Casos Clínicos: Hanseníase | Ligas

Índice

Área:  Anatomia de Órgãos e Sistemas (Infectologia);

Autor: Hannah Luíza Araújo Rebouças;

Co-autor: Ricardo Serejo Tavares;

Revisor: Sarah Ferrer Augusto Gonçalves;

Orientador: José Antônio Carlos Otaviano David Morano;

Liga: Grupo de Estudos de Anatomia Aplicado à Saúde (GEAAS).

1) Introdução:

A hanseníase é uma doença
infectocontagiosa cujo agente etiológico é uma bactéria do tipo bacilo
ácido-resistente denominada Mycobacterium leprae, que é um parasita
intracelular obrigatório ácido-resistente com tropismo, principalmente, para as
células de Schwann e os macrófagos do sistema imunológico, podendo ser
encontrado, ainda, em monócitos, células endoteliais e neutrófilos. Além disso,
O único reservatório desse agente é o ser humano, onde possui uma lenta
replicação. 

A hanseníase pode se
manifestar das seguintes formas: Indeterminada, Tuberculóide, Dimorfa e o
Virchowiana.O principal modo de transmissão de hanseníase se dá por meio de
gotículas provindas da mucosa nasal de um indivíduo contaminado e, até o
momento, o homem é o único reservatório da doença. 

Por fim, a melhor forma de
tratar hanseníase é pela identificação e pelo tratamento de pacientes que estão
paucibacilares, possibilitando o fim no ciclo de contágio e evitando que esses
pacientes evoluam com sintomas irreversíveis, como deformidades.

2) Identificação do paciente e história clínica:

Carlos José Freitas, 30 anos, natural de Juiz de Fora, mora em
Fortaleza há 1 ano, ensino superior completo em administração, empresário,
pardo, católico, heterossexual.

Queixa-se de possuir uma
“mancha lhe envergonha quando fica sem blusa”. Relata que notou a
mancha há 2 meses. Paciente refere, ainda, anestesia na região da mancha,
“Já cheguei a furar com uma agulha, mas não senti nada”. Afirma
também leve rarefação de pelos nesse mesmo local. Nega outras alterações.

3)
Queixa principal:

O paciente relata aparecimento de mácula hipocrômica e irregular
em região dorsal há 2 meses.  Veio hoje à consulta pois alega que colegas
repararam sua mácula quando estava sem camisa, o que lhe envergonhou, fazendo-o
buscar atendimento médico.

4)
História da doença Atual (HDA):

O paciente não sabe afirmar
exatamente como começaram os sintomas, mas alega que notou a mácula há 2 mês,
já apresentando alteração de sensibilidade e de coloração. 

Não buscou assistência médica
antes porque não o incomodou, já que poderia esconder quando estava vestido. Em
dado momento, ele saiu com seus amigos, onde acabou despindo sua blusa,
permitindo que seus colegas visualizassem a mácula, fazendo-o sentir
vergonha. 

Além disso, nega presença de
outros sintomas.

5)
História de vida:

Ele relata ter nascido de
parto normal e ter apresentado um desenvolvimento neuropsicomotor adequado para
a idade. Nega viroses comuns da infância (varicela, caxumba, rubéola). Nega
hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus do tipo 2, dislipidemia e
outras comorbidades. 

Nega histórico de internação
hospitalar, acidentes, cirurgias ou transfusões sanguíneas. Previamente hígidos
antes do aparecimento da lesão. É solteiro e mora sozinho um apartamento na
região norte de Fortaleza há um ano. 

Possui bom contato com sua
família, que ainda está morando em Juiz de Fora. Tem um grupo de amigos em
Fortaleza e sair com eles em seu tempo livre. Trabalha como empresário de venda
de roupas e possui renda estável.

6)
Exame físico:

Presença de mácula
hipopigmentada com distribuição normal de pelos, redução da sensibilidade
térmica e tátil na região da mancha. Ao exame físico, foi observado, também,
ausência de sensibilidade térmica na mancha.  Não foram encontradas outras
lesões ao longo do corpo. Sem alteração em outros sistemas.

7)
Exames complementares:

Vale ressaltar que não é
necessária a realização de exames complementares para diagnosticar hanseníase,
sendo a história clínica o ponto mais importante desse processo. Contudo,
existem certos exames complementares que auxiliam no diagnóstico e na
estratificação da doença, como a baciloscopia de linfa, o teste de mitsuda,
sorologia, eletroneuromiografia eanálise Histopatológica.

A baciloscopia do
esfregaço intradérmico
é negativo na fase indeterminada e na fase
tuberculóide. Já nas fases dimorfa e virchowiana, ele é positivo com a presença
de infiltrações com distribuição assimétrica. Esse exame é o teste mais
realizado no ambiente das Unidades Básicas de Saúde, visto que o procedimento é
simples, sendo feito por meio da coleta de linfa a partir de uma incisão com um
bisturi no lóbulo da orelha, cotovelo ou joelho. 

O método quantitativo mais
utilizado nesse exame para a contagem dos bacilos é a Escala Logarítmica de
Ridley, ela varia de 0 a 6 + (cruzes) para determinar se o resultado foi
positivo ou negativo. Se o resultado da baciloscopia for positivo, o paciente
será classificado como multibacilares, entretanto, se o resultado for negativo,
não será descartada a possibilidade do paciente estar com hanseníase.

O teste de Mitsuda
avalia a integridade da imunidade celular específica de um paciente para o M.
leprae.
O resultado positivo demonstra o amadurecimento do sistema
imunológico celular após o estímulo pelo M. leprae ou por outras
micobactérias. O teste é feito por meio da injeção do antígeno integral de
Mitsuda-Hayashi 0,1ml por via intradérmica, junto de uma seringa de insulina,
na pele saudável, sendo aplicada da face anterior do antebraço direito, a 3 cm
abaixo da dobra antecubital. 

Após a aplicação, surge uma
pápula de aproximadamente 1 cm no momento da inoculação. A aplicação
intradérmica do antígeno de Mitsuda origina respostas independentes, conhecidas
como reação precoce e reação tardia. A reação precoce se apresenta por meio de
eritema e induração local de 48 a 72 horas após a introdução do antígeno. As
indurações serão positivas se apresentarem diâmetro maior que 10 mm. Se o
diâmetro for inferior, considera-se como resposta aos antígenos comuns do M.
leprae e outras micobactérias. A reação tardia atinge a sua intensidade máxima
por volta de 28 dias. 

Outro exame é o histopatológico
das lesões cutâneas e neurais
. Apesar desse exame ter grande relevância
para a classificação da hanseníase, ele não é tido como padrão-ouro, mas apenas
um complemento para o diagnóstico. Esse exame possui grande utilidade no
diagnóstico da forma indeterminada da hanseníase, bem como, na avaliação dos
episódios reacionais e no acompanhamento do paciente. Chama-se bastante atenção
à possibilidade de resultados duvidosos devido a problemas durante sua
realização.

A eletroneuromiografia
permite o estudo das funções sensoriais e motores de nervos periféricos e músculos.
Ela permite a análise das medidas de velocidade e condução sensitiva e motora,
sendo aplicada no território de inervação de cada nervo suspeito. É realizada
quando há casos com manifestação neurológica, e, quando há confirmação de
alterações eletrofisiológicas, realiza-se a biópsia nervosa para realização de
diagnóstico diferencial.

O teste de sorologia
não pode ser usado como diagnóstico sozinho, servindo apenas como exame
complementar para a história clínica. É mais indicado para pacientes multibacilares,
visto que, nos paucibacilares, os anticorpos são quase indetectáveis. O
antígeno PGL-I é específico para o M. leprae, levando à formação de anticorpo
IgM. A imunoglobulina aguda possui ligação com a forma clínica da doença, bem
como com o processo de patogenia. Os testes sorológicos disponíveis para
investigar hanseníase são:ELISA, teste de hemaglutinação passiva, teste de
aglutinação com partículas de gelatina, dipsticks e fluxo lateral.

8) Diagnóstico principal:

A principal hipótese diagnóstica é Hanseníase de forma
indeterminada, devido às máculas hipopigmentadas com perda de sensibilidade
térmica/tátil.

9)
Pontos de discussão:

●     O que é a
Hanseníase?

●     Quais são as
principais formas da Hanseníase?

●     Quais são os
diagnósticos diferenciais?

●     Como se dá o
tratamento do paciente com hanseníase?

10) Discussão do caso de Hanseníase:

O diagnóstico mais provável é
a hanseníase indeterminada, cujo agente etiológico é o bacilo Mycobacterium
Leprae
, sendo o Brasil responsável por cerca de 15% dos casos da doença no
mundo. O Mycobacterium leprae é um parasita intracelular obrigatório
ácido-resistente com tropismo, principalmente, para as células de Schwann
e os macrófagos do sistema imunológico, podendo ser encontrado, ainda, em monócitos,
células endoteliais e neutrófilos.

O único reservatório desse
agente é o ser humano, ainda que a transmissão já tenha sido reportada em
alguns outros animais, e a  principal forma de transmissão dessa doença se
dá por meio de gotículas provindas da mucosa nasal de um indivíduo contaminado,
mas também pode haver transmissão transcutânea a partir de contato direto com
áreas de lesões não tratadas e ulceradas de pacientes multibacilares. 

A manifestação clínica
inicial dos pacientes acometidos é a neurite periférica, que pode evoluir para
distúrbios sensoriais graves em fases mais tardias da doença. A lenta
proliferação dessa bactéria, que se divide uma vez a cada 12 dias resulta num
elevado período de incubação que pode variar entre 3 e 11 anos dependendo do
polo da patologia. 

Sob esse viés, a Hanseníase
pode se manifestar das seguintes formas: Indeterminada, Tuberculóide, Dimorfa e
o Virchowiana. A hanseníase indeterminada é uma patologia que afeta a população
pediátrica e adultos. As lesões características dessa manifestação da doença
apresentam distribuição normal de pelos, transpiração normal e sensitividade
tática e térmicas levemente diminuídas. 

Além disso, as máculas são
hipopigmentadas ou eritemato-hipocrômicas pequenas em tamanho e em quantidade,
além de serem localizadas principalmente em partes frias, como o tronco, a
pele, câmara anterior dos olhos, a parte extensora dos braços e das pernas e os
testículos. As lesões da hanseníase indeterminada podem ser curadas por
completo sem deixar sequelas com o tratamento adequado. Esse estágio da doença
é paucibacilar, onde o paciente não transmite. Quando realizado o exame de
baciloscopia de linfa, o resultado será negativo.

O hanseníase tuberculóide
é caracterizado por um quadro de placas hipocrômicas ou eritemato-hipocrômicas,
de bordas infiltrativas e irregulares, insensíveis à dor e à temperatura que
podem ser encontradas em qualquer região do corpo, sendo estas pequenas em
quantidades, mas expressivas em tamanho, podendo chegar em 10cm ou mais de comprimento.
Atinge principalmente a pele e, em um estágio precoce, os nervos periféricos e
apresenta um período de incubação de 2 a 5 anos. Esse estágio da doença é
paucibacilar, onde o paciente não transmite.

A hanseníase dimorfa é
uma manifestação intermediária da Hanseníase, possuindo características de
ambos os pólos tuberculóide e Virchowiano. A grande maioria dos pacientes acaba
por se enquadrar nesta classificação, que se subdivide em três subgrupos que
dependem da resposta imunológica do indivíduo: dimorfa tuberculóide, dimorfa
dimorfa e dimorfa virchowiana. O paciente nesse estágio será multibacilar, o
que o faz ser transmissor da doença. As lesões, por serem coalescentes,
apresentam um aspecto pré-foveolares e/ou foveolares, onde o centro da lesão tende
à cura. Ao realizar baciloscopia de linfa, o resultado poderá ser tanto
negativo quanto positivo.

A hanseníase dimorfa
tuberculóide possui lesões de pele mais numerosas em formato assimétrico (10 a
20 ou mais) que na manifestação tuberculóide, além de apresentar danos em
nervos periféricos mais comumente. Pode ser observada a presença de infiltrados
granulomatosos.

Na hanseníase dimorfa
dimorfa, as lesões acabam por se assemelhar mais com o tipo virchowiano e o
crescimento de pelos, bem como a transpiração são pouco afetadas no local das
lesões. As máculas, pápulas e placas possuem uma distribuição simétrica com
características das manifestações tuberculóide e virchowiana e uma
histopatologia que indica baixa incidência de granulomas.

Na hanseníase dimorfa
virchowiana, as máculas são hipopigmentadas, múltiplas, mal delimitadas,
amplamente e simetricamente distribuídas. A madarose é ausente ou reduzida e
existe um grande comprometimento nervoso periférico que costuma atingir
primeiramente pacientes com hanseníase dimorfa virchowiana que a hanseníase
virchowiana. Histologicamente, essa fase intermediária é caracterizada pela
ausência de granulomas com células gigantes e epitelióides.

A hanseníase virchowiana
é também conhecida é multibacilar, ou seja, em que há possibilidade de
transmissão. Essa manifestação é caracterizada por placas eritematosas e
infiltradas (lepromas) simétricas com alteração de sensibilidade presentes com
preferência para as regiões da face e os lobos da orelha.  Esses
infiltrados na região facial acabam são padrão da fácies leonina

Além disso, o paciente que
apresenta Hanseníase Virchowiana costuma apresentar perda dos cílios e
supercílios, deformidade nasal causada pelo acometimento da mucosa local, bem
como obstrução e epistaxe. O processo inflamatório causado pelo Mycobacterium
leprae
pode atingir toda a laringofaringe, se apresentando na forma de
ulcerações mucosas do palato e de laringe com perfuração do palato e até perda
da úvula. 

A perda total da visão é uma
complicação que acomete cerca 10% dos pacientes com o pólo virchoviano devido a
infiltração de tecidos ao redor do olho, atrofia das estruturas oculares além
de outros fatores. Além disso, a glomerulonefrite é relatada em 2 a 23% dos
pacientes devido disseminação linfática e sanguínea do bacilo. A baciloscopia
apresenta resultado positivo e o paciente apresenta manifestações neurológicas.

11) Existem outras hipóteses diagnósticas?

Leishmaniose tegumentar americana devido à presença da mácula
hipopigmentada. 

12) Diagnóstico(s)
diferencial(is):

Leishmaniose Tegumentar
Americana

A leishmaniose tegumentar
americana é uma doença infectocontagiosa causada pelo protozoário do gênero Leishmania
cujo vetor é a fêmea do mosquito flebotomíneo do gênero Lutzomyia, conhecido
popularmente como mosquito-palha. Nesse aspecto, já foram observados como
hospedeiros ou reservatórios naturais do parasita animais como marsupiais,
canídeos domésticos e algumas espécies de roedores. 

Essa doença se pode se
apresentar em sua forma cutânea e sua forma disseminada. A forma cutânea da
doença é caracterizada pela presença de pápula eritematosa que geralmente
evolui para úlcera indolor no local da picada do mosquito, enquanto na
disseminada há o surgimento de múltiplas lesões papulares com um aspecto
acneiforme distribuídas em diversas regiões do corpo. 

O diagnóstico da Leishmaniose
Tegumentar Americana se dá levando em consideração o aspecto
clínico-epidemiológico e laboratorial devido ao vasto leque de diagnósticos
diferenciais dessa doença. Sob esse viés, é possível observar a presença de
lesão macular indolor no paciente bem como uma epidemiologia propícia a doença,
que é o fato do indivíduo morar em um país onde há grandes índices dessa
condição, o que torna importante a realização de um exame histopatológico que
descarte ou confirme a presença da doença.

13)
Tratamentos Indicados:

Existem dois tipos de
tratamento para os pacientes com hanseníase, podendo ele ser paucibacilar ou
multibacilar. Para os pacientes paucibacilares, temos uma combinação de
rifampicina com dapsona. Esses medicamentos são colocados em cartelas
padronizadas para o tratamento paucibacilar. No total, o paciente deverá
utilizar seis cartelas, onde esse tratamento terá uma duração de 6 meses,
podendo durar até 9 meses e ainda surtir o efeito. Caso o paciente não cumpra o
tratamento em até 9 meses, deverá reiniciar as seis cartelas.

A medicação é administrada da
seguinte forma:

  • 1º Dia da cartela: Tratamento supervisionado, composto por duas
    cápsulas de rifampicina 300 mg e um comprimido de dapsona 100 mg.
  • 2º ao 28º Dias da cartela: um comprimido de dapsona 100 mg diário
    e auto-administrado.

Quando se trata de um paciente multibacilar, a lógica de
tratamento é semelhante ao tratamento do paucibacilar, mas apresenta algumas
diferenças. A cartela apresenta três drogas, sendo elas rifampicina, dapsona e
clofazimina. O tratamento possuirá 12 cartelas, sendo administradas
mensalmente, fazendo-o possuir um período mínimo de 12 meses e, no máximo 18.
Caso o paciente não cumpra o tratamento em até 18 meses, deverá reiniciar as 12
cartelas.

A medicação é administrada da
seguinte forma:

  • 1º Dia da cartela:
    Tratamento supervisionado, composto por duas cápsulas de rifampicina 300 mg, um
    comprimido de dapsona 100 mg e três cápsulas de clofazimina 100 mg.
  • 2º ao 28º Dias da cartela: Um
    comprimido de dapsona 100 mg e uma cápsula de clofazimina 50 mg, uso diário e
    autoadministrado.

14) Diagnósticos diferenciais principais:

  1. Leishmaniose
    tegumentar americana

15)
Objetivos de Aprendizados/Competências:

●    Discorrer
acerca das possíveis manifestações da Hanseníase

●   Analisar
os diagnósticos diferenciais.

●   Compreender
como se dá o tratamento da doença

16)
Pontos Importantes:

●   Máculas
hipocrômicas

●   Perda
de sensibilidade

17)
Conclusão do caso de Hanseníase:

Foi feito o tratamento para
hanseníase paucibacilar através do esquema de rifampicina e dapsona durante
o período de 6 meses. Associado ao tratamento, houve o uso de óleo mineral para
hidratação de pele. Paciente evoluiu para cura.

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