O acompanhamento do desenvolvimento neuropsicomotor de crianças na atenção primária é fundamental para o diagnóstico precoce de condições que poderão ser tratadas precocemente e até mesmo revertidas. Além disso, no âmbito de saúde pública, estudos demonstram que a atuação precoce em alterações no desenvolvimento neuropsicomotor pode melhorar o prognóstico dessas crianças e economizar com os tratamentos necessários, caso o diagnóstico fosse tardio. Aqui, discutiremos uma abordagem prática a respeito do uso do Teste de Triagem de Desenvolvimento Denver II como teste de screening na atenção primária.
O atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, na literatura internacional, é tratado sob diversos termos, sendo os mais prevalentes global developmental delay e developmental delay. No Brasil, o atraso no desenvolvimento neuropsicomotor vem sendo citado desde a década de 80.
Dentre os principais fatores que predizem aumento do risco de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor estão:
- Prematuridade, principalmente grandes prematuros (≤1500g);
- Infecções intrauterinas (TORCHZ, HIV, parvovírus);
- Abuso de drogas, álcool e tabaco durante a gestação;
- Infecções peri e pós-natais (HIV, sepsis, meningite);
- Pequenos para idade gestacional (PIG), principalmente em menos de 34 semanas;
- Desnutrição (principalmente por carboidratos e proteínas);
- Pouca estimulação (uso abusivo de telas);
- Desajustes familiares (ex. pais com transtornos psiquiátricos).
Diversos estudos colocam a interação entre fatores genéticos, biológicos e ambientais como influenciadores no desenvolvimento infantil. Fatores biológicos, por interferirem na maturação durante o período gestacional, podem interferir no desenvolvimento a curto e longo prazo. Já os fatores ambientais vêm sendo cada vez mais entendidos como influenciadores do desenvolvimento infantil e passíveis de intervenção, se diagnosticados precocemente; dentre tais fatores, destacam-se os fatores socioeconômicos.
Um estudo realizado com crianças de Canoas/RS, que verificou a prevalência de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e possíveis associações com fatores ambientais e biológicos e fatores maternos em crianças de até 6 anos, sugere que crianças de famílias com renda familiar de até um salário mínimo podem ter até 9,3 vezes mais chances de apresentarem suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor quando comparados com crianças com renda maior do que três salários mínimos. Assim como, crianças cujas mães não têm apoio dos pais apresentam 7,0 vezes mais chances de apresentarem suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor quando comparadas com crianças que recebem apoio dos pais.
Tal estudo só corrobora não só a importância da atenção primária no screening de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, como também a importância de uma boa assistência pré-natal e boa estruturação das Unidades Básicas de Saúde com suas respectivas áreas.
Atualmente, é amplamente difundido que a avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor seja realizada através do Teste de Triagem de Desenvolvimento Denver II, além da medida de perímetro cefálico e análise de ganho pondero estatural (desnutrição pode acarretar comprometimento nas áreas motora, linguagem e inteligência). Através da avaliação das áreas pessoal-social, motricidade fina e ampla e linguagem, o Denver II permite diferenciar crianças de 0 a 6 anos sem atraso e com suspeita de atraso de desenvolvimento. Importante salientar que, em caso de prematuros, deve-se trabalhar com a idade cronológica corrida até os 2 anos quando atingem equivalência.
As reprovações no Denver II são divididas em:
Quando a criança não realiza a tarefa quando mais de 75% e menos de 90% das crianças daquela faixa etária as realiza. Até uma reprovação por área é normal, mas quando há duas reprovações questionáveis na mesma área, em momentos diferentes, avaliação por especialista é necessária devido ao indício de risco neurológico.
Reprovação obrigatória
Quando a criança não realiza a tarefa quando mais de 90% das crianças realiza. Uma única reprovação obrigatória já indica necessidade de avaliação por especialista.
Vale ressaltar que, por ser um teste de screening, o Teste de Triagem de Desenvolvimento Denver II, não faz realiza diagnóstico. Logo, crianças com desempenho anormal deverão realizar investigação complementar com especialista para conclusão de diagnóstico e tratamento com estimulação específica de setores com desempenho anormal. Nesse sentido, uma avaliação multiprofissional (com terapia ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo, assistente social é essencial).

Conclusão
Por fim, podemos concluir que o Teste de Triagem de Desenvolvimento Denver II é amplamente difundido como teste de screening para avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor de crianças de 0 a 6 anos. Não realiza diagnóstico de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor. Em caso de duas reprovações questionáveis em momentos diferentes ou uma reprovação obrigatória, avaliação por especialista é necessária.
Autor: Weslei Douglas Leite da Silva
Instagram: @leite.weslei
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências:
- Scielo – Triagem do desenvolvimento neuropsicomotor de crianças brasileiras: uma revisão sistemática da literatura – https://www.scielo.br/pdf/fp/v23n3/2316-9117-fp-23-03-00336.pdf
- Fiocruz – http://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2018/09/Avalia%C3%A7%C3%A3o-cl%C3%ADnica-e-preven%C3%A7%C3%A3o-de-altera%C3%A7%C3%B5es-do-desenvolvimento-neuropsicomotor-no-primeiro-ano-de-vida.pdf
- Revista neurociências – http://www.revistaneurociencias.com.br/edicoes/2015/2303/original/1095original.pdf
- Scielo – https://www.scielosp.org/article/csc/2007.v12n1/181-190/pt/