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Demências | Colunistas

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Demência é uma síndrome adquirida de declínio de memória e de outras funções cognitivas, a partir de um nível prévio mais elevado, importante o suficiente para interferir nas atividades de vida diária (capacidade funcional) e na independência.2

Também é caracterizada pelo surgimento de alterações comportamentais em um indivíduo alerta. De forma típica, o aparecimento dos sintomas é insidioso, e o padrão de progressão é gradual. A definição de disfunção cognitiva da demência exige pelo menos três déficits entre os seguintes domínios: memória recente, comunicação verbal/linguagem, função visuoespacial, função executiva e humor/personalidade. Na maioria dos pacientes idosos com demência, o comprometimento de memória recente é o sintoma dominante. 2

As demências podem ser divididas por diferentes categorizações: ¹

  • Degenerativas e não degenerativas;
  • Corticais e subcorticais;
  • Precoce (início antes dos 65 anos de idade) e tardio (após os 65 anos);
  • Potencialmente tratáveis e irreversíveis;
  • Rapidamente progressivas e lentamente progressivas.

Demências Degenerativas ou Irreversíveis 

A causa mais comum de demência degenerativa é a Doença de Alzheimer (DA). Caracteriza-se pelo início insidioso de comprometimento da memória (com déficit predominante de aprendizado de novas informações), seguindo-se alterações nas funções executivas, visuoconstrutivas e de linguagem. Inicia-se mais frequentemente após os 65 anos; portanto é, caracteristicamente, uma demência de início tardio.¹

Patologicamente caracteriza-se por degeneração neuronal, secundária ao acúmulo de proteínas anômalas, levando à formação das placas senis (proteína beta-amiloide insolúvel) e os novelos neurofibrilares (proteína tau hiperfosforilada). ¹

O diagnóstico se baseia na perda cognitiva suficiente para ter um comprometimento funcional e nas atividades sociais em relação ao nível prévio do indivíduo, pressupondo então o quadro demencial, desde que outras causas de comprometimento cognitivo sejam afastadas.¹

A duração média da DA é de 1O anos, durante os quais as pessoas afetadas progridem de perda de memória discreta para necessidade de supervisão nas 24 horas do dia, total dependência e óbito², conforme Figura 1 abaixo. 

Gráfico

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Figura 1: Ocorrência típica das manifestações da demência na Doença de Alzheimer (DA).
Fonte: Rotinas em Neurologia. Cap 12.

A segunda causa de demência de causa degenerativa em idosos é a demência com corpos de Lewy (DCL).¹ 

A DCL tem como características histopatológicas os corpos de Lewy intracelulares e neuritos de Lewy com a presença abundante de placas senis e esparsos novelos neurofibrilares. A característica central – demência – é essencial para o diagnóstico de provável ou possível. O perfil cognitivo mescla características corticais e subcorticais. Predominam desde o início, déficits de atenção, funções executivas e funções visuoespaciais. A memória pode estar comprometida de modo mais leve, nos casos iniciais. Outras características frequentes e importantes para o diagnóstico são as alucinações, flutuações da cognição e o parkinsonismo. Considera-se conveniente o período de um ano entre o início da demência e o parkinsonismo para o diagnóstico de DCL, diferenciando-a da Doença de Parkinson com demência em que o quadro motor precede em anos o comprometimento cognitivo. ¹

Demências não degenerativas e/ou potencialmente reversíveis 

A causa mais frequente de demência não degenerativa ou de demência secundária é a doença vascular cerebral (DV).¹ A DV seria o estágio final do comprometimento cognitivo vascular (CCV), termo mais abrangente, que visa estabelecer o diagnóstico antes do aparecimento da demência. O quadro clínico do CCV depende do calibre dos vasos acometidos e dos territórios de irrigação afetados. Várias lesões podem levar ao quadro.¹

Mecanismos que levam ao comprometimento cognitivo vascular:

  1. Multi-infartos: Infartos grandes completos e múltiplos, de localização córtico-subcorticais, em geral com infarto incompleto envolvendo a substância branca.¹
  2. Infartos estratégicos: Infarto único, frequentemente lacunar, com danos em áreas funcionalmente críticas do cérebro (giro angular, tálamo, prosencéfalo basal, territórios de artéria cerebral posterior e cerebral anterior).¹
  3. Doença de vasos pequenos: Muitas dessas demências são consideradas potencialmente tratáveis ou reversíveis. Vários trabalhos têm verificado sua prevalência.¹
  4. Hipoxia-isquemia¹
  5. Hemorragia cerebral¹
  6. Outros mecanismos ou combinação dos supracitados¹

Com a prevenção primária e secundária de fatores de risco para doenças vasculares, a DV, ou melhor, o CCV pode ser considerado também uma demência potencialmente reversível, ou pelo menos, potencialmente estabilizável. Além da DV outras causas não degenerativas são: pós-trauma cranioencefálico, pós-infecciosa, porcarências vitamínicas, de causas metabólicas entre outras. Muitas dessas demências são consideradas potencialmente tratáveis ou reversíveis.¹

Demências de Início Precoce

Este tipo de demência caracteriza-se pelo início antes do 65 anos de idade. Esta divisão foi convencional, baseando-se na idade em que as pessoas se aposentam. Em alguns estudos ainda recebe o nome de pré-senil. ¹

Sempre que se suspeita do diagnóstico de demência de início precoce, torna-se premente uma investigação ampla de possíveis causas reversíveis, principalmente metabólicas, infecciosas e de doenças autoimunes. Deve-se na investigação, sempre incorporar o teste para o vírus da imunodeficiência adquirida e o exame de líquido cefalorraquidiano. ¹

Quadro clínico: sinais e sintomas de demência pela história e pelo exame do estado mental

A avaliação de uma suspeita de demência compreende técnicas básicas de anamnese e exame do estado mental. Não há um único instrumento amplamente usado para aquisição de história da demência.²

A Figura 2 abaixo cobre as principais áreas de comprometimento que devem ser revisadas com um familiar, um amigo próximo ou o cuidador do paciente.²

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Figura 2: Checklist dos sintomas de demência.
Fonte: Rotinas em Neurologia. Cap 12.

Outras doenças clínicas podem ter papel importante ou contribuinte na síndrome demencial², conforme Figura 3:

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Figura 3: Questões importantes sobre doenças clínicas na avaliação da demência.
Fonte: Rotinas em Neurologia. Cap 12.

Transtornos neuropsiquiátricos na demência

Em termos de manejo dos pacientes, uma das evoluções mais importantes dos últimos anos foi o reconhecimento do papel dos transtornos psiquiátricos e comportamentais nas síndromes demenciais.²

Tais condições incluem transtornos afetivos (depressão, ansiedade e euforia), mudanças de personalidade, dificuldades comportamentais (agitação, apatia, irritabilidade, desinibição e comportamento motor aberrante), alucinações, ilusões e transtornos alimentares. Os transtornos neuropsiquiátricos, que ocorrem em até 90% dos pacientes com demência, são uma das causas principais de sobrecarga e estresse dos cuidadores e de institucionalização dos pacientes. No entanto, fornecem dicas extremamente importantes em reo lação aos processos subjacentes da demência e são peças-chave para o diagnóstico diferencial e o prognóstico², conforme a Figura 4: 

Tabela

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Figura 4: Transtornos neuropsiquiátricos na Demência.
Fonte: Rotinas em Neurologia. Cap 12.

Diagnóstico: Exame Neurológico

Além do exame do estado mental, o resto do exame neurológico é necessário principalmente para diferenciar a DV e a demência associada a Parkinsonismo da demência ligada à doença de Alzheimer.²

O exame neurológico em um paciente com DV pode ser inalterado ou pode haver evidência de hemiparesia, hemianestesia, hemianopsia, negligência unilateral, diplopia, disfagia, disartria, paralisia facial, ptose palpebral ou anormalidades pupilares.²

Nenhuma dessas alterações ocorre exclusivamente em decorrência de AVC; assim, o clínico necessitará colocar tais achados em uma perspectiva mais ampla, incluindo a história e o exame do estado mental. Além disso, essas alterações não provam em definitivo que a etiologia vascular é a causa da demência; elas são apenas suporte ao diagnóstico.²

Achados de rigidez (aumento da resistência ao movimento passivo amplo dos membros e do pescoço), bradicinesia, postura encurvada, marcha de pequenos passos, comprometimento do equilíbrio ( incapacidade de endireitar-se após ter sido empurrado) e tremor de repouso no cenário de demência apresentam peso diagnóstico mais alto.  Assim que outras causas de sinais extrapiramidais possam ser excluídas (principalmente uso simultâneo de medicação antagonista de receptor dopaminérgico ), esses achados no exame neurológico são basicamente diagnósticos da contribuição de uma doença de Parkinson à demência. Pode haver outros achados que apontem para etiologias específicas de demência, como coréia no caso de doença de Huntington ou disfunção do movimento ocular extrínseco vertical na paralisia supranuclear progressiva, mas essas condições são muito mais raras em uma unidade de cuidados primários e secundários do que doença de Alzheimer, DV ou demência com Parkinsonismo.²

Avaliação laboratorial diagnóstica

Os critérios da Academia Americana de Neurologia para o diagnóstico de demência estipulam várias recomendações específicas², conforme a Tabela na Figura 5. 

Os testes para diagnóstico molecular e aconselhamento genético para famílias com demência autossômica dominante de início precoce são novos desenvolvimentos, e, assim, essa abordagem não é útil para demência de início tardio. Nesta última condição, a suscetibilidade dos genes do candidato identificado tem pequeno efeito de risco. O papel dos estudos de imagem também já foi exaustivamente debatido.²

Embora neuroimagem não seja recomendação de rotina, há algumas situações em que ela deve ser considerada. A presença de outros sinais ou sintomas neurológicos (cefaléia, crises convulsivas e achados motores anormais no exame), juntamente com comprometimento cognitivo, deve indicar estudo de imagem.²

A importância dos estudos de imagem aumenta de acordo com a duração da demência ou com a incerteza dessa duração pelo clínico. Nas situações em que o início da demência pode ter ocorrido em menos de seis meses, mas esse fato não é claro devido a falha na informação disponível, um exame de imagem é justificável para descartar neoplasia e hematoma subdural crônico. Diferentemente, considerando-se uma situação de um paciente com uma história típica documentada que cobre diversos anos de uma demência no momento  avançada, parece difícil justificar um exame de imagem. Por outro lado, do ponto de vista dos critérios diagnósticos, no caso da DA e das demais causas de demência, a maioria dos sistemas diagnósticos exige um exame de imagem para completar os critérios.²

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Figura 5: Avaliação diagnóstica recomendada nos casos suspeitos de Demência.
Fonte: Rotinas em Neurologia. Cap 12.

Diagnóstico diferencial das demências

O diagnóstico diferencial das demências no idoso envolve cinco síndromes principais (Figura 6) que incluem as apresentações frequentemente observadas com início do comprometimento cognitivo subagudo ou gradual. O diagnóstico diferencial de demência não se aplica para pacientes mais jovens (indivíduos com idade entre 45 e 50 anos).² Veja a tabela a seguir:

Texto

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Figura 6: Síndromes Demenciais.
Fonte: Rotinas em Neurologia. Cap 12.

Importante lembrar

Importante salientar que quando se trata do Diagnóstico de Demências, o clínico deve atentar-se a questionar a família sobre: como foi o início do quadro; como e quando a doença se instalou. Isso porque, com muitos anos de evolução, os quadros demenciais se tornam muito similares, dessa maneira, o início do quadro é de extrema importância para Diagnóstico Diferencial. Além disso, para que casos que possam ser reversíveis, recebam tratamento adequado. 

Referências Bibliográficas:

  1. TAKAYANAGUI, Osvaldo M; NETO, Joaquim Pereira Brasil. Tratado de Neurologia: da Academia de Neurologia do Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013
  2. CHAVES, Márcia L. F; et al. Rotinas em Neurologia. São Paulo: Artmed Editora S.A., 2008. 

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.