A hemorragia digestiva alta (HDA) é uma condição frequente em todo o mundo. Consiste em um sangramento que pode se originar desde o esôfago até o ângulo de Treitz. Esta complicação leva a internações hospitalares prolongadas, além de estar associada à significativa morbidade e mortalidade.
O sangramento pode ser decorrente de causas varicosas, quando ocasionadas por uma síndrome da hipertensão portal com ruptura de varizes esofágicas ou gástricas e causas não varicosas, sendo estas as causas mais comuns de HDA.
A úlcera péptica gastroduodenal é a mais frequente etiologia com uma incidência estimada de 31-67% dos casos. Além disso, pode observar a presença da hemorragia em pacientes com esofagite (7-31%), malformações vasculares (5-10%), laceração de Mallory-Weiss (4-8%), neoplasias (2-4%), lesão de Dieulafoy e entre outras.
Úlceras pépticas
As úlceras pépticas são lesões em algum segmento da mucosa do trato gastrointestinal que podem alcançar a submucosa e até mesmo a própria camada muscular do aparelho digestivo. Elas são formadas a partir do surgimento de fatores agressivos que desequilibram o mecanismo de neutralização do suco gástrico no organismo como infecção por Helicobacter pylori (H. pylori) e uso de anti-inflamatórios não esteróidais (AINES) que são as principais etiologias do agravo.
O diagnóstico é obtido em primeiro momento pelo exame clínico, através da anamnese, na qual há queixa por parte do paciente de hematêmese ou melena, que são habitualmente relacionadas com a origem topográfica da hemorragia, esta localizada até a segunda porção duodenal. Além dos relatos citados, deve-se investigar sintomas como epigastralgia, uso de medicamentos como AINES, salicilatos e anticoagulantes, história de infecção por H. pylori, alcoolismo, tabagismo, história de cirurgias e comorbidades. No exame físico, deve-se atentar para os sinais vitais, a palidez cutânea e o nível de consciência, pois esses indicam o estado hemodinâmico do indivíduo e auxilia na identificação precoce da doença, permitindo, assim, uma intervenção adequada.
E como essas úlceras podem sangrar?
O sangramento normalmente acontece a partir de vasos da base do trato gastrointestinal, que em muitos casos estão associados a uma lesão arterial, a qual é oriunda da erosão provocada pelo desequilíbrio do ácido péptico no organismo. Tal desequilíbrio ácido ocasiona uma arterite inflamatória desenvolvida a partir da infiltração de polimorfonucleares e envolve o perímetro da artéria que acarreta uma necrose na parede vascular, causando, assim, uma ferida sangrante.
Endoscopia digestiva alta
A endoscopia digestiva alta (EDA) é o método diagnóstico de escolha na HDA por doença ulcerosa péptica ao revelar acurácia de, aproximadamente, 94% casos. O manejo adequado do paciente e o uso de técnicas endoscópicas apropriadas melhoram o prognóstico e reduzem a taxa de sangramento.
A precocidade da realização do exame, preferencialmente nas primeiras 12 a 24 horas do episódio hemorrágico, aumenta a chance de localizar a lesão, permitindo a terapêutica endoscópica mais eficaz e imediata. Além disso, reduz as taxas de recidiva do sangramento, a necessidade de transfusão de hemoderivados e o tempo de internação. Dessa forma, é possível promover uma melhoria no custo-benefício do tratamento.
Classificação de Forrest
Pensando na avaliação das características do sangramento digestivo, estimativas de ressangramento e avaliação da necessidade de tratamento endoscópico na prática clínica, usa-se a Classificação de Forrest. Esta classificação divide as úlceras em sangramentos ativos, sinais de sangramento recente e úlceras sem sinais de sangramento.


A classificação I possui maior risco de ressangramento, sendo IA descrita por um sangramento em jato enquanto IB em gotejamento ou “babação”. Já a classificação II, embora pouco foi elucidado acerca da real necessidade de tratamento, pode ter o coto vascular visível (IIA), coágulo aderido (IIB) e fundo com pontos de hematina (IIC). A classificação III é marcada pelo fundo da úlcera limpa, sem sangramento e não há necessidade do tratamento.
Indicação do tratamento endoscópico
- Todas as úlceras com sangramento ativo – Forrest IA e IB;
- Úlceras com vaso visível mesmo sem sangramento – Forrest IIA;
- Em casos de tratamento para Forrest IIB, apenas se o coágulo for facilmente removido com lavagem e tiver evidência de algum vaso visível ou sangramento ativo;
- Forrest IIC e III não necessitam de tratamento.
Conclusão
Apesar de a hemorragia digestiva alta ser uma patologia frequente e de incidência significativa de morbimortalidade no meio social, observa-se que existem meios relativamente acessíveis de diagnóstico, e a descoberta precoce da mesma torna o tratamento possível, além de possibilitar uma boa qualidade de vida ao paciente.
No entanto, ainda são necessários mais estudos acerca do diagnóstico e do tratamento para que estes sejam cada vez mais acessíveis e de fácil execução.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.
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Referências
– Zaterka, S.; Eisig, J.N. Tratado de Gastroenterologia da Graduação à Pós-graduação. 2ed. Editorial Ateneu, 2016.