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Cigarro eletrônico e evali: novos problemas para velhos desafios | Colunistas

Cigarro eletrônico e evali: novos problemas para velhos desafios | Colunistas

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Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Nos últimos anos o Brasil, tem visto um aumento significativo nas vendas do cigarro eletrônico, principalmente entre a população mais jovem. Esse fenômeno é uma tendência mundial, estima-se que, o número de usuários desses aparelhos cresceu 500% nos últimos sete anos. A venda do dispositivo é proibida no país, no entanto, essa decisão não é uniforme em todos os lugares do mundo.   Mas por que o cigarro eletrônico vem preocupando tanto as autoridades de saúde? 

Definição: 

É um dispositivo mecânico-eletrônico, alimentado por uma bateria, que entrega nicotina sem que haja combustão. Com isso, a quantidade de substâncias nocivas que o fumante põe para dentro diminui. Também conhecido como Vaper, o cigarro eletrônico é composto por 3 elementos: bateria, reservatório de nicotina líquida e a bobina de resistência. Com isso, o líquido se transforma em um vapor que vai para os pulmões. 

Riscos: 

Nos EUA, a venda é livre por causa de uma brecha na lei, lá os eletrônicos estão classificados como remédios para parar de fumar (semelhante aos patches de nicotina). A nicotina é o agente causador do vício, apesar disso, não é considerada tão danosa quando comparada com outras toxinas liberadas na queima do tabaco. No entanto, pesquisas recentes indicam que mesmo quando usadas na forma de patches, a nicotina pode se transformar em substâncias cancerígenas dentro do corpo – são as chamadas nitrosaminas. Portanto, apesar do vaper produzir menos toxinas, não é possível até o momento saber o risco real dele.

A nicotina é misturada em uma solução com glicerol e propilenoglicol, duas substâncias utilizadas na indústria alimentícia. É importante lembrar, que quando aquecidas elas também podem levar a produtos cancerígenos.  

Apesar dos pontos negativos, há muitos defensores desse dispositivo ao redor do planeta, a argumentação é baseada na redução de danos. O Governo Britânico por exemplo, defende que os fumantes troquem o cigarro comum pelo eletrônico, caso não consigam se livrar da nicotina de outra forma. Mas essa discussão é controversa e abre portas para longos debates. 

Evali: 

É a injúria pulmonar relacionada ao uso de cigarro eletrônico. A sigla foi criada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. Até fevereiro de 2020, 64 pessoas morreram nos EUA por causa da doença do vaping e mais de 2 mil foram hospitalizadas com lesões pulmonares. 

Causas: 

A fisiopatologia da doença ainda não é bem explicada e a etiologia é provavelmente multifatorial. O que foi descrito a partir da epidemia de EVALI nos EUA no início de 2020, é que todas as pessoas diagnosticadas tinham em comum o uso contínuo do cigarro eletrônico. Além disso, a maior parte deles usava o aparelho para fumar o THC – agente psicoativo da maconha. 

A hipótese atual é de que o responsável pela doença é o acetato de vitamina E – que curiosamente, não causa danos quando ingerido. Quando inalado, ele é sabidamente tóxico para os pulmões, sendo proibido por lei a sua utilização nos cigarros eletrônicos. No entanto, produtores clandestinos utilizam essa substância para dar mais viscosidade ao óleo do THC. 

Embora os problemas relatados pelos pacientes tenham ligação com o uso do Vaper, mais estudos são necessários para determinar o que está causando a doença respiratória. Isso porque, a infecção por vírus respiratórios podem ter sintomas semelhantes a um caso descrito como EVALI. Nesse caso, o indivíduo pode ter uma lesão pulmonar, uma infecção ou ambos. 

Quadro clínico: 

Os sintomas respiratórios da EVALI costumam incluir tosse, dor torácica e dispneia. Também são comuns relatos de sintomas gastrointestinais, como dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia e sintomas inespecíficos, como febre, calafrios e perda de peso. As alterações nos exames de imagem são inespecíficas, com predomínio das consolidações e/ou vidro fosco em ambos os pulmões. Nos exames laboratoriais o aumento dos leucócitos, do PCR e das enzimas hepáticas também é frequente.

Diagnóstico:

A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) recomenda a utilização dos critérios diagnósticos e classificatórios divulgados pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Os critérios são: 

  • Confirmado: Uso de cigarro eletrônico nos últimos 90 dias + consolidações na radiografia ou vidro fosco na TC de tórax + ausência de diagnósticos alternativos (doenças cardiológicas, reumatológicas, neoplásicas e causas infecciosas*).

*Fazer no mínimo um painel viral negativo e PCR influenza (se indicado). Outros testes (antígenos, culturas, HIV), quando indicados, devem ser negativos. 

  • Provável: Uso de cigarro eletrônico nos últimos 90 dias + consolidações na radiografia ou vidro fosco na TC de tórax + ausência de diagnósticos alternativos não infecciosos. Com identificação de infecção através de cultura ou PCR, mas os médicos assistentes não acreditam que esta seja única causa da doença respiratória. 

Manejo: 

A EVALI é facilmente confundida com a doença respiratória causada pelo vírus influenza e, nessa situação, o paciente deve receber antiviral precocemente e colher exames para confirmação desse diagnóstico. Nos pacientes dispneicos ou com saturação de oxigênio inferior a 95%, com comorbidades ou outros fatores, a critério do médico assistente, devem ser internados. Os pacientes ambulatoriais devem ser reavaliados dentro de 24 a 48h.

Tratamento: 

O tratamento consiste na suspensão do uso do cigarro eletrônico, medidas de suporte clínico, incluindo oxigênio e, quando necessário, ventilação não invasiva ou invasiva. O uso dos antivirais e/ou antibióticos está reservado para os pacientes com suspeita de infecção concomitante. O corticoide sistêmico pode ser útil em pacientes hospitalizados. No entanto, seu papel ainda não foi avaliado nos pacientes ambulatoriais.

Considerações finais:

Ainda precisamos de anos de pesquisas para entender completamente os riscos reais dos cigarros eletrônicos. Mas a preocupação com as ameaças desse dispositivo é válida, seus efeitos no organismo humano ainda não são integralmente descritos e traz para o debate o risco coletivo contra o individual. O cigarro eletrônico pode causar menos danos individuais pela ausência de combustão. Por outro lado, ele aumenta o número de fumantes e é uma porta de entrada para o tabagismo. Nesse cenário, fica a reflexão de que temos novos problemas para velhos desafios, a nicotina continua sendo uma prisão sem muros. 


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências: