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Desenvolvimento puberal fisiológico | Colunistas

Desenvolvimento puberal fisiológico | Colunistas

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Introdução

Como você já deve saber, a adolescência é uma fase de constantes mudanças, tanto corporais quanto psicológicas. Isso porque, durante a infância, a criança ainda tem anos para se adaptar às mudanças corporais. Já na adolescência, essas mudanças ocorrem de modo brusco e, em pouco mais de 2 anos, os aspectos corporais já se encontram totalmente modificados. Assim, quando se fala nas mudanças biológicas que ocorrem nessa fase da vida, dá-se o nome de puberdade.

A puberdade, portanto, vai ser caracterizada pelo amadurecimento dos caracteres sexuais primários (genitais e gonadais), pelo surgimento e amadurecimento dos caracteres sexuais secundários (mamas, pelos pubianos e axilares) e pelo famoso estirão de crescimento. Sabendo disso, pode-se dizer, então, que o objetivo da puberdade é a obtenção da maturidade sexual.

Fisiologia da puberdade

Sabe-se que a puberdade tem início com a atividade do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, que tem sua função iniciada logo durante a vida fetal, fica inativado na infância e é reativado com o início da puberdade. Assim, o hipotálamo produz o GnRH, que é o fator liberador de gonadotrofinas, e tem uma liberação pulsátil e contínua. Já a hipófise, estimulada pela secreção do GnRH, produz as gonadotrofinas FSH e LH, também de modo pulsátil, que, por sua vez, agem sobre os ovários, nas meninas, levando, consequentemente, à maturação do epitélio germinativo e à secreção dos esteroides sexuais e, nos meninos, agem nos testículos, onde o LH vai estimular a secreção de testosterona e o FSH vai estimular a espermatogênese, determinando, assim, o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários.

Vários fatores podem influenciar o início da puberdade, como a exposição geográfica e a exposição à luz, visto que a puberdade tende a acontecer mais cedo em locais de baixa altitude e próximo à linha do Equador. Além disso, condições de saúde e nutricionais melhores parecem estar associados à queda na idade média da ocorrência da menarca. A relação da gordura corporal com o início da puberdade também é bastante considerada. Sabe-se, por exemplo, que meninas com obesidade menstruam mais precocemente do que aquelas que possuem anorexia ou que as atletas de baixo percentual de massa gordurosa. Isso pode estar ligado à ação da leptina, peptídeo secretado pelos adipócitos, que age sobre o sistema nervoso central (SNC), regulando o comportamento alimentar e o consumo de energia e sinalizando ao hipotálamo a quantidade de tecido adiposo disponível e o peso corporal. Assim, quanto mais elevados os níveis de leptina, mais precoce é o início da puberdade.

Apesar de todos esses fatores influenciarem o início da puberdade, sabe-se que o componente genético é o mais determinante.

Segue uma imagem da regulação por feedback do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal nas meninas e nos meninos.

Fonte: Guyton & Hall

Alterações físicas na puberdade fisiológica

Didaticamente, considera-se que a puberdade é caracterizada pelos seguintes eventos:

  • Crescimento esquelético linear;
  • Alteração da forma e composição corporal;
  • Desenvolvimento de órgãos e sistemas;
  • Desenvolvimento das gônadas e dos caracteres sexuais secundários.

Crescimento esquelético: também conhecido como estirão puberal, o adolescente, nessa fase, apresenta grande aquisição pôndero-estatural, chegando a ganhar 20% de sua estatura final em um período de 24 a 36 meses e cerca de 50% do seu peso adulto. O crescimento dos membros inferiores tende a ocorrer primeiro, seguindo uma direção distal-proximal (ou seja, primeiro pés e mãos, seguido de pernas e membros superiores), o que confere um aspecto desproporcional ao corpo do adolescente, que volta a se mostrar proporcional com o crescimento do tronco, que é a região que mais cresce nessa fase.

Há uma alteração na fase de ocorrência desse estirão quando se trata do gênero, visto que, nos meninos, esse incremento estatural ocorre entre os 10 e 16 anos, com a velocidade máxima de crescimento acontecendo entre os 13 e 14 anos, podendo alcançar cerca de 10 cm por ano. Já nas meninas, o estirão tem início entre os 9 e 14 anos, com a velocidade máxima ocorrendo entre os 11 e 12 anos, podendo atingir cerca de 8 a 9 cm por ano. Após isso, há uma desaceleração do ganho estatural e a parada do crescimento, para os meninos ocorrendo entre os 17 e 18 anos, e, para as meninas, entre os 15 e 16 anos.

É importante pontuar que, pelo fato da estatura ser influenciada por fatores genéticos, há um cálculo para se avaliar a faixa de estatura final do adolescente, com base na herança genética dos pais. Assim, calcula-se o alvo genético com a seguinte fórmula:

Alteração da forma e composição corporal: na puberdade ocorre o dimorfismo sexual, ou seja, são estabelecidas as diferentes formas corporais femininas e masculinas, que resulta do desenvolvimento esquelético, muscular, do tecido adiposo, entre outros. Nas meninas, por exemplo, o depósito de gordura ocorre mais na região das mamas e dos quadris, o que define a forma do corpo feminino, diferente dos meninos, que possuem um crescimento do diâmetro biacromial (ou seja, entre os ombros), associada ao desenvolvimento muscular na região da cintura escapular, caracterizando o corpo masculino.

Desenvolvimento de órgãos e sistemas: todos os órgãos e sistemas do corpo humano se desenvolvem durante a puberdade, excetuando o tecido linfóide, que apresenta involução progressiva a partir da adolescência, e o tecido nervoso, que já possui praticamente todo o seu crescimento estabelecido. Um ponto a ser analisado é o aumento da capacidade física, bastante observada nos meninos durante a puberdade, que resulta do desenvolvimento do sistema cardiorrespiratório, do aumento da eritropoiese e do aumento da massa muscular, da força e da resistência física.

Desenvolvimento das gônadas e dos caracteres sexuais secundários: essas modificações decorrem do mecanismo neuroendócrino e das influências de fatores ambientais e, principalmente, genéticos. Um marco de influência neuroendócrina importante é a adrenarca, que corresponde ao aumento da secreção dos andrógenos suprarrenais (androstenediona), desidroepiandrosterona (DHEA) e sulfato de desidroepiandrosterona (SDHEA), ocorrendo anos antes da puberdade e que atingem concentrações máximas no fim da mesma. Esses andrógenos são responsáveis pelo odor axilar, pelo aparecimento dos pelos pubianos e axilares e pelo aumento da atividade das glândulas sebáceas no rosto, o que pode provocar acne.

Além disso, é importante considerar que a sequência de eventos na puberdade segue um padrão. Enquanto, nas meninas, a telarca (aparecimento do broto mamário) é o primeiro sinal de puberdade, seguida da pubarca (aparecimento dos pelos pubianos) e, 2 anos depois, da menarca (primeira menstruação), nos meninos o aumento do volume testicular (ao atingir 4 ml) é o primeiro sinal da puberdade, seguida pela pubarca e pelo crescimento peniano.

Principais marcos puberais

No sexo feminino, os fenômenos pubertários podem iniciar aos 8 anos, ou até mais tardiamente, aos 16 anos, com média entre 11 e 14 anos. Já no sexo masculino, o início pode ocorrer entre os 9 e os 17 anos, com média entre 12 e 14 anos.

A maturação sexual é, portanto, tipificada pelo surgimento dos caracteres sexuais secundários e pode ser avaliada por meio do exame clínico, observando os seguintes itens, alguns já citados:

  • Telarca: corresponde ao desenvolvimento anatômico das mamas, em resposta aos estrógenos;
  • Pubarca: corresponde ao aparecimento de pelos na região pubiana, nos grandes lábios, nas meninas, e na bolsa escrotal, nos meninos, podendo atingir a face interna das coxas e o abdome. A pubarca ocorre em resposta aos estrógenos ovarianos e aos andrógenos das suprarrenais;
  • Axilarca: corresponde ao aparecimento de pelos axilares, surgindo, geralmente, em torno de 1 a 2 anos após a pubarca. Nos meninos, coincide com o aparecimento dos pelos faciais;
  • Menarca: é a primeira menstruação, que ocorre em média aos 12 anos, podendo ocorrer entre os 9 e os 16 anos;
  • Voz: há uma modificação na voz pelo crescimento rápido da laringe, que modifica sua forma, e as cordas vocais ficam mais longas e mais espessas;
  • Polução: é a eliminação involuntária de esperma pelos meninos, que pode equivaler à menarca nas meninas. As primeiras ejaculações são caracterizadas por pouco número e pouca agilidade dos espermatozoides, o que representa uma infertilidade relativa;
  • Ginecomastia: corresponde ao aumento mamário decorrente da sensibilidade dos receptores aos estrógenos que circulam no organismo dos meninos, podendo surgir na puberdade. Normalmente o aumento é discreto e involui em poucos meses, mas, em casos intensos, pode ocorrer um aumento acentuado das mamas, chegando a durar de 1 a 2 anos. Nesses casos, a avaliação clínica e multiprofissional é importante para afastar qualquer afecção hormonal e indicar um tratamento adequado, com o intuito de evitar possível dano psicológico;
  • Aumento do volume testicular: ocorre por ação do FSH e, como já dito, corresponde ao primeiro sinal clínico de puberdade nos meninos. Pode ser avaliado pelo orquidômetro de Prader, que mensura o tamanho testicular em milímetros.

Fases do crescimento puberal

Com o objetivo de sistematizar a sequência do desenvolvimento das características sexuais secundárias na adolescência, foi descrito, em 1962, o estadiamento segundo os critérios de Tanner.

Tanner descreveu, de acordo com a inspeção durante o exame físico, os estágios de maturação sexual, que variam de 1 (infantil) a 5 (adulto), considerando, para o sexo feminino, o desenvolvimento mamário, representado pela letra M, e o desenvolvimento dos pelos pubianos, representado pela letra P. Já para o sexo masculino, os critérios incluem o desenvolvimento da genitália externa, representado pelo G, e também o desenvolvimento da pilosidade pubiana.

Assim, a aplicação da classificação de Tanner faz parte da avaliação clínica de rotina do adolescente, visto que possibilita a identificação do estágio de maturação sexual no qual o adolescente se encontra e sua correlação com outros eventos desse período da puberdade.

Descrevendo um pouco mais os estágios segundo os critérios de Tanner, tem-se:

Desenvolvimento mamário

  • M1 – Mama infantil, apenas com elevação da papila.
  • M2 – Broto mamário, com formação de uma saliência pela elevação da aréola e da papila. Há um pequeno desenvolvimento glandular subareolar, o diâmetro da aréola aumenta e há modificação na sua textura.
  • M3 – Maior aumento da mama e da aréola, sem separação dos seus contornos. O tecido mamário extrapola os limites da aréola.
  • M4 – Maior crescimento da mama e da aréola, sendo que esta forma uma segunda saliência acima do contorno da mama (duplo contorno).
  • M5 – Mama de aspecto adulto, em que o contorno areolar novamente é incorporado ao contorno da mama.

Desenvolvimento genital

  • G1 – Testículos, escroto e pênis de tamanho e proporções infantis.
  • G2 – Aumento inicial do volume testicular (3-4 ml). Pele do escroto muda de textura e torna-se avermelhada e o aumento do pênis é pequeno ou ausente.
  • G3 – Crescimento do pênis em comprimento. Maior aumento dos testículos e do escroto.
  • G4 – Aumento do pênis, principalmente em diâmetro e desenvolvimento da glande. Há um maior crescimento dos testículos e do escroto, cuja pele torna-se mais enrugada e pigmentada.
  • G5 – Desenvolvimento completo da genitália, que assume características adultas

Pilosidade pubiana

  • P1 – Ausência de pelos pubianos, podendo haver uma leve penugem, semelhante à observada na parede abdominal.
  • P2 – Aparecimento de pelos longos e finos, levemente pigmentados, lisos ou pouco encaracolados, ao longo dos grandes lábios e na base do pênis.
  • P3 – Maior quantidade de pelos, agora mais grossos, escuros e encaracolados, espalhando-se esparsamente na região pubiana.
  • P4 – Pelos do tipo adulto, cobrindo mais densamente a região pubiana, mas sem atingir a face interna das coxas.
  • P5 – Pilosidade pubiana igual à do adulto, em quantidade e distribuição, invadindo a face interna da coxa.
  • P6 – extensão dos pelos pela linha alba, acima da região pubiana.

Conclusão

A puberdade é uma fase da adolescência em que vai haver mudanças biológicas importantes nos meninos e meninas, sendo caracterizada pelo amadurecimento dos caracteres sexuais primários, pelo surgimento e amadurecimento dos caracteres sexuais secundários, pelo crescimento e desenvolvimento corporal e por mudanças psicológicas consideráveis decorrentes de todas essas modificações. Uma série de fatores podem influenciar o início da puberdade, mas a genética é o fator mais determinante.

Assim, visando sistematizar a sequência do desenvolvimento das características sexuais secundárias na adolescência, foram criados os critérios de Tanner, que avaliam, nas meninas, o desenvolvimento mamário e a distribuição de pelos pubianos e, nos meninos, avalia o desenvolvimento genital e, também, a distribuição da pilosidade pubiana.

É essencial o conhecimento das alterações fisiológicas da puberdade, assim como da aplicação dessas mudanças nos critérios de Tanner, para, assim, o médico poder identificar e diagnosticar possíveis condições patológicas no desenvolvimento puberal dos pacientes.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

  1. Pediatria – IMIP, 4ª edição.
  2. Crescimento e desenvolvimento puberal na adolescência – http://www.revistas.usp.br/revistadc/article/view/46276/49930
  3. O desenvolvimento puberal normal – https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4486947/mod_page/content/2/O_desenvolvimento_puberal_normal.pdf
  4. Crescimento e desenvolvimento na adolescência – http://revistadepediatriasoperj.org.br/detalhe_artigo.asp?id=555
  5. Manual de orientação infanto-puberal – https://www.febrasgo.org.br/images/arquivos/manuais/Manuais_Novos/Infanto-Puberal.pdf