Endocrinologia

Cetoacidose Diabética: complicação aguda hiperglicêmica

Cetoacidose Diabética: complicação aguda hiperglicêmica

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Definição da cetoacidose diabética

A Cetoacidose Diabética (CAD) é um estado de complicação metabólica aguda do paciente, potencialmente fatal.

Caracterizada por uma deficiência absoluta de insulina associada a elevação de hormônios  contrarregulatórios (glucagon, cortisol e catecolaminas) que resulta em uma tríade  bioquímica:

  • Hiperglicemia.
  • Cetonemia.
  • Acidose metabólica com hiato iônico (anion gap).

A cetoacidose diabética se diferencia de outra emergência hiperglicêmica chamada Estado Hiperglicêmico Hiperosmolar (EHH).

No EHH, não há a associação da hiperglicemia com a  cetonemia (já que, neste caso, não há uma ausência absoluta de insulina, apesar de estar diminuída).

Epidemiologia da cetoacidose diabética

  • Cetoacidose diabética é a principal causa de óbitos em diabéticos < 24 anos
  • Normalmente, a cetoacidose diabética está mais associada ao DM tipo 1, enquanto  EHH, com DM2 (apesar de poderem ocorrer em qualquer tipo)
  • Incidência maior em mulheres
  • Mais frequente em crianças e adolescentes diabéticos (maioria dos pacientes estava na faixa entre 18 e 44 anos)
  • A taxa de hospitalizações e admissões emergenciais diabéticas é menor na EHH que na cetoacidose diabética.

Fisiopatologia da cetoacidose diabética

A compreensão da tríade elucida a doença:

Hiperglicemia

De início, após a alimentação, a glicose é disponibilizada no sangue e gera um estado de hiperglicemia (que em indivíduos saudáveis, promove a liberação de insulina pelas células beta-pancreáticas, a fim de transportar glicose para dentro das células).

Na situação de cetoacidose diabética, há uma diminuição extrema da concentração ou ação da insulina, o que estimula hormônios contrarreguladores como glucagon (glicogenólise), cortisol (gliconeogênese) e catecolaminas (agonismo dos processos de gliconeogênese e lipólise e diminuição do uso de glicose nos órgãos).

Cetonemia

A insulinopenia com o aumento de catecolaminas (lipólise), gera aumento de produtos como ácidos graxos livres (AGL)  e glicerol, que apesar de úteis para a gliconeogênese, são oxidados em corpos cetônicos (betahidroxibutirato e acetoacetato) no fígado  — com a evolução do quadro, esse cenário gera a acidose.

Acidose Metabólica com ânion gap

Ocorre pelo aumento de corpos cetônicos — sendo com ânion gap porque é uma acidose desencadeada por aumento de um ácido não-clorídrico.

Associado, foi demonstrado um estado pró-inflamatório e pró-coagulante, devido a elevação de citocinas pró-inflamatórias e biomarcadores inflamatórios (como a proteína C-reativa), marcadores de estresse oxidativo, peroxidação lipídica. 

Quadro clínico da cetoacidose diabética

Está relacionado com a descompensação dos sintomas e sinais de diabetes (principalmente poliúria e polidipsia) poucas horas após um evento precipitante:

  • Poliúria
  • Polidipsia
  • Polifagia
  • Fraqueza
  • Perda de peso
  • Ressecamento de membranas mucosas e/ou ↓ turgor cutâneo (sinais de desidratação)
  • náuseas, vômito 
  • Dor abdominal 

A gravidade do quadro de cetoacidose diabética depende de fatores como: idade, grau de desidratação, instabilidade hemodinâmica, causas precipitantes e grau de consciência.

Fatores precipitantes da cetoacidose diabética

  • Uso inadequado de insulina ou hipoglicemiantes orais
  • Infecções (pneumonia, ITU, sepse de foco indeterminado)
  • Quadros Abdominais (pancreatite, colecistite, apendicite, etc)
  • Doenças cardiovasculares ou cerebrovasculares
  • Drogas (corticosteroides, tiazídicos, simpatomiméticos, cocaína, antipsicóticos)
  • Desidratação
  • Cirurgias

Achados do exame físico

  • Taquicardia
  • Hipotensão 
  • Choque (casos graves)
  • Respiração de Kussmaul
  • Hálito cetônico
  • Eutérmicos ou com leve hipotermia (mesmo com quadro infeccioso)— vasodilatação da acidose
  • Nível de consciência variável (de alerta ao coma profundo — piora relacionada ao aumento da osmolaridade)

Diagnóstico da cetoacidose diabética

 Após a análise do quadro clínico, os critérios para diagnóstico de CAD  são glicose plasmática >250 mg/dL e pH arterial <7.3 juntamente com  cetonemia e/ou cetonúria. 

Os exames necessários para confirmação da cetoacidose diabética, são:

  • Gasometria arterial (para identificar acidose metabólica)
  • pH 
  • 7.25 a 7.3 na CAD leve 
  • 7.00 a <7.24 na CAD moderada 

• <7.00 na CAD grave.

  • Bicarbonato sérico:
  • 15 a 18 mEq/L (15 a 18 mmol/L) na CAD leve 
  • 10 a 15 mEq/L (10 a 15 mmol/L) na moderada 
  • <10 mEq/L (<10 mmol/L) na CAD grave.
  • Glicemia (se >250 mg/dL, apesar de existir CAD euglicêmica)
  • Eletrólitos — potássio, sódio, cloro, magnésio e fósforo (alterações osmolares)
  • EAS (verificar positividade para glicose e cetonas, podendo ter leucócitos e nitritos se infecção e mioglobinúria e/ou hemoglobinúria em rabdomiólise)

Podem, ainda, ser solicitados na investigação da cetoacidose diabética:

  • Anion Gap
  • B- hidroxibutirato sérico (B-OH-B) — Maior acurácia
  • Hemograma (pode haver leucocitose)
  • Eletrocardiograma (identificar possível hipercalemia e isquemia)
  • Cetonas capilares ou séricas (contudo, ↑ especificidade, e ↓ sensibilidade para o diagnóstico de CAD)

Dependendo da suspeita de fator desencadeante da cetoacidose diabética, outros exames podem ser solicitados (radiografia de tórax, hemculturas, TC de crânio, etc).

  • radiografia de tórax indicada para descartar a pneumonia
  • culturas de sangue, urina ou escarro indicadas quando houver sinais de infecção

Tratamento da CAD

Uma abordagem bem sucedida da cetoacidose diabética inclui:

  • correção da depleção de volume (fluidoterapia), da hiperglicemia (insulinoterapia), dos desequilíbrios eletrolíticos (terapia com potássio, bicarbonato e/ou fosfato) do evento precipitante.
  • O paciente deve estar com os parâmetros respiratórios e do estado hemodinâmicos monitorizados.

 As complicações do tratamento incluem: a hipoglicemia, hipocalemia, hipoxemia e raramente edema pulmonar.

O edema cerebral, uma complicação rara, mas potencialmente fatal de forma rápida, ocorre principalmente em crianças.

Ele pode ser prevenido ao evitar a reposição excessivamente rápida de fluidos e eletrólitos.

Perguntas frequentes:

1 – Qual a tríade clássica da cetoacidose diabética?

Hiperglicemia, cetonemia e acidemia.

2 – Quais os sintomas e sinais mais comuns na cetoacidose diabética?

Poliúria, polidipsia, polifagia, fraqueza, perda de peso, taquicardia, sinais de desidratação, hipotensão e, em casos graves, choque.

3 – Quais os componentes do tratamento?

Fluidoterapia, insulinoterapia, desequilíbrios eletrolíticos, terapia com potássio, bicarbonato e/ou fosfato e manejo da doença de base (se possível).

Referências:

Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes. 2019-2020. Editora clannad.

BMJ Best Practice. Doença do coronavírus 2019 (COVID-19). 2021.

VILAR, L.; et al. Endocrinologia Clínica. 6ª ed. Rio de Janeiro:Editora Guanabara Koogan Ltda, 2016.