Cirurgia geral

Casos Clínicos: Neoplasia de Próstata

Casos Clínicos: Neoplasia de Próstata

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História clínica

A.C.F., 51 anos, sexo masculino, conta antecedente de sintomas do trato urinário inferior que caracterizou como jato urinário médio, sensação de esvaziamento vesical incompleto e noctúria três vezes há dois anos. Refere que evoluiu com retenção urinária aguda há dois meses após episódio de prostatite aguda e que esta com sonda vesical de demora desde então. Fez tratamento adequado com antibioticoterapia orientada por urocultura. Dosagem de PSA da ocasião da retenção urinária aguda foi de 62 e PSA controle atual de 14,9. PSA de dois anos atrás era de 2,6. Conta que pai teve diagnóstico de câncer de próstata. Foi submetido à biópsia transretal de próstata e traz resultado que mostra adenocarcinoma de próstata Gleason 5+4 em todos os fragmentos.

Exame físico

Encontrava-se em bom estado geral. Abdome globoso, flácido e indolor. Exame digital de próstata: próstata indolor, volume maior que 80 g, endurecida bilateralmente com nódulo palpável em base esquerda.

Exames complementares

Exames laboratoriais

Prosseguimento do caso após avaliação clínica

Solicitados exames de imagem para estadiamento. Ressonância multiparamétrica da pelve com próstata com dimensão de 82 g e extensa lesão infiltrativa acometendo ambos os lobos da base ao ápice, em especial o aspecto posterior do lobo esquerdo. Presença de comprometimento bilateral de feixe vasculonervoso e envolvimento de ambas as vesículas seminais e do terço distal da uretra prostática. Presença linfonodomegalias nas cadeias ilíacas externas com até 3,9 cm. Cintilografia óssea: áreas de concentração anômala do indicador em asa do ilíaco esquerdo e acetábulo esquerdo e região trocantérica do fêmur direito com características de lesões secundárias ósseas. (Figura 1)

Figura 1 – Cintilografia óssea

Programada ressecção transuretral de próstata e encaminhada para serviço de oncologia clínica para a avaliação de tratamento sistêmico.

QUESTÕES PARA ORIENTAR A DISCUSSÃO

1. Quais são os principais fatores de risco para câncer de próstata?

2. Como funciona o rastreamento do câncer de próstata?

3. Qual é a importância da graduação histológica de Gleason?

4. Quais são as opções de tratamento radical?

5. Qual é o principio racional do tratamento sistêmico?

Discussão

Epidemiologia

O câncer de próstata (CaP) é o tumor sólido não cutâneo mais comum nos homens de países ocidentais, constituindo a segunda causa de óbitos por câncer. Estimou-se o diagnóstico em cerca de 220.800 homens americanos em 2015, com cerca de 27.540 mortes relacionadas a esta patologia1 .No Brasil, aproximadamente 61.200 novos casos de CaP foram diagnosticados em 20162 .

Patogênese

O Cap surge porque as múltiplas divisões celulares que ocorrem com o passar dos anos vêm acompanhadas de discreta fragmentação dos cromossomos que se privam de parte de seu material genético. Com o decorrer do tempo, acumulam-se perdas dos genes supressores, que liberam a atividade dos proto- -oncogenes e permitem a degeneração das células prostáticas. Biomarcadores emergentes incluem genes supressores (p53, p21, p27, NKX3.1, PTEN, Rb) e oncogenes- Bcl2, c-myc, EZH2 e HER23,4.

Diagnóstico

A maioria dos tumores de próstata está na zona periférica da próstata e por essa razão a maioria dos homens não vai apresentar sintomas da doença em sua fase inicial. Em estádios mais avançados, poderão aparecer sintomas de dificuldade miccional relacionada com a obstrução infravesical. Quando há disseminação a distância, pode aparecer dor óssea (metástases ósseas). Elevação nos níveis de PSA e exame digital de próstata (EDP) suspeito são as principais indicações de biópsia da próstata para fazer o diagnóstico histológico5 .

O antígeno prostático específico (PSA) é uma glicoproteína da família das calicreínas produzida pelo epitélio prostático, e apesar de poder ser encontrado em pequenas concentrações em outros tecidos, na prática clínica, é considerado um marcador órgão-específico da próstata1 .

O PSA pode ser alterado por alguns fatores além do CaP, como uso de medicamentos que interfiram no metabolismo dos andrógenos (finasterida, dutasterida), prostatite, hiperplasia prostática benigna (HPB) e traumas, além de variar com a raça e a idade. Também é necessário ressaltar que não há valor de PSA que exclua a chance de CaP; quanto maior o PSA, maior a chance de CaP e de tumor significativo6 .

Com relação à biópsia, devem ser retirados pelo menos 12 fragmentos, com uma maior avaliação da zona periférica prostática7 . Caso seja indicada uma rebiópsia e os exames prévios não forem diagnósticos para CaP, está indicada a realização de uma biópsia sistemática associada ao exame de lesões suspeitas visualizadas na ressonância multiparamétrica de próstata (RNMmp)8 .

Graduação histológica de Gleason

Baseia-se na diferenciação glandular e no padrão arquitetural. De acordo com este sistema, o grau (padrão) histológico poderá ser de 1 a 5. É calculado pela soma do padrão histológico mais comum e o padrão histológico mais alto do fragmento biopsiado, sendo assim o escore final pode variar de 2 a 109 .

Rastreamento de Cap

Existem boas evidências que desaconselham o rastreamento populacional em massa do CaP, mostrando que os benefícios que seriam esperados de redução de mortalidade específica não se justificam diante dos riscos advindos do rastreamento, tais como excesso de diagnósticos de tumores sem repercussão clínica, tratamentos excessivos para doenças indolentes e morbimortalidades10.

Por outro lado, os estudos de rastreamento de melhor metodologia mostraram uma redução do risco relativo de mortalidade por CaP de 21% no estudo ERSPC após 13 anos11. Há uma tendência atual de se realizar o rastreamento do CaP de forma mais seletiva e individualizada, para homens previamente informados dos riscos e benefícios do rastreamento, levando-se em consideração basicamente a idade, fatores de risco, tais como raça negra e antecedente familiar, e a expectativa de vida.

A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) recomenda que todos os homens com idade acima de 50 anos devam realizar o exame de PSA, bem como o EDP. Homens da raça negra ou com antecedente familiar da doença deverão começar o rastreamento aos 45 anos. A idade limite para o rastreamento é até 75 anos ou em homens com expectativa de vida menor que 10 anos12.

Estadiamento

Os principais fatores prognósticos no câncer de próstata são: o estádio TNM, o escore de Gleason e os níveis de PSA. Com base nesses dados, os pacientes podem ser classificados em relação ao risco de recidiva. Dividem-se os casos em risco baixo, intermediário e alto, conforme a classificação de D’Amico13.

A RNMmp pode ser empregada no diagnóstico, no estadiamento local e na distância. O exame tem demonstrado papel importante também na vigilância ativa e no planejamento cirúrgico14.

O aspecto típico de uma lesão suspeita nas imagens ponderadas em T2 da RNMmp é a presença de hipossinal na zona periférica. No CaP, o aumento da vascularização mostra um padrão de intenso e rápido realce pelo contraste (wash-in), seguido de um clareamento rápido e intenso (wash-out) na fase DCE. O CaP apresenta uma densidade celular aumentada em relação ao tecido prostático normal, o que acarreta maior restrição à difusão15.

A cintilografia óssea (CO) está indicada no estadiamento do CaP recém-diagnosticado em pacientes com PSA > 20 ng/ml, ISUP ≥ 3, estádio clínico T3 ou T4, dor óssea ou CaP com recidiva bioquímica16.

Tratamento

O CaP é considerado localizado quando não apresenta extensão extracapsular ou para as vesículas seminais, disseminação para linfonodos regionais ou metástases (T1-T2). Nesses casos, o paciente é candidato a uma das seguintes opções: terapia de preservação tecidual (conduta expectante, vigilância ativa ou terapia focal), prostatectomia radical, braquiterapia e radioterapia externa17.

As diretrizes da European Association of Urology (EAU) reconhecem que cerca de 45% dos homens com CaP localizado detectados por PSA não se beneficiarão do tratamento definitivo radical, o que abre perspectiva para abordagem de preservação de tecido. A escolha do tratamento não radical depende da expectativa de vida, das características do tumor e da intenção do tratamento (curativo vs. paliativo)17.

Vigilância ativa está indicada em cenário curativo e tem como objetivo poupar pacientes com uma expectativa de vida superior a dez anos de morbidades desnecessárias, visando alcançar o momento ideal – caso este chegue –, para se propor o tratamento curativo. O protoco mais aceito preconiza os seguintes critérios de inclusão: T1, Gleason < 6, densidade do PSA < 0,15, e no máximo dois fragmentos positivos com até 50% de acometimento de cada fragmento. A vigilância ativa é feita através de um calendário predefinido de exames de toque retal, testes de PSA, varreduras com ressonância magnética (RM) e rebiópsias da próstata18.

A prostatectomia radical (PR) é considerada o padrão ouro para o tratamento de CaP localizado19 usualmente para pacientes com expectativa de vida superior a dez anos17. Trata-se de cirurgia para remoção da próstata e vesículas seminais, com anastomose entre a uretra e o colo vesical. Tal procedimento pode ser realizado através das vias abertas retropúbica ou perineal, videolaparoscópica ou robótica. Não existem evidências científicas de boa qualidade que demonstrem superioridade de uma técnica sobre a outra no que diz respeito ao controle da doença20.

Radioterapia externa tem sido muito utilizada no tratamento do Cap localizado, sendo particularmente útil nos indivíduos com alto risco cirúrgico. Radioterapia conformacionada na próstata com planejamento computadorizado (RT) em fase única com dose de 74 a 78 Gy (2 Gy/dia) no acelerador linear de alta energia mostrou-se superior em termos de controle local da doença em relação às doses mais baixas, com 64 ou 70 Gy. De modo geral, recomenda-se o bloqueio hormonal adjuvante à radioterapia em pacientes com doença localizada com risco intermediário por um período de seis meses e com alto risco por pelo menos dois anos21.

Os pacientes com adenocarcinoma de próstata podem ser detectados com doença avançada no momento do diagnóstico pelos exames de estadiamento, quando se evidencia acometimento ósseo, visceral ou linfonodal. Após tentativa de tratamento curativo, configura-se doença avançada pela recidiva bioquímica (caracterizada pela elevação do PSA) ou pela progressão clínica da doença. A terapia de privação androgênica (TPA) é realizada por meio da supressão da secreção de andrógenos testiculares ou por meio da inibição da ação dos andrógenos no nível de seu receptor. Constitui-se no pilar do tratamento do câncer de próstata avançado. Os principais efeitos colaterais da supressão hormonal são a diminuição de libido, a disfunção erétil, presença de fogachos, ganho de peso com perda de massa muscular, ginecomastia e aumento no índice de eventos cardiovasculares22.

A orquiectomia bilateral, seja total ou subcapsular, trata-se de procedimento simples, virtualmente isento de complicações e que pode ser feito sob anestesia local, além de ser a abordagem mais custo-efetiva23. Os agonistas de LHRH constituem outra modalidade de TPA. Seu mecanismo de ação se dá pela subexpressão dos receptores de LHRH na hipófise anterior, que ocorre após exposição crônica ao LHRH, inibindo a produção de LH e, por consequência, da testosterona, que cai para níveis de castração após 2 a 4 semanas24.

Estudos sugerem que 10% a 20% dos pacientes com CaP metastático desenvolverão doença castração-resistente (CaPMRC) em 5 anos, com sobrevida média de, aproximadamente, 14 meses. A prevalência de CaPMRC corresponde a 17,8% dos pacientes com CaP25.

O tratamento sistêmico dos pacientes com CaP resistente à castração metastática evoluiu muito com quimioterapias que mostram ganho de sobrevida global, com melhora de qualidade de vida e com toxicidades aceitáveis. O cenário para os pacientes com CaPMRC mudou após estudos prospectivos randomizados com tratamentos à base de docetaxel, cabazitaxel, abiraterona e enzalutamida26-29.

Pontos importantes

• Indivíduos com expectativa de vida inferior a 10 anos não devem ser submetidos ao rastreamento para CaP.

• Vigilância ativa é uma modalidade terapêutica que pode ser recomendada para pacientes portadores de CaP de baixo risco.

• O PSA é considerado um marcador órgão-específico da próstata, e não câncer específico. Porém, ainda é o mais importante marcador para detecção precoce do câncer de próstata.

• A biópsia prostática está indicada quando o exame digital de próstata se encontra alterado ou na vigência de alguma alteração suspeita de PSA. • Os principais fatores prognósticos no CaP são: o estádio TNM, o escore de Gleason e os níveis de PSA.

• Ante o diagnóstico de CaP localizado, é fundamental estimar os grupos de risco e o prognóstico, a fim de realizar adequadas escolhas terapêuticas.

• A prostatectomia radical (independentemente das vias de acesso) é padrão-ouro para indivíduos com boa saúde e maior expectativa de vida e com Cap localizado.

• Radioterapia é adequada para pacientes mais idosos ou com contraindicação ou resistência à cirurgia.

• No CaP avançado, o uso da terapia de privação androgênica reduz significativamente a progressão da doença e previne complicações.

• A terapia de privação androgênica esta associada à síndrome metabólica, à aceleração da perda de massa óssea e muscular, ao déficit cognitivo e à disfunção sexual.

• Quimioterapias mostram ganho de sobrevida global, com melhora de qualidade de vida e com toxicidades aceitáveis para pacientes com câncer de próstata resistente à castração.