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É muito comum no meio médico a expressão “paciente chocado” ou “paciente chocou”, e certamente você já escutou essa frase em algum momento da sua vida. Mas o que, de fato,o significa isso? Nesse post, vamos tratar os principais aspectos do estado de choque e você não ficará desinformado. Vamos lá!
Definição
O termo choque refere-se ao estado de hipoperfusão orgânica efetiva generalizada, ou seja, as células não recebem o aporte de oxigênio necessário para manter a sua homeostase. A perfusão efetiva de um órgão ou tecido depende de dois fatores:
- Fluxo sanguíneo total para este órgão;
- Distribuição adequada deste fluxo, através do órgão ou tecido, de forma que todas as suas células recebam um suprimento adequado de oxigênio.
É importante ter em mente que choque não é sinônimo de hipotensão arterial, pois isso refere-se a uma PA sistólica menor que 90 mmHg. Nem todo paciente hipotenso encontra-se em choque; e nem todo paciente com choque tem PA sistólica menor que 90mmHg.
Tipos de choque
O choque possui várias causas e pode ser classificado em quatro categorias, de acordo com o mecanismo predominante responsável pela hipoperfusão orgânica generalizada.
Choque hipovolêmico:
Ocorre devido à redução do volume sanguíneo em relação ao espaço vascular total, levando à queda das pressões e volumes de enchimento diastólico ventricular.
Choque cardiogênico:
Ocorre devido à falência da bomba cardíaca, seja pela perda contrátil, seja por um problema estrutural intracardíaco, levando ao aumento das pressões e volumes de enchimento diastólico ventricular.
- Disfunção sistólica: altera a contratilidade. Há redução do débito cardíaco, do volume sistólico e da PA, resultando em redução da perfusão sistêmica e coronariana, e disfunção miocárdica progressiva.
- Disfunção diastólica: consiste em déficit de relaxamento, com redução da complacência ventricular (ventrículo ‘’duro’’). Há aumento da pressão de enchimento do VE e consequente congestão pulmonar e hipoxemia.
Choque obstrutivo extracardíaco:
Ocorre devido a um fator estrutural extracardíaco que dificulta a circulação de sangue, tal como o tamponamento cardíaco, o pneumotórax hipertensivo e o tromboembolismo pulmonar maciço.
- Tamponamento cardíaco: o sangue acumula no saco pericárdio e impossibilita o enchimento das câmaras cardíacas (diástole).
- Pneumotórax hipertensivo: o aumento da pressão faz com que haja desvio do mediastino, compressão da veia cava e redução do retorno venoso.
- Tromboembolismo pulmonar: a obstrução nas artérias pulmonares impossibilita a passagem de sangue do ventrículo direito para o átrio esquerdo, resultando em redução do DC.
Choque distributivo:
Ocorre devido à perda do controle vasomotor e ao distúrbio microcirculatório, levando à vasodilatação arteriolar e venular inapropriadas que, após a reposição de fluídos, evolui para um estado de alto débito cardíaco e baixa resistência vascular sistêmica. Em resumo, ocorre uma redistribuição do fluxo devido a vasodilatação. Estão incluídos nesta categoria:
- choque séptico;
- choque sirético;
- choque anafilático;
- choque neurogênico.
Alterações hemodinâmicas no choque
Em relação às alterações hemodinâmicas, o choque pode ser dividido em dois grupos de acordo com o débito cardíaco (DC) e resistência vascular sistêmica (RVS):
Choques hipodinâmicos:
Baixo DC e aumento da RVS. Ex.: choques hipovolêmico, cardiogênico e obstrutivo extracardíaco.
- Mecanismo inicial para evitar queda da PA: diante de uma diminuição da oferta de oxigênio para os tecidos, o organismo ativa uma série de mecanismos compensatórios para evitar o choque. No entanto, se ocorre a persistência do quadro, esses mecanismos não são sustentados a longo prazo e o choque se instala. A seguir, é listado a sequência dos eventos compensatórios frente a um baixo DC.
Baixo DC – estímulo dos baroceptores – ativação do sistema nervoso simpático e medula adrenal – liberação de catecolaminas nas fendas sinápticas do coração e vasos sanguíneos (noradrenalina), bem como na circulação (adrenalina) – aumento da contratilidade e FC (receptores beta-1), vasoconstrição arteriolar e venosa (receptores alfa) – aumento da RVS e do DC pelo efeito direto das catecolaminas no coração e pelo aumento do retorno venoso (venoconstrição) – persistência do quadro – falha dos mecanismos compensatórios – hipoperfusão dos órgãos e tecidos – CHOQUE.
- Os primeiros órgãos que sofrem isquemia são pele, subcutâneo, musculoesquelético e vísceras. Em segundo lugar, os rins. Por último, o cérebro e o miocárdio.
Choques hiperdinâmicos:
Alto DC e diminuição da RVS. Ex.: choques distributivos, dentre eles o choque séptico, com mecanismo abordado abaixo.
Existem dois problemas primários: (1) uma intensa vasodilatação sistêmica, que compromete os leitos arterial e venoso; e (2) uma má distribuição do fluxo microvascular.
- Ocorre dilatação inapropriada de vasos arteriolovenulares, que desviam o sangue dos capilares (microshunts), fenômeno exacerbado pela obstrução de capilares por plugs de neutrófilos, hemácias e microtrombos. A constricção dos esfíncteres pós-capilares, em conjunto com o aumento da permeabilidade do endotélio, provoca um extravasamento de fluidos para o espaço intersticial. Esta perda de fluidos do intravascular para o interstício associa-se a outros tipos de perdas hídricas comuns na sepse (hiperpneia, vômitos, diarreia, peritonite, pleurite, distensão intestinal etc.). Uma importante venodilatação ocorre precocemente na sepse.
- Um sistema venoso dilatado, aliado à perda de fluidos do intravascular, acarreta numa redução significativa do retorno venoso e, portanto, do débito cardíaco nas fases iniciais do choque séptico – uma espécie de “componente hipovolêmico”. Após a reposição vigorosa de fluidos, o retorno venoso é corrigido, permitindo a expressão completa da natureza hiperdinâmica do choque séptico. Nesse momento, teremos um choque com um DC elevado e RVS bastante deprimida.
- O choque séptico então tem uma fase inicial em que a hipovolemia relativa (venodilatação), e absoluta (perda hídrica para o terceiro espaço), “escondem” a sua natureza hiperdinâmica. A partir da reposição volêmica, as suas características hemodinâmicas aparecem.
Conclusão
O choque é um tema muito comum na área da saúde, sendo importante saber do que se trata e quais são seus tipos. Este texto forneceu uma visão global sobre o assunto, no entanto, o choque é bastante amplo e precisa ser mais aprofundado. Ainda teremos vários posts abordando a temática, e vamos detalhar melhor os tipos de choque e como abordá-los. Fique ligado, e até a próxima!
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.
Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.
Referências:
Emergências médicas e terapia intensiva. Ratton.
Manual ATLS 10ª edição.