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Complicações por uso de medicamentos em “tratamento precoce” contra Covid-19 | Colunistas

Complicações por uso de medicamentos em “tratamento precoce” contra Covid-19 | Colunistas

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O “tratamento precoce” instituído contra Covid-19, que inclui medicações como o antimalárico hidroxicloroquina e o anti-helmíntico ivermectina, apesar de não ser recomendado pela Sociedade Brasileira de Infectologia por falta de evidência científica que comprove eficácia, tem levado um número cada vez maior de pacientes aos hospitais por complicações e efeitos colaterais decorrentes do seu uso de forma indiscriminada.

Tratamento da Covid-19: O que sabemos até agora?

Não há evidência científica consistente até o momento que corrobore com o tratamento precoce da Covid-19. A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) emitiu uma nota onde não recomenda nenhum tipo de tratamento precoce para o Coronavírus, tais como hidroxicloroquina, ivermectina, nitazoxanida, corticoide, zinco, vitaminas, ozônio por via retal ou dióxido de cloro.

Instituições como a Sociedade Americana de Infectologia (IDSA), a Sociedade Europeia de infectologia (ESCMID), o Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NHI), Centros Norte-Americanos de controle e prevenção de doenças (CDC), Organização mundial da Saúde (OMS) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estão alinhados com a mesma orientação.

Atualmente, o tratamento da fase inicial consiste em sintomáticos, como analgésicos e antitérmicos em caso de dor ou febre. Em caso de complicações, como a pneumonia com hipóxia, o tratamento é feito em meio hospitalar, avaliando a necessidade de oxigenioterapia, dexametasona e heparina profilática. A maioria dos pacientes evolui bem, sem que haja necessidade de ventilação mecânica na Unidade de Terapia Intensiva.

Hidroxicloroquina e Covid-19

Em uma metanálise que comparava um grupo de tratamento convencional com um grupo tratado com hidroxicloroquina, não foram encontradas diferenças significativas na probabilidade de negativação da carga viral por RT-PCR entre o grupo hidroxicloroquina e o grupo que recebeu tratamento convencional.

Além disso, uma coorte apresentou uma proporção de pacientes com RT-PCR negativo significativamente menor no grupo hidroxicloroquina, e outra coorte demonstrou que o grupo tratado com a medicação apresentava maior risco de morte por qualquer causa quando comparado ao outro grupo.

Em uma das séries de casos, pacientes tiveram efeitos colaterais como náusea, vômito, diarreia e visão embaçada. Em outras duas, pacientes apresentaram prolongamento persistente do intervalo QT. É necessário ressaltar, portanto, a necessidade de mais estudos e ensaios clínicos a respeito da segurança e eficácia do fármaco para essa finalidade.

Ivermectina e Covid-19

Em uma revisão sobre o assunto, a pesquisa com resultados conclusivos a respeito da ivermectina tratava-se de um estudo in vitro, onde a sua eficácia na redução do vírus SARS-CoV-2 foi de 99,8% em 24 horas. No entanto, são necessários testes adicionais em humanos para que seja um fármaco considerado para tratamento. Existem ensaios clínicos em andamento, mas ainda se encontram sem resultados conclusivos.

Devido à divulgação desse estudo com informações equivocadas à população, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária emitiu uma nota a respeito da medicação: “Nesse sentido, as indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula do medicamento. Cabe ressaltar que o uso do medicamento para indicações não previstas na bula é de escolha e responsabilidade do médico prescritor.”

Complicações e efeitos adversos dos fármacos para “tratamento precoce”

Médicos estão relatando o aparecimento de complicações relacionadas ao uso dessas medicações como forma de prevenção ou tratamento precoce.

Os efeitos adversos mais comuns da hidroxicloroquina são disfunção da musculatura ciliar, irritação gastrointestinal, dor de cabeça e prurido. No entanto, até mesmo efeitos menos comuns e relacionados a dosagens mais altas da droga, como prolongamento persistente do intervalo QT e danos irreversíveis na retina vêm sendo relatados com mais frequência nos hospitais.

Os efeitos relatados relacionados à ivermectina e outros antiparasitários, como nitazoxanida, são edema de face e periférico, hipotensão, taquicardia, disbiose, sintomas gastrointestinais, além de hepatites e pancreatites medicamentosas com o uso prolongado dos fármacos em doses altas.

O uso crônico de corticosteroides pode ocasionar distúrbios líquidos e eletrolíticos, musculoesqueléticos e gastrintestinais. Além disso, sintomas dermatológicos como retardo na cicatrização de feridas, adelgaçamento e fragilidade da pele, acne, petéquias e equimoses, eritema, hipersudorese, dermatite alérgica, urticária e edema angioneurótico também são relatados. O paciente pode apresentar sintomas neurológicos, como pseudo tumor cerebral, e endócrinos, como irregularidades menstruais, síndrome de cushing, ausência secundária da resposta adrenocortical e hipofisária, hiperglicemia e hirsutismo.

É de suma importância ressaltar que o uso crônico de corticosteroides suprime o sistema imunológico, deixando o indivíduo mais susceptível a infecções.

Intoxicações por vitaminas como vitamina D e zinco também foram relatadas.

Conclusão

Não existem benefícios comprovados acerca de um tratamento precoce ou fármacos preventivos para a Covid-19, sendo consenso de diversos órgãos, como a Sociedade Brasileira de Infectologia, que as prescrições dos mesmos não devem ser encorajadas, tendo em vista que o risco de efeitos colaterais e complicações decorrentes do uso das drogas estão superando os seus possíveis benefícios e se mostrando iatrogênicos. Cabe ressaltar a necessidade de mais ensaios clínicos e pesquisas consistentes a respeito desse tema.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

https://scielosp.org/article/csc/2020.v25n9/3517-3554/#

https://docs.bvsalud.org/biblioref/2020/06/1099488/rs_rapida_ivermectina_covid19_06_05_20-1.pdf

https://infectologia.org.br/wp-content/uploads/2020/12/atualizacoes-e-recomendacoes-covid-19.pdf

https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/therapeutic-options.html