Anatomia de órgãos e sistemas

Critérios de Rotterdam | Colunistas

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Antes de falarmos propriamente dos Critérios de Rotterdam, vamos discutir sobre Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), diagnosticada por esses critérios.

Síndrome dos ovários policísticos

A SOPé um dos distúrbios endócrinos mais comuns nas mulheres em idade fértil,afetando 5 a 10% das mulheres em todo o mundo. Sua etiologia é multifatorial e ainda não está totalmente esclarecida, envolvendo a predisposição genética e a sua interação ambiental. Se considerarmos a presença de distúrbio menstrual, o diagnóstico de SOP é obtido em 30 a 40% das pacientes com amenorreia primária ou secundária e em 80% das pacientes com oligomenorreia.

Essa síndrome é a causa mais comum de infertilidade por anovulação. Os sintomas iniciam no período peripuberal e progridem com o tempo. O principal achado clínico nas pacientes com SOP é a associação do hiperandrogenismo e da anovulação, porém as manifestações clínicas são bastante variadas, incluindo hirsutismo, infertilidade, acne, obesidade, entre outras manifestações. Sendo assim, para o diagnóstico da SOP é necessário investigar e excluir outras patologias que cursam com sinais e sintomas semelhantes, como tumores produtores de androgênios, hiperplasia da adrenal e hiperprolactinemia.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS DE HIPERANDROGENISMOINVESTIGAÇÃO
Disfunções tireoidianasDosagem de hormônio tireoestimulante (TSH) e/ou T4 livre
HiperprolactinemiaDosagem de prolactina
Tumor ovariano produtor de androgênioDosagem de testosterona total ou livre
Tumor adrenalDosagem de dehidroepiandrosterona sulfatada (DHEA-S)
Hiperplasia adrenal congênitaDosagem de 17-alfa-hidroxiprogesterona (17OHP)
Insuficiência ovariana primáriaDosagem de hormônio folículo-estimulante (FSH)
Diagnósticos diferenciais dos quadros de hiperandrogenismo. Modificado de Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), 2018

Diagnóstico

Na primeira tentativa de padronizar o diagnóstico da síndrome dos ovários policísticos, em 1990, os National Institutes of Health (NIH) definiram como critérios: 1) anovulação crônica, 2) clínica de hiperandrogenismo (hirsutismo, acne e alopecia androgênica) e/ou hiperandrogenemia e 3) exclusão de causas secundárias, como hiperprolactinemia, disfunções da tireoide, alterações da função adrenal e tumores de ovários ou adrenal.

Como essa definição não fazia menção aos aspectos ultrassonográficos ovarianos, não obteve grande aceitação na Europa. Em 2003, a American Society for Reproductive Medicine (ASRM) e a European Society of Human Reproduction and Embriology (ESHRE) realizaram uma reunião para consenso, em Roterdã (daí o nome), nos Países Baixos. Essa reunião resultou no consenso de que o diagnóstico de SOP deve incluir pelo menos 2 dos seguintes critérios:

CRITÉRIOS DE ROTTERDAM
Alterações dos ciclos menstruais
Hiperandrogenismo clínico
Morfologia ovariana policística à ultrassonografia (USG)
Adaptado de Consenso de Rotterdam, novas recomendações da ASRM/ESHRE de 2018

De acordo com esses critérios, entende-se por alteração no ciclo menstrual a ausência de menstruação por um período de 90 dias ou mais ou a presença de um número de ciclos menstruais menor ou igual a 9 por ano. Em relação ao hiperandrogenismo, deve-se pontuar esse critério quando houver pelo menos um dos seguintes achados: acne, hirsutismo e alopecia de padrão androgênico ou hiperandrogenismo laboratorial. Esse ocorre quando há elevação de pelo menos um androgênio, que pode ser testosterona total, androstenediona e/ou sulfato de desidroepiandrosterona sérica (SDHEA). Com relação à presença de ovários policísticos à USG, deve ter mais de 20 folículos antrais de tamanho entre 2 e 9 mm, em pelo menos um dos ovários, ou volume ovariano de maior ou igual a 10 cm3. Não deve ser considerado o ovário que apresenta folículo dominante ou corpo lúteo. Nesses casos, o exame deve ser repetido.

Manifestações extras aos critérios

Disfunções metabólicas, como a resistência insulínica, obesidade e o risco de diabetes tipo 2, estão presentes na SOP. Por isso, é importante a investigação dessas patologias no exame físico através da circunferência abdominal, pressão arterial e da investigação metabólica e bioquímica, com a avaliação do metabolismo glicídico (glicemia de jejum e/ou TTGO) e lipídico (colesterol total e frações e triglicérides). Essa investigação servirá também para o diagnóstico da síndrome metabólica, entidade frequente nas pacientes com SOP. É importante ressaltar que a SOP com ciclos não ovulatórios não tratada pode aumentar o risco de câncer de endométrio!

Críticas aos critérios de Rotterdam

1ª crítica: a resistência insulínica não foi levada em consideração.

2ª crítica: paciente com hirsutismo leve e ovários policísticos à ultrassonografia, mesmo com ciclos regulares e ovulatórios, seria considerada portadora de síndrome dos ovários policísticos.

3ª crítica: uma paciente sem evidências de hiperandrogenismo pode ser diagnosticada como portadora de SOP.

Conclusão

A síndrome de ovários policísticos é uma endocrinopatia comum, apresentando-se com sinais e sintomas que variam amplamente entre as mulheres, assim como na mesma mulher ao longo do tempo. Como resultado, as pacientes com SOP podem requerer um acompanhamento multidisciplinar com ginecologista, endocrinologista, dermatologista e até mesmo cardiologista. Este contexto reforça a relevância clínica da afecção e a necessidade de todas estas especialidades se familiarizarem com ela. Além disso, a existência de uma ferramenta prática para o diagnóstico dessa entidade nosológica, a saber, os critérios de Rotterdam, é de suma importância para o diagnóstico precoce e tratamento direcionado.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências:

Hoffman, Barbara L. et al. Ginecologia de WILLIAMS. 2 ed. Porto Alegre. Artmed. 2014.

Ministério da Saúde. Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas: Síndrome dos ovários policísticos Brasília: Ministério da Saúde; 2019.

Yela DA. Particularidades do diagnóstico e da terapêutica da síndrome dos ovários policísticos na adolescência. In: Síndrome dos ovários policísticos. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO); 2018. Cap. 2. p.16-28. (Série Orientações e Recomendações FEBRASGO, n.4, Comissão Nacional de Ginecologia Endócrina).