Área: Cardiologia/Emergência
Autores: Thaís Colares Silva
Revisor(a): Emanuel Carneiro de Vasconcelos
Orientador(a): Sandra Nívea dos Reis Saraiva Falcão
Liga: Programa de Educação em Reanimação Cardiorrespiratória – PERC
Apresentação do caso clínico
Paciente do sexo feminino, 50 anos, parda, costureira há 25 anos, natural e procedente de Fortaleza, Ceará, casada, católica. Foi levada pela filha ao departamento de emergência após apresentar 3 episódios de vômitos, associado a uma queixa de cefaleia, “vista borrada” e sonolência. Os sintomas iniciaram há cerca de 1 dia. A paciente informa ter sido diagnosticada com hipertensão há 6 anos. Nega outras comorbidades. Nega alergias. Nega tabagismo ou etilismo. Seus medicamentos de uso diário são hidralazina 25 mg VO 2x/dia e captopril 50 mg 1x/dia, mas não os toma de forma regular.
Ao exame físico, paciente apresentava estado geral regular, letárgica, orientada em tempo e espaço, afebril, acianótica, anictérica, normocorada, taquicárdica (102 bpm), normopnéica (18 irpm), hidratada, sem edema, escala de coma de glasgow 13/15. A pressão arterial sistêmica aferida foi 230/145 mmHg (PAM = 173 mmHg). Aparelho respiratório com murmúrio vesicular presente, sem ruídos adventícios. Ausculta cardíaca com ritmo cardíaco regular, em dois tempos, bulhas normofonéticas e sem sopros. Extremidades bem perfundidas, pulsos periféricos palpáveis e com boa amplitude. A paciente não apresentava déficits neurológicos focais. O eletrocardiograma apresentou indícios de sobrecarga ventricular esquerda. Sem alterações no raio x de tórax.
A fundoscopia evidenciou hipertensão intracraniana, a partir do achado de edema do disco óptico bilateral, que se encontravam elevados com as margens borradas e hiperemiados (papiledema). Observou-se também múltiplas micro-hemorragias e exsudatos algodonosos.
A paciente foi encaminhada para realizar exames laboratoriais, dentre eles hemograma, função renal (uréia e creatinina), eletrólitos e urina tipo I. Todos não apresentaram alterações.
Foi solicitado uma tomografia computadorizada sem contraste, a qual revelou extensas áreas hipodensas, sugerindo edema cerebral difuso, e edema de substância branca parieto-occipital bilateral. Não havia sinais indicando acidente vascular cerebral.
Diante do resultado de tais exames, a paciente foi diagnosticada com encefalopatia hipertensiva e foi internada para que fosse devidamente tratada.
Questões para orientar a discussão
1. Como pode ser feito o diagnóstico de tal enfermidade?
2. Qual a fisiopatologia da encefalopatia hipertensiva?
3. Trata-se de uma emergência ou uma urgência hipertensiva e porquê?
4. Qual o objetivo do tratamento?
5. Quais as drogas de escolha para o controle da pressão arterial?
Respostas
1. A paciente retratada no caso clínico apresenta sintomas neurológicos e sinais de alteração do nível de consciência e, conforme atestado no exame físico, papiledema bilateral e pressão arterial elevada. Essas informações nos levam a pensar em uma hipótese diagnóstica: Encefalopatia hipertensiva. Contudo, esse é um diagnóstico de exclusão e devem ser descartadas outras causas de alterações neurológicas como doenças vasculares cerebrais, infecções e disfunções metabólicas. Para isso, faz-se uso dos dados fornecidos pela história da paciente e pelo exame físico e complementar para excluir tais possibilidades.
A realização de uma tomografia computadorizada sem contraste faz-se necessária, tanto para descartar a possibilidade de um acidente vascular encefálico (AVE) como para atestar a hipótese de encefalopatia hipertensiva a partir de um achado de edema cerebral difuso e edema de substância branca parieto-occipital bilateral, melhor vista na ressonância magnética.
2. A vasculatura encefálica possui uma capacidade de autorregulação a fim de manter uma boa pressão de perfusão cerebral (PPC). Pequenas e moderadas variações da pressão arterial acionam o mecanismo de autorregulação do fluxo sanguíneo nesse órgão, levando à vasoconstrição ou à vasodilatação das artérias e arteríolas para manter uma adequada PPC. Em indivíduos normotensos, tal mecanismo, em geral, só é eficaz para uma variação da pressão arterial média (PAM) entre 50 mmHg e 130 mmHg, enquanto para pessoas cronicamente hipertensas, ou seja, que estão habituadas a altos níveis pressóricos, valores maiores de PAM podem ser toleradas e compensadas pelo mecanismo de autorregulação.
Quando o valor da PA ultrapassa o limite de compensação, há uma lesão da parede endotelial dos vasos, o que leva à vasodilatação, aumento da permeabilidade e quebra da barreira hematoencefálica, ocasionando edema cerebral difuso e pequenos focos hemorrágicos. Esse edema leva aos sinais e sintomas presentes, como náusea e vômitos, cefaleia, escotomas visuais, borramento da visão, alteração do nível de consciência, confusão mental, convulsões e coma.
O exame de fundo de olho é muito importante, pois, por meio dele, é possível atestar o aumento da PPC em caso de achado de papiledema.
3. Uma urgência hipertensiva ocorre quando há um aumento agudo da PA sem sinais de lesão-órgão alvo, mas há esse risco em pacientes que já apresentaram tal lesão previamente (um infarto miocárdico ou um acidente vascular encefálico, por exemplo) e que, dessa forma, podem ter novas complicações com o aumento acentuado da PA.
Já uma emergência hipertensiva ocorre quando há um aumento agudo da PA (PAS> 120mmHg e PAD > 180 mmHg) com evidências de lesão órgão-alvo, como infarto agudo do miocárdio, dissecção aórtica, hemorragia ou infarto cerebral, encefalopatia hipertensiva, injúria renal aguda, entre outras disfunções. Nesse caso, há risco de morte iminente.
Portanto, o caso retratado acima trata-se de uma emergência hipertensiva.
4. Na abordagem inicial, deve-se monitorizar o paciente, oferecê-lo oxigênio e assegurar um acesso venoso periférico calibroso (MOV). É importante proteger a via aérea em caso de rebaixamento do nível de consciência, podendo intubá-lo se necessário.
O objetivo do tratamento não é normalizar a pressão arterial, mas sim diminuir em 10 a 15% o valor da PAM na primeira hora, com cuidado para não reduzir mais que 25% nas primeiras 24 horas, pois uma diminuição brusca da PAM pode levar à hipoperfusão e, assim, isquemia cerebral.
5. Deve-se utilizar anti-hipertensivos intravenosos. Para a encefalopatia hipertensiva, as drogas de escolha são nitroprussiato de sódio e labetalol. O primeiro é um potente vasodilatador arterial e venoso (devido a sua rápida e potente ação, é recomendado a monitorização por pressão arterial interna [PAI]), enquanto o segundo é um bloqueador alfa e beta adrenérgico.
O nitroprussiato de sódio deve ser administrado em infusão, com um equipo protegido da luz, em uma dose de 0,25 – 10 µg/kg/min. O labetalol deve ser administrado em bolus de 20mg, seguido de 20 – 80 mg a cada 10 min, totalizando uma dose de 300 mg.