Psiquiatria

Casos Clínicos: TAS – Transtorno de Ansiedade Social ou Fobia Social | Ligas

Casos Clínicos: TAS – Transtorno de Ansiedade Social ou Fobia Social | Ligas

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Área: Psiquiatria

Autores: Izabella Padilha Fonseca de Carvalho

Revisor(a): Vinícius Uler Lavorato

Orientador(a): Dra. Laír da Silva Gonçalves

Liga: Liga Acadêmica de Psiquiatria do Distrito Federal

Apresentação do caso clínico

Paciente do sexo feminino, 28 anos, parda, solteira, natural e procedente de Brasília – DF, estudante de nível superior, católica e heterossexual procurou atendimento ambulatorial de clínica médica e após avaliação foi encaminhada para psiquiatria com queixa de piora da ansiedade, tremor e coração batendo muito rápido há 2 dias.

Paciente refere piora da ansiedade e da insegurança há 2 dias, ao ter que participar de um seminário na faculdade por ter que falar em público, com sintomas associados de sudorese recorrente, principalmente nas regiões palmares, além de taquicardia, tremores, urgência urinária, náusea, rubor, dificuldade para dormir, com duração de 4 horas por noite e dificuldade para pegar no sono, e, por vezes, vômitos, apresentando piora em situações de estresse e exposição social.

Dessa forma, relata fazer uso de atenolol 10mg sempre que precisa estar em público ou quando sente muita ansiedade, geralmente apresentando melhora nos sintomas, porém não sentiu melhora hoje, e por isso procurou o serviço de saúde. Diz sentir medo de ser julgada negativamente ao se

expor em diversas situações cotidianas, e dessa forma tenta ao máximo evitá-las. Sabe que esse sentimento é excessivo e sem sentido, mas não consegue contê-lo e isso afeta constantemente sua vida social e acadêmica e que já perdeu algumas oportunidades devido à sua condição temerosa.

Pela história de vida, paciente se considera uma pessoa reservada, tímida e quieta, sempre teve dificuldade de iniciar e manter uma conversa, principalmente com pessoas que estão em posições sociais de autoridade (como professores, policiais e diretores) e por isso tem poucos amigos e nunca namorou. Sempre que pode, evita lugares com aglomeração ou situações que a façam ter contato com pessoas não familiares que possam trazer algum constrangimento, vergonha ou humilhação pública como festa, reuniões, banheiros públicos e restaurantes. Apresentava bom rendimento escolar. Conta que apresentou os primeiros sinais e sintomas de ansiedade aos 11 anos quando precisou ser filmada, por seu pai (militar), para um trabalho da escola, e que isso marcou seu medo de falar em público. Teve dificuldades em passar no vestibular e no exame prático para tirar a carteira de motorista, por “sentir os olhares de reprovação dos analisadores e dos fiscais”. Relatou já ter tido crise de pânico relacionada a um evento ou situação social.

Não relatou doença clínica importante, mas diz já ter tido ataques de pânico na adolescência. Não faz uso de medicação contínua. Faz uso de DIU Mirena. Nega etilismo, tabagismo ou uso de drogas ilícitas. Baixa qualidade de sono com dificuldade para iniciar o sono. Sedentária. Submetida à apendicectomia aos 16 anos, sem sequelas. Realiza 4 refeições ao dia, dieta hipercalórica com moderada ingestão de proteínas, frutas e verduras. Ingere em média 2 litros de água por dia.

Mora com os pais em uma casa de alvenaria com 5 cômodos. Pai com histórico de depressão há 8 anos. Mãe hígida.

Ao exame físico, a paciente encontrava-se em bom estado geral, acianótica, anictérica, hidratada, taquipneica (27 irp), hipertensa (140 x 90 mmHg) e taquicárdica (112 bpm).

Ao exame psíquico, aparência cuidada, porém inquieta, com dificuldade para se expressar e com sinais de desregulação de sono. Orientada, cooperante, vigil, agitada, pensamento acelerado, sem delírios aparentes. Memória imediata preservada, linguagem preservada, sensopercepção aparentemente preservada, e consciência de morbidade presente. Foi realizado o mini-SPIN (Mini-Inventário de Fobia Social) para se confirmar diagnóstico de TAS generalizada.

Após avaliação, constatou-se que a paciente sempre apresentou uma forma crônica e exacerbada de ansiedade (e segundo estudos, parece haver uma continuidade entre a ansiedade social normal e a fobia social) que depois de ter sido exposta a fatores predisponentes ou etiológicos associados ao TAS (Transtorno de Ansiedade Social), como experiências traumáticas, ocorrida na infância, podem ter desencadeado uma resposta protetiva de inibição e esquiva fóbica. Se verificou a dificuldade da paciente em se expressar e se expor em âmbitos sociais, citou não ir em festas ou reuniões, não utilizar banheiro público, evitar restaurantes onde possam observá-la comendo, evitar visitas em casa, e além disso, se sente extremamente desconfortável quando precisa falar em público, já que seu curso (Direito) obriga esse contato.

Dessa forma, foi receitado à paciente o uso de citalopram 20mg/dia por 3 semanas até data de retorno e acompanhamento psicoterápico (TCC – Terapia cognitivo-comportamental) por, no mínimo, 1 vez por semana por tempo indeterminado.

Após retorno da paciente e relato de melhora nos sinais e sintomas, foi mantido a mesma dosagem da medicação, continuação de psicoterapia e manutenção de acompanhamento psiquiátrico durante tratamento por no mínimo 1 ano.

Questões para orientar a discussão    

1.       Quais são os dois subtipos de TAS?

2.     Quais são os principais critérios de diagnóstico?

3.     Existem outras hipóteses diagnósticas?

4.     Quais os tratamentos indicados?

5.     Qual a relação do uso de betabloqueadores em casos de fobia social?

6.     O que é o Mini-SPIN?

Respostas

1.   Na maioria dos indivíduos, o TAS inicia antes dos 18 anos, com uma idade média de início entre 10 e 13 anos, sendo que o início mais precoce parece ocorrer geralmente no subtipo generalizado (mais grave), esse subtipo ocorre quando qualquer situação pode gerar um desconforto e a esquiva do paciente. Outro subtipo é o TAS circunscrito, no qual o indivíduo tem uma fobia de uma situação específica, como falar em público.

2.  De acordo com a 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5; APA, 2014), observa-se nesses pacientes um medo exagerado e persistente de avaliação negativa, feita por outras pessoas quando eles se encontram em situações sociais ou de desempenho, o que tende a causar um sentimento de ansiedade e constrangimento, além de pensamento de uma autoimagem distorcida (de ser inadequado, insuficiente, incapaz, inferior, desagradável) e por consequência desencadear comportamentos extremamente inibidos, disartria, sufocamento e, mais grave, crises de pânico. Lembrando que eles evitam a exposição não por medo de ter uma crise pânico, mas sim de que algo em si mesmo, na sua aparência ou no seu comportamento, cause uma impressão negativa nos outros. Além disso, o paciente com TAS tem total conhecimento de que esse medo exagerado é irracional, mas não consegue evitá-lo.

O diagnóstico para TAS só deve ser feito quando o comportamento de evitação interfere significativamente nos funcionamentos social e ocupacional e nos relacionamentos interpessoais do paciente. Precisa levar em consideração seu curso crônico e sem períodos de remissão que resulta em incapacitação cumulativa importante.

Seus efeitos podem gerar perda de oportunidades acadêmicas e profissionais, depressão e no uso abusivo de álcool e drogas (Montgomery et al, 2004).

Critérios para o diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Social ou Fobia Social segundo a CID-10:

• Medo de escrutínio pelas outras pessoas que leva à evitação de situações sociais. As fobias mais pervasivas são frequentemente associadas com baixa autoestima e medo de ser criticado.

• Os pacientes podem apresentar uma queixa de rubor facial, tremor das mãos, náusea, ou urgência urinária, algumas vezes se convencendo de que uma destas manifestações secundárias de sua ansiedade é o problema primário.

• Os sintomas podem progredir para ataques de pânico.

3.  – Depressão

Ela é comum em paciente com TAS e em ambos o isolamento social está presente. Porém, o que difere os dois diagnósticos é que, enquanto na depressão o indivíduo não sente relevância e prazer em qualquer atividade que exerce, no caso do TAS, o paciente sente um medo extremo da avaliação externa em situações sociais e de desempenho.

– Transtorno do pânico

No TAS, ataques de pânico também podem ocorrer, mas sempre relacionados a situações sociais, e, no Transtorno do Pânico, os ataques ocorrem de forma espontânea e inesperada, dessa forma, precisa-se avaliar o contexto das sua ocorrência já que isso determina o tipo de transtorno a ser diagnosticado.

– Transtorno de ansiedade generalizada

No transtorno de ansiedade generalizada, o paciente tende a apresentar preocupações excessivas associadas a eventos corriqueiros e cotidianos, acompanhadas por irritabilidade, tensão e apreensão, que ao contrário do TAS, o foco não está apenas nas situações sociais.

4.  O objetivo do tratamento do TAS, assim como em qualquer outro transtorno psiquiátrico, é a remissão total do sintomas evitando refratariedade e recaídas.

O tratamento mais utilizado e indicado é a psicoterapia (TCC – Terapia cognitivo-comportamental) e a farmacoterapia. O ideal é a utilização das duas terapias em associação.

A primeira linha de escolha são os antidepressivos ISRSs (Inibidores seletivos de receptação de serotonina): Citalopram (20 a 60mg/dia), Fluvoxamina (150 a 300mg/dia), Sertralina (50 a 200mg/dia), Paroxetina (20 a 50mg/dia) e Fluoxetina (20 a 80mg/dia). De forma geral, os ISRSs são seguros e efetivos no tratamento do TAS. A melhora ao tratamento pode levar entre 6 a 12 semanas, podendo ser progressiva ao longo de vários meses.

Outra classe de antidepressivos mais conhecidos como inibidores duais são os IRSNs (Inibidores da receptação da serotonina e noradrenalina): Venlafaxina (doses variadas dependendo do caso, entre 75 a 225mg/dia). Apresenta eficácia no tratamento do TAS, mas não pode ser considerada tratamento de primeira linha.

O tratamento psicoterápico pela TCC demonstrou maior grau de eficácia para o tratamento do TAS. Essas intervenções visam a identificação e reestruturação de cognições distorcidas sobre si mesmo, além de utilizarem técnicas comportamentais de exposição gradual às situações sociais para melhorar o desempenho social.

5.  Betabloqueadores são um tipo de fármaco que age nos sintomas físicos da ansiedade, mas não tem ação direta no componente emocional dela. Pode ser útil na fobia social circunscrita, mas não são tão eficazes na fobia social do tipo generalizado (Blanco et al., 2003).

6. É um dos exames psicométricos mais utilizadas na prática clínica para se diagnosticar esse transtorno é o Mini-Inventário de Fobia Social (Mini-SPIN). É um instrumento composto por três itens, que avaliam medo de constrangimento e evitação. Para cada um dos três itens do inventário, solicita-se ao indivíduo que indique o quanto as situações o incomodaram na última semana, devendo marcar uma entre as cinco opções, que variam de “Nada a Extremamente”. A pontuação para cada uma das opções varia de 0 a 4, e a pontuação total desse instrumento varia de 0 a 12. Escores de 6 pontos ou mais indicam que o clínico deve investigar com futuras questões a presença de fobia social generalizada. 

Confira o vídeo: