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As Grandes Síndromes Geriátricas englobam o grupo de doenças de grande recorrência nos consultórios geriátricos e está entre os maiores motivos de encaminhamentos dessa população. As Síndromes causam importante redução da qualidade de vida dos pacientes e devem ser investigadas ativamente durante uma consulta em idosos.
Quem são e por quê são assim chamadas?
As Grandes Síndromes Geriátricas (ou também conhecidas como “Os Grandes “I’s” da Geriatria”) contemplam condições clínicas frequentes nos idosos, capazes de reduzir consideravelmente a qualidade de vida destes pacientes. Conceitua-se que o surgimento de uma das Síndromes acontece após a perda da autonomia e/ou da independência dos idosos. A autonomia refere-se à capacidade do idoso em tomar decisões por conta própria, sendo ela dependente do humor e da cognição. Por outro lado, a independência se refere à capacidade de realizar suas próprias atividades sem ajuda de outrem, esta depende do pleno funcionamento da mobilidade e da capacidade comunicativa dessa população (Imagem 1). As Grandes Síndromes Geriátricas são: incapacidade comunicativa, insuficiência familiar, incapacidade cognitiva, instabilidade postural, imobilidade, incontinência esfincteriana e a iatrogenia;
O campo da geriatria é bastante rico em testes e questionários bastante reconhecidos e consolidados na medicina. Diversos deles são utilizados na investigação ativa das Síndromes Geriátricas e constituem papel fundamental durante a avaliação médica.

Incapacidade comunicativa
A população idosa é frequentemente acometida por condições que comprometem a comunicação, seja na audição, na fala ou na compreensão. Estas seriam as principais condicionantes relacionadas à incapacidade comunicativa.
Quando a incapacidade comunicativa se instaura, a tendência é de que o idoso se isole socialmente, por encontrar dificuldade em interagir com os demais, o que pode representar riscos psicológicos importantes.
Insuficiência familiar
Dois pilares estão intrinsecamente relacionados a essa síndrome: baixo apoio social e relação familiar prejudicada. Quando se trata de apoio social, considera-se a interação do idoso com familiares, amigos e vizinhos, vínculos estes muitas vezes feitos ao longo de vários anos e que desempenham papel fundamental no aspecto psicológico do paciente, pois este grupo pode estar presente em grupos religiosos, entidades não-governamentais ou simplesmente constitui uma comunidade local. O apoio emocional é muito evidente nesse grupo e trabalha a capacidade comunicativa e interpessoal do idoso.
No âmbito familiar – frequentemente representado pelos filhos -, deve ser considerada a atual transição demográfica, com uma enorme queda na taxa de natalidade, além da inserção feminina no mercado de trabalho e a tendência de mudança de cidade de residência dos familiares, resultando num apoio cada vez mais escasso. Considera-se que a família é a principal fonte de apoio instrumental e financeiro, sendo esses aspectos os mais fragilizados quando nota-se a insuficiência familiar.
Sendo assim, é notável idosos com insuficiência familiar se queixarem de falta de atenção da família, apresentarem sinais de descuido com a saúde e aparência, além de claros sinais de ansiedade e possivelmente depressão. É importante ressaltar o risco que estes pacientes têm de sofrerem quedas ou complicações de doenças prévias devido à ausência de um cuidado que só poderia ser desempenhado por outra pessoa na redução da independência dessa população.
Incapacidade cognitiva
A incapacidade cognitiva é a Síndrome mais conhecida da geriatria e o motivo mais comum de encaminhamento à especialidade. Ela configura a perda de funções superiores do encéfalo (memória, função executiva, linguagem, função visuoespacial, gnosia e apraxia). Observe que essas funções, quando prejudicadas, podem estar relacionadas também a qualquer outra Grande Síndrome Geriátrica. Como mencionado, o humor também é um fator relacionado à autonomia, sendo assim, quando prejudicado, também cursa com Incapacidade cognitiva.
A investigação dessa Síndrome inclui a utilização de diversos testes como o Miniexame do Estado Mental (“Mini-mental”), Teste de Fluência Verbal, Teste do Relógio, Escala de Depressão no Idoso, entre outros.
Esta é uma síndrome muito complexa, a qual apresenta espectro variável a depender do grau de gravidade, da função superior prejudicada, da reversibilidade e da etiologia envolvida.
Instabilidade postural
Essa Síndrome Geriátrica é o estereótipo do idoso com histórico de quedas (independentemente da causa). É importante lembrar que, ao investigar um idoso com quedas, o sistema musculoesquelético não é o único sistema a ser observado, apesar de que as fraturas estão entre as principais complicações.
A acuidade visual, o funcionamento do sistema vestibular, capacidade respiratória e cardiovascular e a avaliação ambiental (tradicionalmente o ambiente domiciliar) também são considerados. Nesse contexto, é importante questionar a presença de comorbidades e condicionantes de risco para quedas (miopia, astigmatismo, vertigem, insuficiência cardíaca e a presença de escadas em casa são alguns exemplos).
A avaliação da marcha é essencial no idoso. Um teste conhecido é o “Timed up and go”, o qual avalia o tempo demandado pelo idoso para levantar-se de uma cadeira, percorrer 3 metros, voltar e sentar-se. Quando o tempo é maior que 20 segundos, recomenda-se dar seguimento à avaliação em nível sensorial e motor que justificaria a dificuldade em deambular, ou seja, um quadro de marcha anormal.
Imobilidade
Ainda há certa discordância quanto ao conceito dessa Síndrome. Entretanto, qualquer redução da mobilidade do idoso deve ser investigada e tratada quando possível devido o potencial progressivo e o risco das complicações advindas desse quadro.
Essa síndrome apresenta um espectro bastante variável tratando-se da gravidade. Em último grau – a imobilidade completa – o paciente é absolutamente dependente.
A imobilidade é uma Síndrome com uma particularidade: ela pode causar problemas em praticamente qualquer sistema do organismo: desde o sistema cardiovascular, passando pelo sistema genitourinário e gastrointestinal, até complicações dermatológicas.
Incontinência esfincteriana
Essa Síndrome Geriátrica está entre as mais comuns, sobretudo na população feminina, as quais apresentam mais fatores de risco para incontinência urinária (paridade e uretra menor em comparação a uretra masculina). Os demais fatores de risco são o uso de diuréticos, obesidade, idade avançada e histórico familiar.
A incontinência fecal é menos comum, de modo que supõe-se que esta seja subdiagnosticada, sobretudo devido ao constrangimento do paciente em relatar o quadro.
A vergonha, o constrangimento e a falsa crença de que a incontinência esfincteriana é um quadro “normal do idoso” dificultam a abordagem, de modo que deve ser feita uma busca ativa com questionamento direto do paciente. Ressalta-se a queda da qualidade de vida dos pacientes com essa Síndrome, os quais frequentemente se isolam em casa para evitar episódios de perda de urina ou fezes fora do domicílio.
Iatrogenia
A iatrogenia se refere à intervenção médica de maneira patológica. No campo da geriatria, esse fenômeno pode ocorrer em diversas fases: desde o subdiagnóstico durante a consulta, passando pelo excesso de solicitação de exames (“cascata propedêutica”), excesso de medicamentos (polifarmácia), até a distanásia (prolongamento artificial da vida sem perspectiva de reversão do quadro).
Com frequência os idosos procuram atendimento em diversas especialidades, de modo que os especialistas tendem a se ater somente a sua área, prescrevendo os próprios medicamentos e solicitando exames específicos, resultando na iatrofarmacogenia e na “cascata propedêutica”.
Outro aspecto incluído também na iatrogenia é a inabilidade de comunicação com o paciente e com a família/acompanhantes, seja como ouvinte seja como responsável por comunicar um prognóstico desfavorável (iatrogenia da palavra e a iatrogenia do silêncio).
Em última instância, a iatrogenia pode estar presente em situações de internações prolongadas, as quais cursam com risco de surgimento de outras complicações como a imobilidade, infecções hospitalares e o delirium.
A iatrogenia é reconhecidamente tratável, entretanto, cabe ao médico reconhecer o quadro iatrogênico com um olhar minucioso e atento.

Conclusão
As Grandes Síndromes Geriátricas abrangem um grupo de quadros clínicos de grande recorrência na população idosa e de espectro bastante variável. O médico deve saber reconhecer um paciente cursando com uma dessas síndromes para o correto manejo. O diagnóstico frequentemente passa pelo uso de diversos testes, mas também pode ser clínico a depender da Síndrome envolvida.
Autor: Víctor Miranda Lucas
Instagram: @victormirandalucas
Referências
AGNE, T.; FERRETI. F. Incontinência urinária em idosas: desvelando aspectos dessa síndrome geriátrica. FisiSenectus, Chapecó-SC, v.6, n.1, p.1-3, 2018.
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NASCIMENTO, E. S. Síndromes Geriátricas Aspectos Gerais . Revista Multidisciplinar em Saúde, v. 1, n. 4, p. 35, 2020.
SOUZA, A.; PELEGRINI, T.S.; RIBEIRO, J.H.M.; PEREIRA, D.S.; MENDES, M.A. Conceito de Insuficiência Familiar na pessoa idosa: análise crítica da literatura. Revista Brasileira de Enfermagem. Brasília, v.68, n.6, p.1176-1185, 2015.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.