Neurologia

Doença de Parkinson: explicando fisiopatologia e tratamento cirúrgico | Colunistas

Doença de Parkinson: explicando fisiopatologia e tratamento cirúrgico | Colunistas

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Introdução

Antes de abordar a doença e a terapêutica em si, façamos uma breve revisão anatomofisiológica do circuito de modulação motora cerebral. No córtex cerebral, mais precisamente no giro pré-central, temos a área primária de ordenação do comando motor. Essa porção apresenta radiações eferentes que a ligam aos núcleos da base, ou sistema extrapiramidal, composto pelo corpo estriado, que é subdividido em neoestriado e paleoestriado.

Fonte: NETTER, Frank H.. Atlas de anatomia humana. 7ª ed. RIO DE JANEIRO: Elsevier, 2019.

Revisão anatômica e fisiológica

O neoestriado é formado pelo núcleo caudado e pelo putâmen, e são eles que recebem as eferências corticais e de onde partem as aferências talâmicas e do tronco encefálico, quais sejam as fibras estriado-talâmicas e as fibras estriado-nigrais. O paleoestriado é, por sua vez, formado pelo globo pálido, subdividido ainda em globo pálido interno e externo. Todas as estruturas citadas até aqui, à exceção do tálamo e da substância negra, têm predomínio de fibras GABAérgicas.

A Substância Negra ou Substância Nigra (SN), presente no mesencéfalo, é, ainda, subdividida em 2 porções: 1. Pars compacta (SNc) e 2. Pars reticulata (SNr), levando esse nome em virtude do acúmulo de neurônios com melanina. Para o parkinsonismo, a estrutura mormente importante é a SNc, formada por neurônios dopaminérgicos. A SNr é composta, sobretudo, por neurônios GABAérgicos.

O sistema extrapiramidal normal funciona de 2 formas: 1. via direta (facilitadora do movimento) e 2. via indireta (dificultadora do movimento). Na imagem abaixo, um diagrama torna mais visível as duas vias. Descritivamente, a via direta é constituída pelo neoestriado, que emite fibras GABAérgicas (inibitórias) para o globo pálido interno e SNr, os quais irradiam fibras GABAérgicas para o tálamo, que encerra a via com fibras glutamatérgicas (excitatórias) para o córtex. Já a via indireta é formada pelo neoestriado, em sinapse GABAérgica com o globo pálido externo, que emite fibras GABAérgicas para o núcleo subtalâmico, de onde partem fibras glutamatérgicas para o globo pálido interno e a SNr, com o término da via idêntico ao fim da via direta.

Imagem 2 – Diagramas resumidos do circuito de modulação motora normal e na DP. Disponível em: 10.1016/j.neuron.2019.03.004

Perceba que, na via direta, o resultado final é de maior excitação do córtex, enquanto na via indireta, o resultado final é de maior inibição. Esses dois processos coexistem, e estão suscetíveis à modulação pela liberação de dopamina. Nela, há neurônios dopaminérgicos que estimulam o neoestriado responsável pela via direta (rico em receptores D1) e inibem o neoestriado responsável pela via indireta (rico em receptores D2). O resultado, assim, é o comprometimento da estimulação do córtex pelo tálamo, resultando em supressão cortical, trazendo à clínica os sintomas clássicos de lentificação da doença de Parkinson.

E sobre a Doença de Parkinson (DP)?

A doença de Parkinson (DP) é uma doença progressiva do sistema nervoso, caracterizada por neurodegeneração de neurônios dopaminérgicos da substância negra compacta. A perda dessas células desregula o sistema de modulação motora extrapiramidal devido à diminuição de dopamina, que ocasiona a supressão da via direta e a ativação da via indireta. O desfecho é o de inibição acentuada do tálamo, dificultando o comando motor ordenado.

Então, em manifestações clínicas, a doença de Parkinson é tipicamente caracterizada por 1. Bradicinesia, 2. Tremor de Repouso, 3. Rigidez Muscular e 4. Instabilidade Postural. Tais sintomas parecem surgir a partir de 60% da perda celular. É possível também a apresentação de DP com sintomas não motores, como hiposmia ou anosmia, distúrbios do sono, ansiedade, depressão, disautonomia e demência.

Em relação ao tratamento, é, sobretudo, direcionado para o alívio dos sintomas motores e não motores da DP. As opções terapêuticas atuais são 1. Farmacológica (principalmente por reposição de dopamina, por meio da levodopa) e 2. Cirúrgico (talamotomia – retirada de partes do tálamo -, palidotomia – retirada do GPi e estimulação cerebral profunda ou DBS, no inglês). Aproveito, então, o presente artigo para falar mais da DBS, método cirúrgico, atualmente mais utilizado.

O que é a Estimulação Cerebral Profunda (DBS)?

A DBS é um procedimento neurocirúrgico de neuromodulação cerebral caracterizado pela implantação de eletrodos nas porções correspondentes ao globo pálido interno e ao núcleo subtalâmico, no intuito de provocar a estimulação dessas estruturas. Como consequência, a terapia modula circuitos talamocorticais e vias descendentes, mudando a frequência e o padrão de atividade neuronal dessas regiões.

Imagem 3 – Implantação de eletrodo para Estimulação Cerebral Profunda.
Disponível em: 10.1056/NEJMct1208070

Além disso, a estimulação faz com que astrócitos adjacentes passem a disponibilizar mais cálcio, necessários para a atividade de liberação de neurotransmissores, bem como eleva o fluxo sanguíneo local e estimula a neurogênese. O mecanismo exato da DBS e de seus efeitos ainda não é completamente claro, com a recomendação da técnica valendo-se mais da evidência.

Imagem 4 – Efeitos locais da Estimulação Cerebral Profunda.
Disponível em: 10.1056/NEJMct1208070

Quando a DBS é usada na doença de Parkinson?

A abordagem cirúrgica do tratamento do Parkinson surge como terapia alternativa para casos especiais: DP avançada ou responsiva à levodopa, mas de difícil controle. Em virtude dos efeitos sistêmicos advindos da reposição de dopamina, pela levodopa ou pela carbidopa, ou provenientes das outras classes de fármacos, a DP não controlável por determinadas doses pode ser avaliada para a possibilidade da cirurgia. A triagem para DBS percorre a atuação multidisciplinar do neurologista, do neurocirurgião, do neuropsicólogo e de outros profissionais da saúde. É necessária a realização de tomografia computadorizada ou ressonância magnética, para determinação, por software, do alvo cerebral.

E sobre o procedimento cirúrgico?

A cirurgia procede com a realização de trepanação no crânio para inserção de microeletrodos para determinação de atividade elétrica fisiológica de áreas funcionais dominantes entre os hemisférios, e inserção de eletrodo de estimulação cerebral profunda. Após posicionamento adequado e verificação do sistema por meio de exames de imagem durante a cirurgia, implanta-se no tecido subcutâneo do tórax o cabo de ligação e o gerador de impulsos elétricos de 2 a 5 V, a cada 60 a 120 μs. Todo esse procedimento, à exceção de casos especiais pediátricos ou de adultos ansiosos, é realizado sem anestesia geral, ajudando na avaliação do estado funcional cerebral do paciente, que permanece acordado durante a cirurgia.

A DBS apresenta algum contra?

Sim, abaixo segue uma lista com os principais problemas relacionados a esse tratamento. As incidências dos efeitos adversos varia bastante entre as literaturas:

  • Alto custo;
  • Risco de infecções;
  • Risco de hemorragias intracranianas;
  • Convulsões pós-procedimento;
  • Prejuízo na cognição e na memória;
  • Dificuldade na fala e disfagia;
  • Distúrbios do equilíbrio, sensoriais e motores;
  • Mania, depressão, ansiedade.

Em resumo, revisamos aqui os principais aspectos no que tange à fisiopatolgia da Doença de Parkinson e do tratamento cirúrgico mais realizado para tratá-la na atualidade.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências:

  1. Arruda, J. A. M. et al. Introdução à Neurologia & à Neurocirurgia. 2ª ed. Editora UFC, 2020.
  2. BENABID, Alim Louis. Deep brain stimulation for Parkinson’s disease. Current opinion in neurobiology, v. 13, n. 6, p. 696-706, 2003.
  3. MCGREGOR, Matthew M.; NELSON, Alexandra B. Circuit mechanisms of Parkinson’s disease. Neuron, v. 101, n. 6, p. 1042-1056, 2019.
  4. BENABID, Alim Louis et al. Deep brain stimulation of the subthalamic nucleus for the treatment of Parkinson’s disease. The Lancet Neurology, v. 8, n. 1, p. 67-81, 2009.
  5. NETTER, Frank H.. Atlas de anatomia humana. 7ª ed. RIO DE JANEIRO: Elsevier, 2019.