado se já havia sentido esse tipo de dor antes, afirmou ter apresentado quadro semelhante nos 2 anos anteriores e que as crises duravam entre 1 e 4 dias por semana, persistindo por até 3 meses, quando as crises já têm assumido intensidade e frequência decrescentes, retornando apenas no ano seguinte. Paciente afirma ocorrência de náusea apenas quando o quadro doloroso é mais intenso. Nos eventos anteriores, assim como no atual, a dor causa inquietação, é unilateral e acompanhada de vermelhidão ocular e intenso lacrimejamento, sempre do lado esquerdo. Nega diplopia, aura, fono e fotossensibilidade.
No ano anterior, em decorrência das crises, foi aconselhado por familiares a procurar um acompanhamento médico. Na ocasião foi levantada a suspeita de glaucoma, sendo feito seu encaminhamento para acompanhamento oftalmológico. Após a não constatação de anormalidades oculares foi encaminhado pelo oftalmologista para acompanhamento com otorrinolaringologista, com a suspeita de que as dores seriam decorrentes de um quadro de congestão nasal decorrente de rinite. Após acompanhamento com o profissional indicado, e sem ter seu diagnóstico identificado, o paciente interrompeu a busca por tratamento.
Ao exame físico, o paciente encontrava-se com estado geral regular, lúcido e orientado em tempo e espaço, afebril, acianótico, anictérico, hidratado, eupneico, normocárdico e normotenso. O exame ocular evidenciou olho esquerdo com epífora e hiperemia, além de ptose palpebral. Olho direito sem alterações. Capacidade visual e movimentação ocular não comprometidas.
Paciente encaminhado para receber medicação analgésica (dipirona) e anti-emética intravenosa e, em seguida, realizar TC de Crânio sem contraste para identificar possíveis alterações de parênquima.
Retornou ao consultório após medicado e já com sua TC realizada e laudada. Não apresentava mais dor ou náusea. TC de Crânio sem alterações aparentes.
Questões para orientar a discussão
1. Quais as manifestações de um quadro de CS?
2. Quais as características epidemiológicas desse caso?
3. Quais as diferenças mais características entre CS e migrânea?
4. Como se dá o diagnóstico e quais os tratamentos possíveis?
5. Quais os possíveis diagnósticos diferenciais nesse caso clínico?
Respostas
1. Crises de dor excruciante unilateral, orbitária, periorbitária e/ou temporal autolimitada, durando entre 15 e 180 minutos se não tratada. A CS é associada com pelo menos um dos seguintes sinais: vermelhidão conjuntival e/ou lacrimejamento ipsilateral; congestão nasal e/ou rinorreia ipsilateral; edema palpebral ipsilateral; sudorese da fronte e da face ipsilateral; miose e/ou ptose ipsilateral; sensação de inquietação ou agitação. As crises costumam ocorrer na mesma hora do dia, muitas vezes despertando os pacientes no meio da noite, podendo também ter um regime de periodicidade anual. Quando as crises ocorrem, a dor é sempre unilateral e ocorre no mesmo lado da cabeça.
2. É a cefaleia trigêmino-autonômica mais frequente, acometendo 1 em cada 1.000 indivíduos. Acomete predominantemente indivíduos do sexo masculino, em proporção que varia de 3-1 até 8-1. Geralmente se inicia após os 20 anos, mas é mais frequente entre as 3ª e 5ª décadas.
3. Geralmente pacientes com crises de enxaqueca preferem manter-se reclusos, deitados e quietos, ao contrário, pacientes em crise de CS apresentam agitação, alguns podem relatar a vontade de “bater a cabeça na parede”. Mesmo deitados em suas camas, apresentam intensa movimentação. CS não ocorre como aura, ao contrário de muitos casos de enxaqueca, além disso, pacientes com enxaqueca costumam ter fono e fotossensibilidade, o que não acontece em CS. Outro ponto importante na diferenciação, é o curto intervalo de tempo de uma crise de CS e a sua periodicidade, seja diária, mensal ou anual.
4. O diagnóstico da CS é clínico. Baseia-se no padrão típico dos sintomas e na exclusão de patologia intracraniana, sendo necessário, portanto, exame de imagem. Para interromper as crises, triptanos parenterais, di-hidroergotamina ou oxigênio a 100%. Para profilaxia de longo prazo, verapamil, lítio, topiramato, divalproex ou uma associação entre estes medicamentos.
5. Enxaqueca, neuralgia do trigêmio, cefaleia tensional, glaucoma, processos expansivos intracranianos ou acometimentos vasculares.