Área: Ortopedia/ Dor/
Neurocirurgia
Autores:
Daniela Louise Fernandes Alves, Thaiane Cirqueira Moreira Revisor(a): Stephanie
de Carvalho Costa
Orientador(a): Lara Cardoso
Liga:
Liga Acadêmica de Radiologia da Bahia (LARB-BA)
Apresentação do caso
clínico
Paciente do sexo masculino, 55 anos, pardo,
casado, marceneiro, natural e procedente de Caetité, Bahia, procurou a unidade
de pronto atendimento com queixa de dor na região lombar principalmente no
período da manhã, que ocorre a cerca de 4 meses. Refere também que apresenta
dores de cabeça há 2 meses, unilateral, sem sinais de desvio lateral (dor
consistentemente no mesmo lado da cabeça), que exacerba com a movimentação do
pescoço ou posturas anormais ao pegar móveis, após trauma na região cervical
(quando estava cortando um pedaço de madeira, se desequilibrou e bateu a nuca
na borda de uma mesa). Refere uso de analgésicos e anti-inflamatórios por conta
própria, que incialmente cessavam os quadros, mas atualmente não fazem mais
efeito. Relata ainda que a dores pioram ao movimento
de flexão da coluna. Refere piora do quadro a cerca de 2 meses com irradiação
da dor para a coxa e glúteo do membro inferior direito, associada a
formigamento nas mesmas regiões, acredita que a piora do quadro está
relacionada com o trauma que sofreu que deu início a dor na região cervical,
afirma que a dor lombar mudou de padrão após esse episódio de trauma ao
carregar um móvel muito pesado sozinho, no qual não aguentou e acabou caindo
com o móvel no chão. Não sabe afirmar o caráter da dor cervical e nem da
lombar, relata somente que é uma dor que o incomoda bastante, refere que a
intensidade da dor de cabeça é de 6 em 10 e da dor lombar 5. Afirma tabagismo e
refere que seu pai tinha dores frequentes na coluna. Nega outras patologias
prévias e outros sintomas associados ao quadro álgico.
Ao exame físico, apresentava-se com regular
estado geral, lúcido e orientado no tempo e espaço, hidratado, anictérico,
acianótico, eupneico (frequência respiratória de 17 ipm), normocardico
(frequência cardíaca de 76 bpm), normotenso (pressão arterial de 120×80 mmHg),
altura: 170 cm, peso: 92 kg e IMC: 31,8. Apresenta força e sensibilidade
preservados nos membros inferiores, limitação de mobilidade dolorosa da coluna
lombossacra, manobra de Lasegue positiva a esquerda, manobra de Romberg
negativa. Membros superiores com força, sensibilidade e mobilidade preservados.
Aparelho cardiovascular e respiratórios normais ao exame. Dor produzida com
pressão aplicada sobre o colo ipsilateral supero-posterior; dor ipsilateral no
pescoço, ombro e braço; e amplitude de movimento restrita da coluna cervical.
Teste de flexão-rotação cervical positivo. Sem cefaleia no momento.
O paciente foi orientado a realizar exame de
imagem para investigação de hérnia discal de origem lombar e/ou cervical e foi
encaminhado para o ortopedista. Foi solicitado Ressonância Magnética (RM) que
produz informações detalhadas de partes ósseas e de tecidos moles podendo
auxiliar não só no diagnóstico correto, mas até na proposta terapêutica,
fazendo da RM o exame indispensável para a correta avaliação do paciente.
Após um mês, paciente retorna ao ortopedista
apresentando os seguintes exames de imagem:

Disco lateral (RM). A. RM sagital, T1WI, através do neuroforame esquerdo mostra
estrutura de baixo sinal no neuroforame L4 (seta), que representa protrusão do
disco lateral. B. T1WI axial
(superior) e T2* (inferior) mostram o disco lateral (setas) no neuroforame
esquerdo.

Hérnia discal aguda pós-traumática.
Ressonância magnética – imagem sagital da coluna cervical ponderada em T2.
Hérnia discal aguda de C5-C6, comprimindo a medula espinhal, que apresenta
hiperssinal estendendo-se de C4 até C7.
Após a análise dos exames de imagem o
ortopedista optou pelo tratamento conservador e cirúrgico do paciente,
acompanhando o mesmo periodicamente. Como a hérnia cervical comprimiu a medula,
o ortopedista optou pela discectomia pela via anterior, com colocação de
enxerto. Para a hérnia lombar foi instituído o tratamento conservador que
incluiu: completa imobilização da região herniada (com o auxílio de cintos e
coletes), medicamentos analgésicos e antiinflamatórios. Além de fisioterapia
para ensinar exercícios e alongamentos especiais. Após 3 meses, o paciente
evoluiu com melhora clínica satisfatória.
Questões para orientar a discussão
- Qual a anatomia relacionada à hérnia discal?
- Como pode ser classificada uma hérnia discal?
- Quais os principais diagnósticos diferenciais?
- Quais os sinais de alerta no caso da hérnia discal?
- Qual a conduta diagnóstica?
- Quais são as indicações para a terapêutica?
Respostas
- No adulto, a
coluna vertebral normalmente tem 33 vértebras, organizadas em cinco regiões: 7
vértebras cervicais, 12 torácicas, 5 lombares, 5 sacrais e 4 coccígeas. Só há
movimento significativo entre as 25 vértebras superiores. Das 9 vértebras
inferiores, as 5 vértebras sacrais estão fundidas nos adultos formando o sacro
e, após aproximadamente 30 anos de idade, as 4 vértebras coccígeas se fundem
para formar o cóccix. A maioria das condições de hérnia ocorre entre L4 e L5,
seguida por L5-S1. A partir da terceira década de vida, diversas modificações
bioquímicas e anatômicas provocam a perda da capacidade do disco em distribuir
cargas da maneira adequada. A distribuição anormal da carga pode causar
formação de fissuras no ânulo fibroso, no qual o material do núcleo pulposo
pode insinuar-se, formando uma hérnia de disco que comprime as raízes nervosas
que emergem da coluna. Dependendo do local da herniação, é possível que ocorra
situações clínicas diferentes. - A hérnia de disco pode ser classificada de acordo com a região da coluna que ela afeta, podendo ser: cervical, torácica ou lombar; De acordo com a localização em central, recesso lateral, foraminal e extraforaminal (FIG. 2.4.5); Quanto à morfologia em hérnias protusas: abaulamento no disco intervertebral sem a ruptura completa do ânulo fibroso, hérnias extrusas: extravasamento do conteúdo discal pelo ânulo fibroso para o interior do canal vertebral, mas mantendo contato com o núcleo pulposo do espaço intervertebral e hérnias sequestradas: o fragmento herniário extravasa pela ruptura do ânulo fibroso formando um fragmento livre sem contato com o núcleo pulposo remanescente (FIG. 2.4.6); Quanto ao tempo, a condição é aguda quando o tempo de evolução é menor que três meses, ou crônica, quando os sintomas evoluem por mais de três meses. Há diversas controvérsias quanto ao tempo mínimo para determinar que uma hérnia é aguda
- Os principais diagnósticos diferenciais para hérnia de disco lombar são: fibromialgia, neoplasias, infecções como osteomielite e discite, artrite reumatoide, lombalgia mecânica, doença degenerativa discal, espondilite anquilosante, fratura vertebral, estenose do canal vertebral e transtorno somatoforme. Os principais diagnósticos diferenciais para hérnia de disco cervical são: enxaqueca, cefaleia tensional e neuralgia occipital.
- Os sinais de alerta para hérnia incluem sinais e sintomas que sugerem neoplasias, infecções ou síndrome da cauda equina, este ultimo que é caracterizado por anestesia em sela, bexiga disfuncional e déficit motor e de sensibilidade, ou seja, neurológico que ocorre de forma progressiva ou grave nos membros inferiores. Na hérnia cervical, podemos destacar perda de força, falta de sensibilidade ao tato e alterações nos esfíncteres, início súbito ou primeira cefaleia, mudança no padrão da dor ou cefaleia progressiva, edema de papila, convulsões, déficits neurológicos focais e sinais sistêmicos.
- A conduta diagnóstica começa através de uma anamnese bem colhida, seguida de um bom exame físico. A marcha deve ser examinada, pois o paciente pode apresentar-se com claudicação com escoliose antálgica, marcha de Trendelemburg (devido à compressão grave da raiz de L5 que pode gerar fraqueza abdutora), marcha com pé caído (devido à paresia extensora do pé por compressão das raízes L4 e L5) ou marcha de base alargada, que pode significar compressão mais superior. O paciente pode andar com o tronco curvado para frente e a mão nas costas. O exame físico neurológico completo deve ser executado, examinando força, reflexo e sensibilidade para cada raiz a ser pesquisada e comparando sempre com o membro contralateral. A força motora é graduada de 0 a 5.
A sensibilidade pode ser testada com o uso de
um objeto de toque suave, como pincel ou algodão, e um objeto pontiagudo. Os
reflexos são testados com martelo de reflexos apenas nos níveis que apresentam
reflexos correspondentes. Os níveis lombares podem ser testados de L2 a S1. O
teste da elevação do membro inferior em extensão é um teste provocativo,
realizado com paciente em decúbito dorsal, no qual o examinador eleva o membro
inferior segurando pelo calcanhar com o joelho estendido. O teste é considerado
positivo se a dor ciática for
reproduzida entre 35 e 70° de elevação. Esse teste é útil para detectar
compressões das raízes de L4, L5 e S1, e sua positividade é indicativa de
compressão radicular em 90% dos casos. O teste deve ser realizado
bilateralmente; se a elevação do membro contralateral reproduzir a dor no
membro inferior ipsilateral, é sinal patognomônico de hérnia discal,
provavelmente localizado na axila da raiz nervosa.
O exame manual das articulações cervicais
superiores normalmente envolve a avaliação da amplitude de movimento restrita
da coluna cervical (ADM) cervical para determinar a mobilidade da coluna
cervical. Técnicas comuns de diagnóstico clínico utilizadas incluem o teste de
flexão-rotação (FRT), AROM cervical, movimentos intervertebrais acessórios
passivos, movimentos intervertebrais fisiológicos passivos, força muscular
cervical, medições da área transversal (CSA) dos músculos extensores cervicais,
teste de flexão crânio-cervical, palpação para pontos-gatilho, limiar de
pressão da dor, e sentido cinestésico cervical / sentido da posição articular.
A FRT é uma técnica de exame manual com alta sensibilidade e especificidade.
Por fim, o exame de imagem escolhido para a detecção de hérnia de disco é a RM. Por ela, é possível identificar a localização da hérnia e as estruturas que estão sendo comprimidas, além de tornar possível a detecção de protusões, extrusões e sequestro.O tratamento das hérnias de disco pode ser dividido em conservador ou cirúrgico.
6.O tratamento conservador inclui completa imobilização da região herniada; analgésicos, antiinflamatórios, relaxantes musculares; fisioterapia, acupuntura, dentre outros. O tratamento cirúrgico deve ser instituído quando o paciente não apresenta melhora do quadro após realizar o tratamento conservador ou em casos de complicação como perda de força, falta de sensibilidade ao tato, alteração de esfíncteres ou risco de compressão da medula espinhal aguda ou crônica. As indicações absolutas para o tratamento cirúrgico são síndrome de cauda equina e síndrome de compressão medular, ambas em situação aguda. Nesses casos, a cirurgia deve ser precoce, assim como em casos de déficit neurológico radicular agudo com força menor que 3 e dor gravemente incapacitante resistente a medicações. As indicações relativas são radiculopatia persistente ao tratamento conservador por mais de seis semanas ou hérnia presente em pacientes com canal estreito adquirido ou congênito. Apesar de tantas técnicas criadas, nenhuma se provou superior à excisão cirúrgica tradicional ou à microdiscectomia, que, em uma população ideal, pode apresentar taxa de sucesso de até 90% para hérnia discal lombar. Para as hérnias ou protusões de discos cervicais a discectomia pela via anterior, com colocação de enxertos ou espaçadores em um ou mais níveis vertebrais, é a técnica mais utilizada.