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Covid-19 e eventos esportivos de massa: o que diz a ciência? | Colunistas

Covid-19 e eventos esportivos de massa: o que diz a ciência? | Colunistas

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Introdução

                A pandemia de COVID-19 trouxe diversas mudanças na vida da população mundial. Uma dessas mudanças foi a impossibilidade de realizar aglomerações, devido à alta possibilidade de contágio do vírus. Por isso, diversos eventos foram cancelados, desde reuniões de família com poucos convidados até eventos gigantes, que reuniam verdadeiras multidões. Shows, competições esportivas, festivais e eventos públicos perderam lugar durante o ano de 2020.

                Com o avanço da vacinação, ao longo de 2021, parece surgir uma esperança no horizonte. Os resultados satisfatórios dos programas de imunização têm levantado a possibilidade de retorno à realização destes grandes eventos. O atual prefeito da cidade de São Paulo, Ricardo Nunes, anunciou que existe a previsão de que eventos como o Reveillón na Avenida Paulista e os blocos de Carnaval voltem a acontecer a partir do final do ano.

                Alguns eventos, no entanto, já estão sendo realizados. A Copa América, a Liga das Nações, o Campeonato Europeu e as Olimpíadas de Tóquio são eventos esportivos que foram ou estão sendo realizados no meio do ano de 2021. Apesar de medidas de restrição – como a proibição de torcida, ou a criação de “bolhas” para os competidores – estarem sendo aplicadas, resta a pergunta: será que esse tipo de evento já é seguro?

Liga das Nações

                A Liga das Nações – competição mundial masculina e feminina de voleibol – foi realizada entre maio e junho de 2021, na cidade de Rimini, na Itália. Após ter sido adiada, a Federação Internacional de Voleibol (FIVB) optou por fazer mudanças na forma de realização dessa competição: seria realizada apenas em um local (ao invés do rodízio habitual de cidades), onde os atletas seriam confinados, formando uma espécie de “bolha”. Não havia presença de torcida nos jogos, e todos os participantes tinham de aplicar protocolos de segurança: medição de temperatura diária, testagem a cada 4 dias, além do uso de álcool em gel e máscaras. Houve, segundo os organizadores, apenas um registro de resultado positivo para infecção pelo SARS-CoV-2.

O central Lucão, da seleção brasileira, fez uso de máscara inclusive durante as partidas durante a Liga das Nações (Divulgação/FIVB – disponível em: https://www.abcdoabc.com.br/brasil-mundo/noticia/liga-nacoes-estreia-lucao-brasil-vence-italia-esta-semifinal-126724

Copa América

                A experiência da Copa América, sediada no Brasil entre os meses de junho a julho, foi um pouco diferente. Após muita polêmica e descontentamento de grande parte da população brasileira, a competição aconteceu, inclusive com presença de torcida e aglomerações. Apesar da tentativa de se estabelecer protocolos sanitários, inclusive com vacinação de atletas e comissão técnica, os resultados não foram tão positivos: houve a entrada de uma cepa inédita e mais transmissível do vírus no país e 179 contágios entre os envolvidos na competição. Vale ressaltar que esse número indica apenas os casos positivados dentro das equipes e comissões técnicas, sem mencionar, por exemplo, a imprensa e a torcida.

A torcida presente na final da Copa América, no Maracanã. Pode-se observar que algumas das medidas de prevenção foram negligenciadas. (NELSON ALMEIDA/AFP, disponível em: https://brasil.elpais.com/esportes/copa-america-futebol/2021-07-12/copa-america-trouxe-variante-inedita-da-covid-19-para-o-brasil.html)

As Olimpíadas de Tóquio

                Os Jogos Olímpicos de Tóquio, que foram adiados no ano de 2020, estão sendo realizados durante os meses de julho e agosto de 2021. Mesmo após mais da metade da população da cidade ter se declarado contrária à realização do evento, os jogos se iniciaram, trazendo uma quantidade enorme de profissionais do esporte ao país. Os jogos estão sendo realizados sem a presença de público internacional, e os atletas também devem seguir um esquema de proteção e testagem periódica.

                No entanto, apesar dos cuidados que estão sendo tomados, a capital japonesa vem apresentando números recordes de infectados. Até o final de julho, mais de 200 casos foram relatados entre pessoas ligadas aos jogos. Apesar disso, o primeiro-ministro japonês e o Comitê Olímpico Internacional (COI) não conectam o aumento dos casos na cidade com os Jogos Olímpicos, e alegam que os casos relacionados aos Jogos não estão sobrecarregando o sistema de saúde local.

Os Jogos Olímpicos de Tóquio estão sendo realizados após adiamento de um ano e seguindo medidas de contenção da pandemia (disponível em: https://agora.folha.uol.com.br/esporte/2021/03/mundo-olimpico-a-olimpiada-de-toquio-2020-e-um-erro.shtml)

Mas afinal, o que diz a Ciência?

                É fato que a avaliação científica sobre a segurança desses eventos está prejudicada, pois, assim como a maioria das informações relacionadas à COVID-19, as evidências estão sendo construídas com o passar do tempo. Além disso, como mencionado anteriormente, existem modelos diferentes de eventos esportivos no que diz respeito à organização, presença de torcida, número de pessoas envolvidas, modalidade esportiva e medidas de restrição e cuidado. Portanto, cada caso deve ser avaliado individualmente. No momento, as evidências disponíveis são aquelas advindas de relatos de casos. Existe, então, a possibilidade de extrapolar dados de outras doenças infectocontagiosas semelhantes, para tentar antever alguns resultados.

                Sabe-se que as infecções respiratórias agudas, como a COVID-19, são as doenças mais comuns a serem transmitidas em eventos de massa. Uma revisão sistemática recente apontou que essas doenças são as mais comuns em eventos esportivos. Esse diagnóstico também é o mais frequente em reuniões internacionais. No entanto, a transmissão nesse tipo de evento estaria mais relacionada aos envolvidos na organização e nas competições, e não tanto aos espectadores e a comunidade em geral. Ainda não existem evidências suficientes para estabelecer quais os melhores mecanismos de restrição para impedir a infecção nestes eventos.

                Existem algumas recomendações da OMS para os organizadores desse tipo de evento, como garantir a presença de álcool em gel, orientações de higiene e serviços médicos. Além disso, é ideal realizar testagem constante e acompanhamento da situação clínica dos envolvidos, e montar um esquema funcional de notificação e isolamento dos possíveis casos.

Conclusões

                O retorno à realização de eventos esportivos e outros eventos de massa é desejo da população como um todo. No entanto, é importante que isso aconteça com segurança. Ainda não existem evidências suficientes para sustentar um jeito específico para que isso ocorra, e cada caso deve ser avaliado individualmente. É importante notar que, com o passar do tempo e a realização de alguns desses eventos, a comunidade científica poderá ter um embasamento maior para fornecer esse tipo de resposta.

                No entanto, o que se sabe até agora é que esses eventos, no presente momento, ainda não são completamente seguros. É essencial, portanto, que os comitês organizadores estejam atentos às medidas de controle e prevenção à transmissão, e que respeitem as limitações de cada local e momento. Ou seja, se necessário, que promovam o adiamento dos eventos. Isso é de extrema importância para garantir que o esporte cumpra seu papel de entreter e unir a sociedade, e não de prejudicá-la.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

Qual é a evidência sobre reuniões em massa durante pandemias globais? – https://oxfordbrazilebm.com/index.php/qual-e-a-evidencia-sobre-reunioes-em-massa-durante-pandemias-globais/

Public Health Threats in Mass Gatherings: A Systematic Review – https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31250774/

International mass gatherings and travel-associated ilness: A GeoSentinel cross-sectional, observational study – https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S147789391930208X

Considerações para federações esportivas/organizadores de eventos esportivos para o planejamento de eventos de massa no contexto da COVID-19 – https://www.ufrgs.br/coronavirus/wp-content/uploads/2020/05/COVID-19-Federa%C3%A7%C3%B5es-esportivas-e-organizadores-de-eventos-esportivos.pdf

Mais da metade dos moradores de Tóquio é contra a realização das Olimpíadas em 2021 – https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/mais-da-metade-dos-moradores-de-toquio-e-contra-a-realizacao-das-olimpiadas-em-2021.ghtml

Japão registra recorde de casos de COVID em meio às Olimpíadas – https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/07/29/japao-registra-recorde-de-casos-de-covid-em-meio-as-olimpiadas.ghtml

Copa América trouxe variante inédita da COVID-19 para o Brasil – https://brasil.elpais.com/esportes/copa-america-futebol/2021-07-12/copa-america-trouxe-variante-inedita-da-covid-19-para-o-brasil.html

Em 29 dias, Copa América registra total de 179 casos de COVID-19 – https://www.cnnbrasil.com.br/esporte/2021/07/10/copa-america-registra-total-de-179-casos-de-covid-19-durante-os-29-dias

COVID: variante que chegou pela Copa América é mais transmissível e tem mutação inédita – https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57829968

Cidade de SP deve ter festa de Réveillon e Carnaval em 2022, diz prefeito – https://exame.com/brasil/cidade-de-sp-deve-ter-festa-de-reveillon-e-carnaval-em-2022-diz-prefeito/

Vôlei: COVID-19 força alteração no formato da Liga das Nações – https://agenciabrasil.ebc.com.br/esportes/noticia/2021-01/volei-covid-19-forca-alteracao-no-formato-da-liga-das-nacoes

Após casos de COVID-19, FIVB dá “exceção especial” para Tailândia ir à Liga das Nações – https://ge.globo.com/volei/noticia/apos-casos-de-covid-19-fivb-da-isencao-especial-para-tailandia-ir-a-liga-das-nacoes.ghtml

Em preparação para a Liga das Nações, Maique fala sobre protocolos contra COVID: “são quase os mesmos do Brasil” – https://www.gazetaesportiva.com/mais-esportes/volei/em-preparacao-para-a-liga-das-nacoes-maique-fala-sobre-protocolos-contra-covid-sao-quase-os-mesmos-do-brasil/

Successful COVID-19 Protocols at VNL Bubble 2021 – https://www.fivb.com/en/about/news/successful-covid-19-protocols-at-vnl-bubble-2021?id=94676

Liga das Nações: Na estreia de Lucão, Brasil vence Itália e está na semifinal – https://www.abcdoabc.com.br/brasil-mundo/noticia/liga-nacoes-estreia-lucao-brasil-vence-italia-esta-semifinal-126724

Mundo Olímpico: A Olimpíada de Tóquio-2020 é um erro – https://agora.folha.uol.com.br/esporte/2021/03/mundo-olimpico-a-olimpiada-de-toquio-2020-e-um-erro.shtml