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Desvendando o Controle Motor Fino | Colunistas

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Imagem de perfil de Lucas Diniz

1.O corpo humano em movimento

Não é novidade que o corpo humano apresenta uma organização anatômica e fisiológica que revelam situações absolutamente fascinantes. Todos os aspectos micro ou macroscópicos, e a combinação de diversos componentes, acabam por gerar estruturas de funcionalidades impressionantes. O simples ato de pensar, as batidas do coração, o funcionamento do sistema imunológico, são exemplos de situações coordenadas que, ao envolverem diversos fatores, constroem sistemas que transformam o organismo humano em uma máquina próxima da perfeição.

Nesse contexto, um dos sistemas mais ricos, complexos e interessantes de toda essa maquinaria é o sistema motor. Sua apresentação de diversos fatores interligados é o que permite, por exemplo, que pessoas se locomovam, apanhem objetos, mudem de posição, pratiquem esportes, toquem instrumentos musicais, dentre outras inúmeras atividades. Involuntariamente, quando pensamos em movimento, o que vem à nossa mente é a percepção de músculos e ossos atuando em conjunto, de forma a possibilitar a mobilidade humana. Entretanto, esse é apenas um pedaço da imensa complexidade que envolve o sistema motor.

Dessa forma, a compreensão do que nos permite mover e realizar nossas atividades diárias parte de dois pontos chave: a neuroanatomia e a neurofisiologia. É necessário avaliar a organização nervosa do sistema motor e, para isso, devemos entender que existem inúmeras vias neurais envolvidas na motricidade, o que forma uma rede bastante complexa, e é isso que garante a sua movimentação. Por exemplo, caso deseje ir até a cozinha beber um copo de água, você realiza os atos de levantar, andar, pegar o copo, enchê-lo e, finalmente, levá-lo até a boca. Por mais que sua ação voluntária pareça algo simples, ela é absolutamente coordenada de forma involuntária por componentes da via motora essenciais para que esse processo ocorra. A esse controle involuntário chamamos de coordenação motora, que, por sua vez, ainda pode ser dividida em grossa e fina. A grossa é a que permitiu que você levantasse de sua confortável cadeira para andar até a cozinha, enquanto que a fina possibilitou seu movimento de preensão com as mãos para pegar o copo e é a mesma que te permite tocar uma música no violão ou possibilita um cirurgião fazer uma incisão com precisão milimétrica. Mas como essas vias se organizam e o que as compõe?

2.Neuroanatomia e neurofisiologia do movimento

Para compreender como funcionam os movimentos finos, devemos primeiramente saber quais são as principais estruturas anatomofisiológicas do corpo humano responsáveis por essa função. Nesse sentido, avaliaremos as áreas corticais e as vias eferentes diretamente envolvidas na movimentação e execução do movimento, bem como aquelas envolvidas na coordenação, pois é a partir do conhecimento delas que é possível entender como se dá o controle motor fino.

2.1. Córtex motor e vias eferentes somáticas – os ordenadores do movimento

O sistema motor somático é construído pelos inúmeros músculos estriados esqueléticos e por todos os neurônios que os comandam. Os constantes processos de ativação/inibição de músculos específicos é o que vai possibilitar uma ação coordenada, permitindo ao ser humano a realização de suas atividades diárias. O mais incrível disso é que, ao pensar em realizar uma ação, não é necessário que você escolha de forma consciente quais músculos deverá contrair e quais deverá inibir: é necessário apenas sinalizar a intenção e o resto acontece de forma automática. Para isso, são inúmeras as vias envolvidas, de tal forma que elas se projetam direta ou indiretamente dos centros motores superiores, para tronco encefálico, medula e por fim até seu músculo alvo.

2.1.1. Áreas corticais envolvidas no movimento

As regiões cerebrais envolvidas no movimento podem ser representadas por meio de quatro grandes áreas motoras. São elas: primária, suplementar, pré-motora e cingulada.

Área motora primária

Localizada no giro pré-central, é a responsável pelo comando dos movimentos voluntários.

Área motora suplementar e área pré-motora

A primeira se localiza em parte da área 6 de Brodmann, na face medial do giro frontal superior, enquanto a segunda se coloca a frente da área motora primária, ocupando toda área 6, na face lateral do hemisfério cerebral. As duas regiões estão mais relacionadas com o planejamento dos movimentos voluntários e não propriamente com a execução da motricidade em si.

Área motora cingulada

Apresenta posição na face medial do córtex imediatamente acima do corpo caloso. Aparentemente, essa região está envolvida com os movimentos com conotação emocional.

2.1.2.      Tratos descendentes

Tratos corticospinais

Nosso organismo contém dois tratos corticospinais. Eles recebem essa nomenclatura porque se originam do córtex cerebral, nas áreas 4 e 6 de Brodmann, áreas motoras primárias e suplementar, respectivamente, seguindo pela medula. As fibras desses tratos seguem um trajeto e passam pelo córtex, coroa radiada, perna posterior da cápsula interna, base do pedúnculo cerebral, base da ponte e pirâmide bulbar. No bulbo, na decussação das pirâmides, parte das fibras seguem ventralmente, formando o Trato Corticospinal Anterior (TCA), enquanto a outra parte cruza a decussação para formar o Trato Corticospinal Lateral (TCL). Devido a essa diferenciação anatômica, cada um desses tratos terá uma função no movimento, de tal forma que o TCA é responsável pelo controle voluntário da musculatura axial, enquanto que o TCL atua sobre a musculatura distal dos membros, sendo o principal responsável pela motricidade voluntária do homem, o que inclui os movimentos finos e precisos.

Imagem 2 -> https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2298264/mod_resource/content/1/sistema%20motor.pdf
Trato Corticonuclear

Esse feixe de fibras tem funcionalidade semelhante à do trato corticospinal. No entanto, nesse caso, ele transmite informações a motoneurônios do tronco encefálico, atuando principalmente no controle de nervos cranianos.

2.2 Cerebelo e núcleos da base – os coordenadores do movimento

Apesar da ordenação realizada pelos córtices motores e pelos tratos descendentes serem importantes, a velocidade e precisão dos movimentos dependem de um sistema ainda mais complexo. É nesse contexto que estão inseridos o cerebelo e os núcleos da base, que são atores fundamentais no controle da movimentação, atuando sobretudo na preparação da motricidade e na harmonia de movimentos menores que te garantirão a intenção final. Ambas as estruturas apresentam um componente em comum, que é um circuito básico de retroação, que garante um diálogo numa via de mão dupla com o córtex cerebral, conexões essas intermediadas pelo tálamo.

Cerebelo

Esse órgão apresenta uma organização anatômica e funcional bastante complexa. No entanto, para fins de compreender sua relação com o movimento, podemos simplificar o processo e dividi-lo em 3 porções: o vestibulocerebelo, o espinocerebelo e o cerebrocerebelo. O vestibulocerebelo se relaciona com o lobo floculonodular e se conecta com os núcleos vestibulares do tronco encefálico, atuando, sobretudo, na manutenção da postura e no equilíbrio. Já o espinocerebelo tem correlação com o verme e a zona intermediária, que, por sua vez, se conectam profundamente com os núcleos de fastígio e interpostos, respectivamente. Em termos de função, o espinocerebelo atua como auxiliar na execução motora. Por fim, o cerebrocerebelo corresponde aos hemisférios laterais, conectando-se aos núcleos denteados. Esses núcleos apresentam conexões eferentes com os córtices motor, pré-motor e pré-frontal, via tálamo. Logo, o cerebrocerebelo é importantíssimo para a coordenação de movimentos mais elaborados, atuando também na integração de informações sensoriais com os comandos de ordem cognitiva ou emocional.

Núcleos da Base

Diferentemente do cerebelo, os núcleos da base não são um órgão bem definido, mas, sim, um conjunto de núcleos localizados na base do cérebro e mesencéfalo que se conectam entre si e com demais estruturas encefálicas envolvidas no movimento, integrando, portanto, o sistema de controle motor. Essas estruturas são o núcleo caudado, putâmen, globo pálido (interno e externo), substância negra e núcleo subtalâmico. Os núcleos da base conectam o córtex cerebral com um conjunto de neurônios motores superiores das áreas motora primária, pré-motora e do tronco encefálico por meio basicamente de duas vias, a via direta e a via indireta. Ambas são vias de retroação, já que a informação saí do córtex cerebral para os núcleos da base e depois retornam para ele. De forma simplificada, a via direta promove maior aumento da atividade cortical, enquanto a indireta reduz essa atividade de tal forma que as duas, atuando de forma paralela, contribuem para a iniciação e término dos movimentos corretos, funcionando ainda como um mecanismo que impede que outras movimentações indesejadas ocorram.

3.      Movimento voluntário organizado e coordenação motora fina

Compreendendo o básico da organização anatômica envolvida na movimentação é possível perceber o quão complexa é a organização de sistemas que te permitirá realizar as atividades diárias refinadas, que correspondem à coordenação motora fina. No entanto, conhecer essa anatomia de forma isolada não nos garante um entendimento completo e, por isso, avaliar como tudo isso se relaciona é fundamental.

O ato motor em si, e tomamos como exemplo um neurocirurgião que fará uma incisão extremamente precisa na medula, inicia-se com a intenção dele em realizar tal movimento. Nessa fase está a etapa de preparação, em que estão envolvidas as áreas corticais de associação e sua conexão com o cerebelo e com os núcleos da base. Subsequentemente, temos a fase de elaboração do programa motor, que é quando as áreas motoras primárias e pré-motora do nosso exímio cirurgião serão ativadas estimulando as corretas conexões com motoneurônios específicos. Por fim, temos a execução que, além do movimento em si, será aquela na qual ocorrerão os ajustes do movimento iniciado, com vistas a garantir que o corte seja feito exatamente no local intencionado e com a pressão e dimensão corretas. 

Portanto, concluímos que é graças a esse processo dotado de inúmeras estruturas participantes que os movimentos finos podem ser realizados. Sejam eles voltados para um ato operatório difícil, como no exemplo do cirurgião, ou em outras atividades como escrever, tocar um violino sem errar as notas e costurar, a execução de um controle motor fino perfeito só é possível devido às interconexões entre cérebro, cerebelo, núcleos da base, tratos, nervos, músculos e ossos. São esses fatores interligados que garantem a complexidade e a beleza desse sistema importante do organismo humano.

Autor: Lucas Diniz Peixoto de Melo

Intagram: @dinizpmelo