Índice
- 1 História clínica
- 2 Exame físico
- 3 Prosseguimento do caso após avaliação clínica
- 4 Exames complementares
- 5 Achado de maior relevância na TC de abdome e pelve
- 6 Outros achados na TC
- 7 QUESTÕES PARA ORIENTAR A DISCUSSÃO
- 8 Discussão
- 9 Conceitos
- 10 Epidemiologia
- 11 Patogênese
- 12 Diagnóstico
- 13 Exames de Imagem
- 14 Biópsia Renal
- 15 Estadiamento
- 16 Tratamento
- 17 Pontos importantes
História clínica
E.P.V., 72 anos, sexo masculino, solteiro, residente de Taboão da Serra, SP. Referenciado para atendimento ambulatorial após achado em TC de abdome e pelve, exame motivado por dor lombar bilateral inespecífica há 1 mês, com resolução espontânea e completa. Atualmente assintomático, nega hematúria ou sintomas urinários. Paciente diabético tipo 2, hipertenso, em uso de metformina, hidroclorotiazida, nifedipino, propranolol e sinvastatina. Sem antecedentes cirúrgicos.
Exame físico
• Sinais vitais: PA 140x90mmhg; FC 90bpm; FR 16; SatO2 97%aa.
• Paciente em bom estado geral, consciente, orientado em tempo e espaço.
• Corado, hidratado, anictérico, afebril.
• Exame cardiopulmonar sem alterações.
• Abdome plano, flácido, ruídos hidroaéreos presentes. Sem visceromegalias. Teste de punho-percussão lombar (Giordano) negativo.
Prosseguimento do caso após avaliação clínica
Solicitados exames laboratoriais gerais e avaliação de TC prévia.
Exames complementares
Laboratoriais
• Hb 13,9 g/dl (12,0 – 15,5)
• Ht 41,5% (35 – 45)
• Leucócitos 3,37 mil/mm³ (3,5 – 10,5)
• Plaquetas 164 mil/mm³ (150 – 450)
• PCR 3 mg/L (< 5,0) • Ureia 44 mg/dl (10 – 50)
• Creatinina 0,86 mg/dl (0,6- 1,1)
• Potássio 5,3 mEq/L (3,5 – 5)
• Sódio 151 mEq/L (135 – 145)
• INR 1,02 (0,95 – 1,2)
• R 1,21 (0,8 – 1,2)
Tomografia computadorizada de abdome e pelve

Achado de maior relevância na TC de abdome e pelve
Lesão sólida nodular hipervascular no terço médio do rim esquerdo, posterior e parcialmente exofítica, medindo 4cm no maior diâmetro. Ausência de linfonodomegalias.
Outros achados na TC
Presença de cistos renais simples bilaterais, o maior no terço superior do rim direito medindo 7,5cm (Bosniak I). Cistos com fina septação no terço inferior do rim esquerdo, medindo 3,4cm (Bosniak II).
Demais estruturas anatômicas sem alterações.
Hipótese Diagnóstica: Neoplasia Maligna Renal Esquerda e Cistos renais bilaterais.
Complementação de estadiamento com Tomografia Computadorizada de Tórax: sem evidência de doença a distância.
Paciente submetido a Nefrectomia Parcial Esquerda Videolaparoscópica: clampeamento arterial por 15 minutos, e fechamento de leito renal com sutura e cola cirúrgica.
Mantido repouso absoluto em 1º PO, recebe alta no 3º PO após retirada de dreno abdominal.
Exame Anatomopatológico revelou: Carcinoma Renal tipo Células Claras de 5cm com margens livres. Estadiamento final: pT1b.
Paciente assintomático no retorno, em seguimento com TC de controle a cada 6 meses.
QUESTÕES PARA ORIENTAR A DISCUSSÃO
1. Avaliação de imagens incidentais do rim: quando é preocupante?
2. Diagnóstico de tumores renais: quais tipos histológicos e os diferenciais?
3. Biópsia em massas renais: quando indicar?
4. Como e quando tratar cirurgicamente os tumores renais?
5. Neoplasia renal metastática: quais opções de tratamento?
Discussão
Conceitos
Lesões renais incidentais são comuns devido ao uso atual disseminado dos exames de imagem. A grande maioria delas são cistos simples, sem realce após uso de contraste, e não necessitam de tratamento. Porém a presença de cistos complexos ou massas sólidas são sugestivas de câncer.
O diagnóstico diferencial de massas renais é amplo, compreende etiologias vasculares, infecciosas, inflamatórias e neoplásicas (tabela 1).
A abordagem inicial consiste em excluir esses diferenciais e determinar se os achados de imagem são suspeitos para doença renal neoplásica maligna. Uma minoria dos pacientes demonstram sintomas na apresentação de tumores renais, consequência de crescimento local, metástases ou síndromes paraneoplásicas. A tríade clássica hematúria, massa abdominal palpável e dor em flanco está presente em menos de 5% dos novos casos. 1
Tabela 1 –Diagnósticos diferenciais de massa renais.

Epidemiologia
Mundialmente, o carcinoma de células renais (CCR) é o sexto tipo de câncer mais comumente diagnosticado em homens, e o décimo em mulheres (respectivamente 5% e 3% dos diagnósticos oncológicos). Ocorre predominantemente entre a sexta e oitava década de vida, com uma idade média de 64 anos. 2
No Brasil, para o ano de 2018 estima-se uma média de 6.270 novos casos de Câncer de rim, 3 com mortalidade de 3 para cada 100 mil habitantes. 4
Por razões ainda desconhecidas, houve um aumento na incidência de CCR desde 1990. Parte desse crescimento é provavelmente decorrente do diagnóstico incidental de massas renais durante a realização de exames de imagem e embora a maior parte dos diagnósticos seja de lesões menores, a doença avançada continua sendo estatisticamente prevalente com até 17% dos pacientes apresentando metástase à distância no momento do diagnóstico. 5
Os fatores de risco mais envolvidos são idade, sexo masculino, história familiar, hipertensão e obesidade. A doença renal terminal, exposição ambiental a solventes e síndromes familiares também estão associados. 6
Patogênese
Os carcinomas de células renais (CCR) são os cânceres originados das células do córtex renal, e representam 80% a 85% de todas as neoplasias renais primárias. Embora apresentem o mesmo subtipo histológico, os CCR representam um grupo heterogêneo de doenças do ponto de vista histológico e celular, o que torna a sua classificação histológica algo de extrema importância, uma vez que a determinação do subtipo tem significativas implicações prognósticas e terapêuticas. 7,8
A variante mais comum de CCR é o carcinoma de células claras (CCC), que representa 60-70% de todos os CCR em adultos. 9 Se origina do epitélio tubular dos néfrons proximais e tem um comportamento agressivo que pode variar de acordo com o grau histológico de Fuhrman e presença de alterações sarcomatoides. Recebe o nome de células claras por sua aparência histológica, decorrente de um conteúdo citoplasmático rico em lipídios e glicogênio.10 Decorre de uma mutação esporádica em 95% das vezes, e nos 5% restantes, está associado a síndromes hereditárias (como Von Hippel-Lindau e esclerose tuberosa).
A segunda variante mais comum é o CCR papilífero que corresponde a 5-20% dos CCR em adultos.11 O termo papilífero descreve as projeções digitiformes que podem ser encontradas na maioria dos tumores. Pode ser dividido em 2 tipos de acordo com sua aparência histológica e comportamento biológico. O CCR papilífero do tipo 1 tem um prognóstico mais favorável, e geralmente se apresenta no estágio 1 ou 2 da doença. Já o CCR papilífero do tipo 2 tem um prognóstico pior e está frequentemente associado a tumores agressivos, no estágio 3 ou 4. 12
A terceira variante mais comum é o CCR cromófobo (5-7%). Recebem esse nome pela dificuldade de coloração no exame histopatológico. É o subtipo menos agressivo dentre os CCR, com metástase à distância em 6-7%. Normalmente se apresenta como uma grande massa compacta e solitária, sem necrose ou calcificação.13
Outras variantes menos comuns são: cístico-sólidos, tumores de ducto coletor (Bellini), medular e de translocação, que correspondem juntos a menos de 5% dos CCR.
Diagnóstico
Exames de Imagem
Devido os achados limitados na história e exame físico, principalmente em tumores renais pequenos, os exames de imagem têm papel fundamental no diagnóstico. Ultrassonografia (US), Tomografia Computadorizada (TC) e Ressonância Nuclear Magnética (RNM) são os métodos mais utilizados.
Na avaliação de cistos renais, utilizamos a classificação de Bosniak (Tabela 2) para estimar a probabilidade de doença maligna, e definição de conduta. Lesões Bosniak I e II são de baixo potencial maligno, de manejo conservador. Já lesões Bosniak III ou IV devem ser manejados tal como lesões sólidas. Uma situação especial são cistos Bosniak IIF (letra F indicando follow-up), cuja conduta é seguimento com exames de imagem a cada 6 meses. 14
Tabela 2 – Classificação de Bosniak.

Na presença de lesões sólidas ou nódulos, o principal critério na diferenciação de lesões malignas é a captação de contraste, sendo a TC de abdome o exame de escolha para avaliação. Além disso, a TC fornece informações sobre anatomia e função do rim contralateral e adrenais, extensão local do tumor primário, acometimento tumoral linfonodal e venoso.15
TC também é capaz de diferenciar os diagnósticos diferenciais de lesões neoplásicas renais na grande maioria dos casos. Entretanto, oncocitoma e angiomiolipoma pobre em gordura, 2 tipos de lesões benignas renais, fogem a essa regra. O diagnóstico normalmente acaba sendo feito de maneira retrospectiva após análise patológica.16
A RNM fica indicada em casos de alergia a contraste iodado, insuficiência renal e na diferenciação de cistos renais complexos (Bosniak IIF-III).17
Biópsia Renal
Lesões sólidas renais representam lesão maligna em > 80% dos casos. Portanto, o diagnóstico por imagem é suficiente para indicação de tratamento, sem necessidade de amostragem histopatológica na grande maioria dos casos.
Porém existem exceções, e a biópsia renal está indicada nas seguintes situações: 18
• Leão metastática: diagnóstico histopatológico para definição de tratamento sistêmico.
• Terapia de Ablação renal.
• Pacientes com Rim único.
• Dúvida diagnóstica.
Estadiamento
O processo de estadiamento consiste em avaliar o nível de acometimento tumoral, tanto localmente como a distância. É um dos principais fatores para definição de tratamento e para determinar o prognóstico da doença.
Além da imagem inicial com TC de abdome e pelve, o estadiamento do tumor renal rotineiramente deve incluir Rx ou TC do Tórax. Demais exames, como TC de crânio ou Cintilografia óssea devem ser realizados na presença de sintomas específicos ou em doença de grande volume/avançada já no diagnóstico inicial.19
Apresentamos o sistema de estadiamento TNM abaixo:
Tabela 3 – Classificação TNM 2017




Tratamento
Devemos levar em conta o tamanho da lesão, sua localização, a condição clínica global do paciente, além da presença de metástases, para definir o melhor tratamento. O objetivo é obter controle oncológico com mínima perda de função renal e baixa morbidade. Atualmente, as modalidades de tratamento disponíveis para doença local são: cirurgia, ablação e vigilância ativa.
Cirúrgico: classicamente, a nefrectomia radical era o método de escolha para o tratamento dos tumores renais. Entretanto, a partir da década de 90, a cirurgia parcial se consolidou como técnica de escolha, principalmente em pequenas massas (<4cm). Atualmente, a nefrectomia parcial pode ser indicada até mesmo em lesões maiores (T1 e T2) quando tecnicamente factíveis, enquanto cirurgia radical fica reservada para grandes lesões, com acometimento local avançado, invasão de estruturas adjacentes ou na presença de trombos tumorais.20
A via de acesso depende da experiência do cirurgião, custos e disponibilidade de material, porém ambos procedimentos podem ser realizados por via aberta, laparoscópica ou robótica.21
Não existe benefício comprovado em linfadenectomia de rotina para pacientes com tumor renal, devendo ser realizada apenas quando identificado lesões linfonodais suspeitas no estadiamento. 22 A realização de adrenalectomia associada à nefrectomia também somente deve ser realizada se já existir acometimento pela lesão renal.23
Não Cirúrgico: Ablação: radioablação e crioablação, realizados de forma percutânea ou laparoscópica, podem ser indicados em massas renais pequenas (<4cm). Apresentam menores taxas de complicação quando comparados a nefrectomia parcial, porém com pior controle oncológico, 24 sendo indicado em pacientes com múltiplas comorbidades e maior risco cirúrgico.
Vigilância Ativa: Sabemos que até 1/3 das pequenas massas renais podem ter evolução indolente.25 Dessa forma, em pacientes de idade avançada, com menor expectativa de vida e comorbidades graves, pode ser realizado apenas seguimento com TC, em casos selecionados.26
Tratamento Sistêmico: os tumores renais historicamente não respondem aos regimes de QT convencionais. A exceção são tumores com diferenciação sarcomatoide.
Como alternativa, nos últimos 20 anos, outras formas de terapia sistêmica (ex: imunoterapia, terapia alvo) foram propostas, tanto em regimes de adjuvância como em doença metastática.
O tratamento adjuvante não demonstrou benefício claro em ensaios clínicos, não sendo indicado.
No contexto metastático, 3 classes de medicações se destacam: interleucinas, inibidores de tirosina quinase (TKI) e, mais recentemente, inibidores do controle imunológico. Podem ser associados a nefrectomia citorredutora em pacientes de baixo risco e oligo-metastáticos. 27
O racional de terapia inclui, de forma geral, o tratamento de primeira linha com TKI (ex: sunitinibe) e segunda linha com imunoterapia (ex: nivolumab), porém as condutas devem ser individualizadas de acordo com tipo histológico, scores de risco e discutidas com equipe de oncologia clínica.28
Pontos importantes
• A maioria dos pacientes com neoplasia renal se apresentam com imagens incidentais do rim e assintomáticos.
• Os 3 principais tipos de carcinoma de células renais são: carcinoma de células claras (CCC), papilífero e cromófobo. CCC é mais prevalente e de pior prognóstico.
• A Tomografia computadorizada é o padrão ouro para diagnóstico e estadiamento de carcinomas renais.
• Todo cisto renal deve ser avaliado pela Classificação de Bosniak para definição de conduta. Tratar cistos Bosniak III/IV como lesões sólidas.
• O diagnóstico de carcinoma renal se baseia em exames de imagem, não sendo necessário biópsia exceto em casos de doença metastática, dúvida diagnóstica, rim único, ou quando se considera terapia de ablação renal.
• Nefrectomia parcial é modalidade de tratamento de escolha para a maioria dos tumores até estadiamento T2. Realiza-se a cirurgia radical em casos de estadiamento mais avançado, com proximidade de estruturas do hilo renal ou na presença de trombos tumorais extensos.
• Massas renais < 4cm, considerar terapias alternativas como ablação ou vigilância ativa, em pacientes mais idosos e com múltiplas comorbidades ou fragilidade.
• Carcinoma de células renais não responde a QT convencional.
• O Tratamento de doença metastática envolve drogas alvo ou imunoterapia, e deve ser realizado em ambiente multidisciplinar com oncologia clínica, baseando-se no tipo histológico e risco individualizado, podendo ser associado a nefrectomia citorredutora.