Cirurgia vascular

Casos Clínicos: Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP) | Ligas

Casos Clínicos: Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP) | Ligas

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Área: Cirurgia Vascular, Clínica Médica, Angiologia.

Autores: Rafael Yuri Sato e José Welton de Lira Veloso

Revisor(a): Tiago Sampaio dos Reis

Orientador(a): Geison Vasconcelos Lira

Liga: Núcleo de Desenvolvimento Médico de Sobral – NUDEMES

Introdução

A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) acaba promovendo uma limitação funcional como resultado de uma isquemia e está associada a um alto risco de morbimortalidade cardiovascular. A prevalência da DAOP gire em torno de 15 a 20% em pacientes acima de 65 anos. Após os 40 anos de idade, o risco de desenvolver a DAOP pode aumentar de duas a três vezes a cada 10 anos a mais na idade. A DAOP está associada a fatores de risco (FR) como: tabagismo, diabetes melitos (DM), hipertensão arterial sistêmica (HAS) e dislipidemia, que podem levar ao desenvolvimento generalizado e progressivo de placas ateroscleróticas. Sendo DM e tabagismo considerados os mais importantes. Em pacientes com DAOP, o risco relativo de mortalidade está aumentado em três vezes, e o de morte vascular, em seis vezes. O tratamento clínico da DAOP tende a englobar medidas que possam aliviar os sintomas, associadas com medidas de prevenção das complicações cardiovasculares secundárias, como IAM, AVC, isquemia aguda do membro e morte de causa cardiovascular.

Identificação do paciente e história clínica

J.M.S., 68 anos, sexo masculino, evangélico, casado, heterossexual, natural de Jurema-PE, procedente e residente de Camocim-CE. Sua profissão desde sempre foi marceneiro. Cor: parda. Ensino fundamental completo.

Queixa principal

Dor na perna direita há 14 dias.

História da doença Atual (HDA)

Há 14 dias, paciente iniciou quadro de dor no membro inferior direito, mais precisamente na região posterior da perna direita, a dor surgiu durante a noite, de modo súbito, sem irradiação, descrita como uma “dor em queimação”, constante, sem nenhum fator desencadeante aparente, sendo que o paciente descreveu a intensidade da dor como máxima, numa escala de 0 a 10. Contou que piorava ao deambular e que melhorava após uso de medicação que o paciente não soube informar a classe. A dor estava associada à edema, formigamento, rubor e calor que surgiram um dia após o início da dor e lesões cutâneas que também surgiram um dia após o início da dor, que o paciente referia como “bolhas pretas”. Foi levado, primeiramente, ao atendimento hospitalar de Camocim, na qual ficou internado por dois dias, realizando uma raspagem das lesões recentes do membro inferior direito, mas sem realização de exames complementares, fazendo uso de uma medicação controle que não soube relatar e sem diagnóstico concluído. Após esse período, houve aumento da dor e piora do edema, e a perna direita que já possuía uma aparência enegrecida, foi ficando ainda mais escura,  em seguida, foi encaminhado para o Hospital Regional Norte (HRN), no qual deu entrada há 11 dias, onde realizou exames de bioquímica como hemograma e sumário de urina e como exame de imagem uma radiografia do tórax. Informou que devido a dor teve que parar de trabalhar e depois ao buscar atendimento médico acabou fincando em internação e posteriormente foi transferido para um hospital em outra cidade o que o deixou afastado da família isto o deixou triste e psicologicamente afetado.

História de vida.

O paciente relatou ter nascido de parto normal, domiciliar, feto único, sendo o vigésimo primeiro filho de vinte e uma gestações, sem histórico de gemelaridades na família, não soube informar até que idade foi amamentado Seu desenvolvimento neural e psicomotor foi compatível com a idade e contou que seu desenvolvimento sexual também foi normal. Relatou ter tido sarampo, varicela e caxumba na infância e negou traumas. O paciente negou uso de medicação para tratar outras doenças. Informou que as vacinas que tomou recentemente foram apenas para a gripe e nega qualquer tipo de alergia.

Pai e mãe já faleceram, segundo o paciente, sua mãe faleceu aos 58 anos, era portadora de asma e foi a óbito durante uma crise asmática não controlada, ele relatou que seu pai faleceu aos 76 anos, tinha problemas de saúde, mas não soube definir quais eram. Paciente relatou também que dos seus irmãos, quatro faleceram devido problemas cardíacos.

Ele é casado e pai de seis filhos, três homens e três mulheres, que não moram mais com ele, informa que possui uma relação harmoniosa com os filhos e suas respectivas famílias, bem como com sua esposa e com um neto que mora com ele em casa, informou que as despesas da família são mantidas a partir de um benefício da previdência social e de seu trabalho. Paciente relatou alimentação sem restrições e rica em gordura. Não realizou nenhuma viagem recente e se considera uma pessoa ativa por conta dos esforços do trabalho.

Relatou ter feito uso crônico de bebidas alcoólicas durante seis anos e uso de cigarro no mesmo período, uma carteira e meia por dia, sendo a carga tabágica 9 anos-maço. Contou que no mesmo período fez uso de maconha.

Hoje o paciente se considera uma pessoa tranquila e sociável com os vizinhos e os outros membros de sua religião que frequentam a mesma igreja que ele, não possui hobby, disse que sua vida consiste principalmente de trabalho durante o dia, frequentar os cultos a noite e descansar nos finais de semana.

Exame físico

Geral:

FC: 116 bpm

PA: 134 x 90

Ausculta cardiovascular: Ritmo cardíaco levemente aumentado, em 2T, BNF e sem sopros.

Ausculta do tórax: MVU e sem ruídos adventícios.

Específico:

Inspeção:

Perna esquerda apresentava aparência de acordo com a normalidade.

Perna direita apresentava aparência azulada condizente com cianose e, mais intensa na região dos dedos e do pé, tamanho da perna estava aumentado quando comparado com a esquerda, escassez de pelos, pele atrófica e brilhosa, unhas dos dedos dos pés quebradiças, feridas ulceradas na região dos dedos envolvendo o hálux e os pododáctilos II e III e na perna.

Segundo as classificações de Fontaine e Rutherford para a DAOP (Doença Arterial Obstrutiva Periférica) o paciente recebeu:

Fontaine: Estágio IV

Rutherford: Grau III, Categoria 6.

Figura 1 – Fonte: https://www.medicinanet.com.br/m/conteudos/revisoes/5594/doenca_vascular_periferica.htm

Palpação:

Perna esquerda não apresentou alterações a palpação.

Perna esquerda: ausência dos pulsos poplíteo, tibial e pedioso, músculos da panturrilha com hipotrofia (menos desenvolvidos), calor e dor ao toque, sinal de cacifo positivo 3+/4+.

Presença de hiperemia reativa, a elevação repetida das pernas e a flexão das panturrilhas produziram uma palidez plantar seguida de rubor após o membro inferior ser colocado na posição pendente. Na elevação o membro acometido torna-se mais pálido que o contralateral e quando colocado em posição pendente, o membro acometido além um retardo para voltar a coloração inicial, o membro passa a apresentar uma coloração mais intensa ou eritrocianótica.

Ausculta:

Presença de sopro audível +/+++ sobre a lesão estenótica da perna direita.

Exames complementares

– Hemograma completo: O hemograma foi realizado como exame de rotina do hospital para avaliar se o paciente possui anemia ou possível infecção que poderiam interferir caso o paciente necessitasse de intervenção cirúrgica, o hemograma apresentou como alteração o valor de hemoglobina que foi de 11,5 g/dl o que configura uma anemia leve (valores de referência 12 – 17g/dl) e com hemácia microcíticas e hipocrômicas, condizente com anemia por deficiência de ferro.

– Sumário de urina: O Sumário de urina apresentou como única alteração a presença de raros cristais de ácido úrico

– Radiografia do tórax: sem alterações.

– Eco-Doppler: No exame do Doppler Ultrassom foi possível realizar a mensuração o Índice Pressórico Tornozelo-Braço (ITB) onde foi calculada a relação entre a pressão sistólica no tornozelo (artéria tibial posterior ou dorsal do pé) e no membro superior (artéria braquial), neste o valor do ITB foi de 0,12 o que indica uma DAOP grave  já pode se tratar de possível necrose tecidual.

Fonte: http://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/5594/doenca_vascular_periferica.htm

Pontos de discussão

● Qual o diagnóstico mais provável?

● Como os achados dos exames de imagem explicam a condição do paciente?

● Existe algum exame necessário para diagnóstico? Qual?

● É possível dar o diagnóstico de DAOP apenas com história clínica e exame físico?

● Quais são os fatores que favorecem o surgimento da DAOP?

● Qual a conduta terapêutica mais apropriada?

● Quais são as principais complicações da DAOP?

Diagnóstico principal

Após colher a história da doença atual e o exame físico e evidenciar um quadro de dor intensa, súbita e constante em perna direita, associado a edema e inicialmente sinais de inflamação como calor e rubor levam o raciocínio clínico a pensar em DAOP, TVP e Linfedema, pois estes sinais e sintomas podem fazer parte do quadro clínico destas três patologias, no entanto ao levar em conta a presença de lesões ulceradas envolvendo pododáctilos e região distal do membro inferior direito, juntamente com a idade do paciente de 68 anos e seus hábitos de vida como etilismo, tabagismo e alimentação rica em gorduras, estas informações falam mais a favor de DAOP que de fato foi diagnosticada através do exame de imagem Eco-Doppler que apontou obstrução de artéria na perna direita e um valor de ITB de 0,12.

Discussão do caso de Doença Arterial Obstrutiva Periférica

● Qual o diagnóstico mais provável?

A história da doença atual do paciente, juntamente com seus hábitos de vida e os dados levantados durante o exame físico em associação ao exame de imagem Eco-Doppler que evidenciou uma placa aterosclerótica que causou a obstrução de artéria na perna direita.

● Como os achados dos exames de imagem explicam a condição do paciente?

O exame de imagem mostrou placa aterosclerótica obstruindo artéria em membro inferior direito, a obstrução impede a passagem do sangue o que eleva a pressão dentro do vaso, isto leva a extravasamento de líquido e outros componentes do sangue para o interstício causando o edema no leito vascular, este irá causar compressão das terminações nervosas da região e provocar a dor, o rubor se ao fato de formação de circulação colateral por onde o sangue é parcialmente desviado e as arteríolas que formam a circulação colateral são mais

superficiais.

● Existe algum exame necessário para diagnóstico? Qual?

Sim, o exame de Eco-Doppler colorido é necessário para avaliar se há obstrução e analisar se a obstrução está no leito arterial ou venoso e principalmente este exame também consegue evidenciar o local da obstrução.

● É possível dar o diagnóstico de DAOP apenas com história clínica e exame físico?

Sim, A história clínica e o exame físico muitas vezes são o suficiente para estabelecer o diagnóstico de DAOP. No entanto os exames de imagem como o Eco – Doppler são importantes para avaliar o local e gravidade da obstrução e também será necessário caso seja preciso realizar uma intervenção cirúrgica.

● Quais são os fatores que favorecem o surgimento da DAOP?

Os fatores de risco associados ao desenvolvimento de DAOP se assemelham aos que causam aterosclerose coronariana. Esses fatores de risco incluem tabagismo, diabetes mellitus, dislipidemia, insuficiência renal e hiper-homocisteinemia. Além disso a falta de atividade física e uma alimentação rica em gorduras favorecem a formação de placas ateroscleróticas. É importante lembrar também que a maioria dos pacientes se encontram na sexta ou sétima década de vida.

● Qual a conduta terapêutica mais apropriada?

 O tratamento divide-se em três principais formas:

1 – Conservador e clínico: modificação dos hábitos de vida é recomendada a todos os pacientes, e tem por objetivos o tratamento da DAOP e a redução do risco cardiovascular. Interrupção do fumo, controle da Pressão arterial.

2 – Intervencionista: indicado em pacientes com sintomas incapacitantes, intensos e progressivos e naqueles com isquemia em repouso (dor em repouso e/ou úlceras isquêmicas). Pacientes com ITB inicial < 0,5 apresentam probabilidade maior em desenvolver isquemia significativa do membro do que aqueles com ITB > 0,5.

3 – Amputação: Em 5 a 10% dos pacientes que apresentam isquemia crítica em repouso a amputação é a terapia inicial. No restante dos casos, a cirurgia acaba sendo indicada quando a revascularização, por uma razão ou outra, não pode ser realizada. A presença de infecção extensa é outro fator que geralmente indica o procedimento.

● Quais são as principais complicações da DAOP?

Dentre as principais e mais severas complicações da DAOP está a causa de necrose em membros inferiores principalmente nas regiões distais o que pode levar a amputação do membro necrosado. É importante lembrar que DAOP é causada por arteriosclerose que também pode causar isquemia miocárdica e doença cerebrovascular e assim levar a morte.

Existem outras hipóteses diagnósticas?

Sim, através da investigação inicial e antes de se realizar a confirmação diagnóstica pelo exame de imagem, o raciocínio clínico poderia ser levado principalmente para neuropatia periférica, linfedema e Trombose Venosa Profunda (TVP).

Diagnóstico(s) diferencial(is)?

Neuropatia Periférica: em doentes com neuropatia periférica, a dor não melhora com alteração de posição do membro como ocorre na DAOP. Formigamento comumente acompanha a dor isquêmica, contudo, outras alterações de sensibilidade, quando presentes, falam mais a favor de neuropatia.

Linfedema: consiste em um edema proveniente de extravasamento de líquido dos vasos linfáticos após estes se tornarem obstruídos, a principal queixa do paciente é o inchaço do membro que pode estar acompanhado de dor, calor e rubor.

Trombose Venosa Profunda: a dor em região posterior da panturrilha associada a edema e aparência cianótica do membro levantou a hipótese de TVP, consiste em obstrução do leito venoso causando extravasamento de líquido para o interstício e dor por compressão das terminações nervosas adjacentes.

Tratamentos indicados

1 – Conservador e clínico: modificação dos hábitos de vida é recomendada a todos os pacientes, e tem por objetivos o tratamento da DAOP e a redução do risco cardiovascular. Interrupção do fumo, controle da Pressão arterial.

2 – Intervencionista: indicado em pacientes com sintomas incapacitantes, intensos e progressivos e naqueles com isquemia em repouso (dor em repouso e/ou úlceras isquêmicas). Pacientes com ITB inicial < 0,5 apresentam probabilidade maior em desenvolver isquemia significativa do membro do que aqueles com ITB > 0,5.

3 – Amputação: Em 5 a 10% dos pacientes que apresentam isquemia crítica em repouso a amputação é a terapia inicial. No restante dos casos, a cirurgia acaba sendo indicada quando a revascularização, por uma razão ou outra, não pode ser realizada. A presença de infecção extensa é outro fator que geralmente indica o procedimento.

Diagnósticos diferenciais principais

Neuropatia Periférica

Trombose Venosa Profunda

Linfedema

Objetivos de Aprendizados/Competências

  • Objetivo 1: apresentar e discutir, por meio de caso clínico, as principais características clínicas relacionadas à Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP);
  • Objetivo 2: reconhecer os principais sinais e sintomas que caracterizam a Doença Arterial Obstrutiva Periférica;
  • Objetivo 3: compreender os fatores de risco para a Doença Arterial Obstrutiva Periférica;
  • Objetivo 4: identificar e diagnosticar, com base nos exames físico e complementar, a Doença Arterial Obstrutiva Periférica;
  • Objetivo 5: conhecer as principais formas de tratamento para quadros de Doença Arterial Obstrutiva Periférica;
  • Competência 1: fornecer uma interpretação da condição do paciente e dar razões ao seu tratamento.
  • Competência 2: diagnosticar a Doença Arterial Obstrutiva Periférica
  • Competência 3: diferenciar quadros de Doença Arterial Obstrutiva Periférica de outras doenças que possam surgir como hipótese diagnóstica durante o exame físico do paciente.

Pontos Importantes

  • A DAOP ocorre principalmente em pacientes que se encontra na sexta e sétima década de vida.
  • Os principais fatores de risco para a DAOP são tabagismo, diabetes mellitus, dislipidemia, insuficiência renal e hiperhomocisteinemia.
  • O risco de ocorrência de DAOP é de duas a quatro vezes maior em fumantes em comparação com não fumantes.
  • O diabetes mellitus está associado a um aumento de duas a quatro vezes no risco de DOAP, sendo que esse tipo de risco está associado ao tempo de duração do diabetes.
  • O exame de imagem de escolha é o Eco Doppler colorido, a presença de obstruções parciais ou oclusivas por placas ateroscleróticas nas artérias confirma o diagnóstico de DAOP.
  • Formigamento comumente acompanha a dor isquêmica, contudo, outras alterações de sensibilidade, quando presentes, falam mais a favor de neuropatia.
  • A Hiperemia Reativa ao exame físico é indício de DAOP.
  • As classificações de Fontaine e Rutherford para a DAOP são úteis para avaliar a gravidade da DAOP e o nível de isquemia.

Conclusão do caso de Doença Arterial Obstrutiva Periférica

Foi diagnosticado com uma Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP), na qual após uma ultrassonografia com Doppler, o Índice Tornozelo-Braquial (ITB) de 0,12 com queixas de claudicação intermitente e sensação de queimação no membro inferior direito, confirma o diagnóstico de Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP). Devido ao estágio avançado da enfermidade em que paciente se encontrava não foram realizados procedimentos para chegar à revascularização do membro, já que o paciente estava com o membro inferior inviável devido o nível de necrose tecidual e com comorbidades cardíacas e renais. Dessa forma, houve uma amputação transtibial. Em seguida, iniciou-se o tratamento medicamentoso com uso de Vancomicina, Piperacilina e Tazobactam, sendo que não conteve a proliferação bacteriana, havendo a necessidade de uma amputação transfemoral. Após esta segunda cirurgia se passaram nove dias que o paciente continuou em observação para tratar a proliferação das bactérias e para ver se haverá a necessidade de uma hemipelvectomia. Entretanto, durante a internação o paciente foi a óbito devido a complicações pela infecção bacteriana.