Hematologia

Doença falciforme: Cuidados com crianças e adolescentes | Colunistas

Doença falciforme: Cuidados com crianças e adolescentes | Colunistas

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A doença falciforme é genética autossômica recessiva, resultante de alteração molecular no gene da globina beta, porção da molécula de hemoglobina, que tem como consequência final a polimerização das moléculas da hemoglobina anormal em meio que favoreça à desoxigenação, provocando por fim a deformidade eritrocitária; Sendo a hemoglobina anormal denominada hemoglobina S (HbS).1,2,3

A homozigose para o gene mutado corresponde à forma mais grave, com ausência de hemoglobina A, denominada Anemia Falciforme. Já a heterozigose para o gene mutado (AS) não apresenta repercussões hematológicas significativas, sendo suas complicações clínicas extremamente raras uma vez que a concentração de HbS nas hemácias dos indivíduos é menor que 50%.1,2,3

Todas as hemácias com hemoglobina S em sua forma predominante podem sofrer alterações estruturais por desoxigenação originando o formato clássico em foice, que normalmente é reversível após reoxigenação. Porém com a repetição desse fenômeno, a reversibilidade é prejudicada, originando células irreversivelmente falcizadas.

Estas contribuem para a anemia hemolítica, redução da vida média dos eritrócitos, e a ocorrência de vaso-oclusão, grande responsável pelo quadro clínico da doença.1,3

Doença falciforme em recém-nascidos

Os recém-nascidos portadores de doença falciforme possuem hemoglobina fetal (HbF) em concentração maior que HbS, logo as alterações clínicas tem pequena repercussão clínica. Quando há redução dos níveis de HbF, por volta de 6 meses de idade, usualmente há o surgimento dos primeiros sintomas da doença.1,3

O quadro clínico da doença falciforme corresponde às crises de falcização, que são manifestações agudas da doença precedidas por períodos assintomáticos. As crises de falcização podem ser classificadas em fenômenos vaso-oclusivos, crise aplástica ou sequestro esplênico. 1,3

Os episódios dolorosos agudos são a manifestação clínica mais comum, e decorrem da obstrução da microvasculatura sistêmica, isquemia e resposta inflamatória consequente. Comumente acomete regiões de ossos longos, articulações e lombar, e em crianças entre 6 meses e 2 anos de idade a forma mais comum é a dactilite. 1,3

As crises aplásticas ocorrem por insuficiência de eritropoiese de maneira transitória que se traduz em queda dos níveis de hemoglobina e reticulócitos. A etiologia mais comum é a infecção pelo Parvovírus B19. Esse tipo de crise tem como diagnóstico diferencial a crise de sequestro esplênico, na qual ocorre queda de níveis de hemoglobina associada à hiperplasia de medula e hiperesplenismo, com acúmulo rápido de sangue no baço.

As crises de sequestro esplênico ocorrem mais comumente entre 6 meses e 2 anos de idade e são responsáveis por até 10-15% das mortes de pacientes com anemia falciforme nos primeiros 10 anos de vida.1,3

Também são manifestações clínicas da doença as crises hemolíticas, síndrome torácica aguda, acidente vascular encefálico, infarto agudo do miocárdio, priapismo, necrose asséptica de cabeça de fêmur, dentre outras complicações sistêmicas.1,3

As infecções são a principal causa de morbimortalidade na Anemia Falciforme, e sua etiologia é predominantemente de bactérias encapsuladas como, por exemplo, Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis, Haemophylus influenzae, Escherichia coli e Staphylococcus aureus.1,3

Diretrizes para pacientes com Anemia Falciforme

Com o objetivo de reduzir os riscos de complicação e morbimortalidade em pacientes com Anemia Falciforme, o Ministério da Saúde instituiu diretrizes para o cuidado de indivíduos com a doença. Preconiza-se que a assistência em Atenção Primária deva ocorrer na Unidade Básica de Saúde mais próxima da residência do paciente, e o cuidado deve ser iniciado imediatamente após o diagnóstico, ou seja, após resultado do Teste do Pezinho e exames confirmatórios, nos primeiros meses pós-natais.

Inicialmente, a partir do diagnóstico confirmado da doença, deve-se encaminhar o paciente a um ambulatório especializado, onde se estabelecerão condutas específicas. O cumprimento destas devem ser reforçadas pelas equipes de Estratégia Saúde da Família, bem como deve ser realizado acompanhamento periódico do paciente como recomendado a todos os indivíduos segundo protocolos de atendimento na Atenção Básica.2

Kliegman et.al (2016) sugere que crianças e adolescentes com doença falciforme devam receber cuidados de puericultura e hebiatria como recomendado a todas as crianças, com direcionamento adicional aos seguintes aspectos: palpação esplênica em consultas e também domiciliar a partir do treinamento de cuidadores; imunização adequada; screening anual com ultrassom doppler transcraniano dos 2 aos 16 anos de idade para identificação de pacientes com risco aumentado de acidente vascular encefálico; pesquisa de aloanticorpos e fenótipos eritrocitários para identificar tipos sanguíneos de maior compatibilidade em hemotransfusões; screening clínico para asma uma vez que pacientes asmáticos e falcêmicos tem relação com maior morbidade e mortalidade; rastreio de oftalmopatias em pacientes com alto risco a partir dos 10 anos de idade; screening anual de nefropatias com urinálise e relação albumina:creatinina a partir dos 10 anos de idade; e fornecimento de orientações sobre priapismo em meninos.3

Tratamento para Anemia Falciforme

Segundo a literatura, são estratégias de tratamento basal para a doença o uso de Hidroxiureia como terapia medicamentosa mais eficaz na doença falciforme para prevenção de crises e complicações, profilaxia antibiótica com Penicilina Sintética V contra estafilococos, estreptococos e pneumococos, e tratamento adjuvante como uso de ácido fólico, analgésicos e anti-inflamatórios. O transplante de células hematopoiéticas apresenta-se como único tratamento curativo da doença e na possibilidade de realização, deve ser apresentado como possibilidade terapêutica.3,4

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Autora: Beatriz Lin Carbone

Instagram: @mediscool