Índice
Definições:
- Hipercolesterolemia isolada: aumento de colesterol com lipoproteínas de baixa densidade (LDL-c), maior ou igual a 160mg/dL;
- Hipertrigliceridemia isolada: aumento de triglicérides(TG), maior ou igual a 150mg/dL ou 175mg/dL (em caso de não estar de jejum);
- Colesterol com lipoproteínas de alta densidade (HDL-c) baixo: diminuição de HDL-c, sendo em homens menor que 40mg/dL e em mulheres menor que 50mg/dL, de forma isolada, ou junto com aumento de TG ou LDL-c;
- Hiperlipidemia mista: aumento de LDL-c e de TG. Lembrando que se TG maior que 400mg/dL, o cálculo de LDL-c perde o parâmetro pela fórmula de Friedewald, e,para isso,deve-se considerar o colesterol não HDL-c maior ou igual a 190 para classificar como mista.
Estratificação de risco:
Risco muito alto:
Pacientes que manifestem doença aterosclerótica (cerebrovascular, coronária ou vascular periférica) com ou sem eventos clínicos, ou obstrução maior ou igual a 50%;
Alto risco:
Indivíduos em prevenção primária que apresentem um ou mais dos seguintes eventos:
- Aterosclerose de forma subclínica, documentada por índice tornozelo-braquial (ITB), ultrassonografia (USG) de carótidas, escore de cálcio arterial coronariano (CAC) maior que 100 ou presença de placas na angiotomografia (angio-TC) de coronárias;
- LDL-c maior ou igual a 190mg/dL;
- Doença renal crônica por taxa de filtração glomerular (TFG) menor que 60 e em fase não dialítica;
- Aneurisma de aorta abdominal;
- Diabetes mellitus (DM), tipo 1 ou 2, associado com LDL-c no intervalo de 70 a 189mg/dL e presença de doença aterosclerótica subclínica (DASC) ou estratificadores de risco (ER).
Para DASC é necessário pelo menos um dos eventos a seguir:
- USG de carótidas com placa maior que 1,5 mm;
- Escore de CAC maior que 10;
- ITB menor que 0,9;
- Placas em angio-TC de coronárias;
- LDL-c no intervalo de 70 e 189 mg/dL, sexo masculino com Escore de Risco Global (ERG) maior que 20%, ou do sexo feminino com ERG maior que 10%.
Já para ER são avaliados: idade (maior ou igual a 48 anos no sexo masculino, e 54 no sexo feminino), tempo de diagnóstico de diabetes maior que 10 anos, tabagismo, hipertensão arterial sistêmica, síndrome metabólica, história familiar de DCV prematura (menor que 65 anos para sexo feminino, e 55 anos para sexo masculino), presença de albuminúria, TFG menor que 60ml/min ou retinopatia
Risco intermediário:
ERG entre 5 e 10% no sexo feminino e entre 5 e 20% no sexo masculino, ou DM, sem critérios de ER ou DASC preenchidos.
Baixo risco:
ERG menor que 5%, em 10 anos, para ambos os sexos.
Alguns valores referenciais são recomendados como meta, de acordo com o risco cardiovascular do paciente:

No caso de pacientes que já fazem uso de estatina, a diretriz recomenda um fator de correção para avaliação de CT, multiplicando o valor de CT por 1,43.
Tratamento não medicamentoso:
Terapia nutricional na hipercolesterolemia:
É preconizada dieta com isenção de ácidos graxos trans (por aumentarem a concentração de LDL-c e induzirem a intensa lesão aterosclerótica) e ainda, consumo menor que 10% do calórico total de ácidos graxos saturados para indivíduos saudáveis, e menor que 7% naqueles com maior risco cardiovascular (RCV). Lembrando que também é importante a substituição dos saturados para os poli-insaturados, medida que ameniza o RCV, visto que reduz colesterol total (CT) e LDL-c.
Terapia nutricional na hipertrigliceridemia:
Devido à sensibilidade a variações de peso e composição da dieta, nesse caso é fundamental a redução da gordura, que deve ser no máximo 10% do valor calórico, além de eliminação de ácidos graxos trans, controledo consumo de saturados, priorizando poli-insaturados, diminuição do consumo de açúcar e inclusão de carnes magras, grãos, hortaliças e frutas na dieta.
A substituição parcial de ácidos graxos saturados é um importante aliado também nos casos de hipertrigliceridemia porque eles aumentam a lipogênese hepática e o colesterol com lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL-c). E, em casos de TG muito alto, a American Heart Association (AHA) recomenda redução acentuada no consumo para evitar desenvolvimento de pancreatite.
Outra medida importante é a redução de carboidratos e açúcares. O consumo máximo indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 5% deKcal da dieta através de sacarose e xarope de milho. Importante destacar que a frutose também entra como consumo controlado visto que gera ácidos graxos de forma ainda mais rápida que a glicose, levando ao aumento de depósito de gordura hepática e produção de VLDL-c, além de que o consumo maior que 50 gramas de frutose ao dia eleva o TG pós-prandial.
Além disso, estudos com ômega 3, poli-insaturado e derivados de origem animal, mostram que o fornecimento de eicosapentaenoico (EPA), docosahexaenoico (DHA), alfa-linolênico (ALA) são associados com proteção cardiovascular graças a redução de marcadores inflamatórios e da agregação plaquetária, redução de TG e da pressão arterial e melhora da função endotelial. Recomenda-se a inclusão de pelo menos duas porções de alimentos ricos em ômega 3 por semana.
O uso de fitoesteróis são indicados para pacientes com colesterol alto e RCV baixo ou moderado, que não se enquadram notratamento farmacológico. Podem ser ingeridos através da alimentação ou sob a forma de cápsulas.
Controle de peso corporal:
A perda de peso pode contribuir com redução de cerca de 20% da concentração plasmática de triglicerídeos (TG). Além do controle do valor plasmático, também está relacionado com controle de obesidade através de fatores influentes na saciedade, lipogênese hepática, resposta insulínica, gasto energético, adipogênese e microbiota.
Redução da ingestão alcoólica:
O uso em grandes quantidades de etanol e ácidos graxos saturados influencia no aumento da trigliceridemia. Para tal, através do etanol, ocorre a inibição da lipase das lipoproteínas e diminuição na hidrólise dos quilomícrons, além disso, como produto de metabolização do álcool, temos a acetilcoenzima A (acetil-CoA) que é precursora de ácidos graxos, o que poderia justificar a lipemia.
Atividade física:
Sabe-se que o exercício físico é parte fundamental na prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares pela melhora da estrutura e função vascular, diminuiçãoda formação de neoíntima e aumentodo diâmetro luminal, além do aumento do óxido nítrico, redução da endotelina e estimulação da angiogênese.
Em relação aos lipídeos, essa prática aumenta os níveis de HDL-c, além de aumentar a cinética de LDL-c na circulação e reduzir níveis plasmáticos de TG de forma significativa.
O plano de exercícios deve ser iniciado com avaliação clínica e teste ergoespirométrico, com frequência de 3 a 5 sessões por semana, incluindo aquecimento e alongamento (5 minutos), aeróbicos (30 a 40 minutos), resistência muscular (15 a 20 minutos) e relaxamento (5 minutos).
Cessação de tabagismo:
A fumaça do cigarro, quando exposta, causa déficits na vasodilatação em artérias coronárias dependentes do endotélio. Parar com esse hábito é benéfico em qualquer fase de vida do fumante e, para isso, pode ser lançado mão de medicações como terapia de reposição nicotínica (TRN), bupropiona e vareniclina.
Tratamento medicamentoso:
A decisão para início dessa etapa depende de 2 fatores:
- Risco cardiovascular: Em casos de alto ou muito alto risco, o tratamento já deve ser iniciado com medicação associada com modificações no estilo de vida (MEV). Já em pacientes com risco baixo ou moderado, pode ser iniciado com MEV e, caso necessário, após avaliação de 3 a 6 meses, a medicação.
- Tipo de dislipidemia para definir a classe terapêutica necessária (ação predominante em colesterol ou em TG).
Medicações com ação predominante na colesterolemia:
Estatinas:
Ação através da redução de LDL-c por inibidores da HMG-CoAredutase, e assim, ocorre redução intracelular de colesterol que estimula fatores de transcrição e a expressão de receptores para captação de colesterol circulante, como LDL receptor (LDLR), e por isso consegue ter influência no LDL-c e VLDL-c reduzindo eventos isquêmicos (infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico), e mortalidade, em cerca de 10%. As estatinas também reduzem TG e ajudam na elevação do HDL-c, mesmo que com pequeno aumento percentual.
Como efeitos adversos desse tipo de medicação, temos principalmente os sintomas musculares, que podem ocorrer semanas ou meses após o início. Podem variar desde mialgia até rabdomiólise, e, por isso, é orientada a avaliação de creatinoquinase (CK) ao iniciar o tratamento em pacientes de alto risco para tais efeitos, mas a dosagem rotineira não se faz necessária (exceto em casos sintomáticos através de dor, sensibilidade, fadiga, câimbras e rigidez). A avaliação de TGO e TGP para verificação de hepatotoxicidade deve ser realizada antes do tratamento e realizada novamente em casos sintomáticos (dor abdominal, urina escura, icterícia, perda de apetite e fraqueza).
Ezetimiba:
Ação através da inibição da absorção de colesterol na borda, em escova do intestino delgado, através dos receptores NPC1-L1, o que impede o transporte intestinal do colesterol. Isso acarreta redução dos níveis hepáticos de colesterol e síntese de LDLR, e assim, redução de cerca de 20% dos níveis séricos de LDL-c.
Pode ser opção isolada de tratamento ou em associação com estatina, principalmente aos intolerantes a doses altas. A orientação é ser utilizada em dose única de 10mg,a qualquer hora do dia.
Resinas:
São sequestradores dos ácidos biliares e assim reduzem a absorção enteral destes, além de reduzirem o colesterol hepático. No Brasil, somente a colestiramina está disponível e pode ser recomendada quando a meta de LDL-c não é satisfatória, apesar de estatina em dose otimizada. Além disso, tem sido recomendada para crianças hipercolesterolêmicas, e é o único medicamento liberado para mulheres em idade fértil, sem método anticoncepcional efetivo, gestação ou amamentação. A dose de início é por volta de 4 gramas por dia e progressão até, no máximo, 24gramas.
Tem como efeitos adversos, sintomas do trato gastrointestinal, como: plenitude gástrica, obstipação intestinal, náuseas, exacerbação de hemorroidas já existentes e meteorismo. Pode ter a consequência do aumento de TG e, por isso, seu uso deve ser evitado em valores séricos maiores que 400 mg/dL.
Medicações com ação predominante na hipertrigliceridemia:
Em casos com valores abaixo de 500mg/dL, deve-se iniciar o tratamento com estatina isoladamente, podendo associar ezetimiba, para prioridade da meta de LDL-c.
Fibratos: Sua ação é centrada na estimulação de “Receptores Alfa Ativados da Proliferação dos Peroxissomas” (PPAR-α), que geram aumento na produção e ação da LPL, que faz a hidrólise dos TG, além de reduzir ApoC-III, que inibe a LPL.A PPAR-α também eleva a síntese de ApoA-I, que aumenta a produção de HDL-c em cerca de 7 a 11%.
Os fibratos são indicados em hipertrigliceridemia maior que 500mg/dL, ou falha, através da MEV. Tem efeito positivo em paciente diabético com doença microvascular, reduzindo a progressão da retinopatia, micro e macroalbuminúria, nefropatia e amputações
Efeitos adversos podem ser encontrados na forma de distúrbios gastrointestinais, erupção cutânea, mialgia, redução da libido, cefaleia, distúrbio de sono, prurido elitíase biliar.
Ácido nicotínico (niacina):
Age reduzindo a lipase dos adipócitos gerando menor liberação de ácidos graxos para a corrente sanguíneae, com isso, há redução de TG, LDL-c e aumento do HDL-c.
Pode ser utilizado nos casos de HDL-c baixo isolado e também nos casos de refratariedade do uso de estatinas e fibratos em pacientes com hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia, ou mista.A dose inicial recomendada é 500mg ao dia, com otimização até 1 a 2 gramas diários.
Ácidos graxos ômega 3:
São poli-insaturados derivados de alimentos vegetais (plantas e nozes) e animais (óleos de peixes). Em altas doses, eles diminuem o TG e aumentam o HDL-c, porém, deve-se ter cuidado coma elevação do LDL-c.
Interessante conhecer o óleo de krill, que é hidrossolúvel, então tem mais facilidade para ser digerido, minimizando o odor de peixe.
Existem novas medicações, algumas aprovadas no Brasil, outras ainda não, que podem ser boas opções nos casos de refratários, dentre elas: inibidores da PCSK-9, inibidores da proteína de transferência de ésteres de colesterol, inibidores da síntese de apolipoproteína B ou da apolipoproteína C-III, inibidor da proteína de transferência de triglicérides microssomal e lipase ácida lisossômica recombinante humana.
De acordo com o risco do paciente, deve-se determinar a intensidade do tratamento hipolipemiante para reduzir o LDL-c de forma controlada:

É de extrema importância ressaltar que, no Brasil, a principal orientaçãoseguida é a Diretriz Brasileira de Dislipidemias (2017) e que, comparada à Diretriz da American Heart Association (AHA), a do Brasil classifica uma proporção grande de indivíduos em prevenção primária sobrisco mais elevado e assim, a elegibilidade para terapia medicamentosa com a estatina é maior. Porém, depende do médico, em conjunto com as preferências do paciente, adotar o melhor método de tratamento para cada caso de dislipidemia, evitando o excesso de drogas.
Autoria: Isabella Schulthais
Referências:
CESENA, Fernado H.Y. et al. Risco Cardiovascular e Elegibilidade Para Estatina na Prevenção Primária: Comparação Entre a Diretriz Brasileira e a Diretriz da AHA/ACC. Arquivo Brasileiro de Cardiologia, São Paulo, 2020. Disponível em:
FALUDI, AA et al. Atualização da diretriz brasileira de dislipidemias e prevenção da aterosclerose. Arquivo Brasileiro de Cardiologia, Rio de Janeiro, v. 109, n. 1, 2017. Disponível em:
MACH, François. 2019 ESC/EAS Guidelines for the managementofdyslipidaemias:lipid modification to reducecardiovascular risk. European Heart Journal, [s. l.], p. 111-188, 2020. Disponível em:
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.