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Entenda a discussão e o que se sabe até o momento
Conforme a pandemia avança no tempo, estudos em relação à necessidade de uma dose de reforço da vacina e ao melhor esquema vacinal se tornam pauta de discussão e alguns resultados são publicados aos poucos. Embora estudos iniciais demonstraram aumento nos níveis de anticorpos neutralizantes, o benefício de uma dose extra de imunizante na vida real não é ainda conhecido, portanto há conflitos de opiniões e de condutas nacionais e internacionais.
Qual a situação do Brasil quanto à terceira dose?
Em Agosto, o Ministério da Saúde declarou a ideia de reforço da imunidade para quem está na linha de frente do combate à pandemia e ampliou para profissionais de saúde a vacinação contra a Covid-19. Essa nova etapa da imunização deve ser realizada preferencialmente com a vacina da Pfizer, contanto que o profissional receba a nova dose seis meses após ter completado o ciclo vacinal. De acordo com o site do Ministério da Saúde, 91% da população adulta já tomou a primeira dose da vacina e 53,9% já completaram o esquema vacinal.
Em seguida, iniciou-se a vacinação de reforço para idosos. Há discordância entre as recomendações do Ministério da Saúde e alguns Estados brasileiros, por exemplo, São Paulo decidiu iniciar a vacinação acima de 60 anos para além dos profissionais de saúde, e o governo federal iniciou acima de 90 anos que tomaram a CoronaVac. Atualmente muitos Estados avançaram nas faixas etárias.
Em relação à aplicação de dose de reforço na totalidade da população ainda não há decisão, pois há um estudo em andamento do Ministério da Saúde em parceria com a Universidade de Oxford e com o apoio da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, o qual deve ser finalizado em outubro. Aliado a isso, salienta-se que a nova etapa da vacinação está sendo realizada com a vacina da Pfizer. Porém, na falta desse imunizante, a alternativa pode ser usar as vacinas de vetor viral, como a Janssen ou AstraZeneca.
Além disso, de acordo com o imunologista e pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da USP, Celso Granato, essa mudança nos calendários de vacinação não chegou a ser algo inusitado para os pesquisadores, porque é a primeira vez de uma pandemia por coronavírus, o que por não se conhecer muito bem o comportamento desse vírus em uma situação pandêmica é fator de reavaliações constantes. Por isso, os pesquisadores já esperavam que as estratégias de combate ao vírus pudessem ser alteradas conforme o conhecimento adquirido sobre a doença aumentasse.
De acordo com Celso Granato, a principal vacina utilizada foi a CoronaVac, recentemente produzida pelo Instituto Butantan, uma vacina nos mesmos moldes da vacina da gripe seria previsível o uso da terceira dose. Sabe-se que a aplicação da dose de reforço está relacionada ao tempo da cobertura imunológica que a vacina proporciona. Assim como a vacina contra a influenza, a CoronaVac é feita a partir do vírus inativado, vírus morto, logo ela não tem a capacidade de gerar uma proteção tão longa, que dure mais do que um ano. Em contrapartida, as vacinas feitas a partir do RNA, conferem uma proteção imunológica mais longa, e segundo as orientações do Ministério da Saúde, são as mais recomendadas para os grupos que serão vacinados pela terceira vez.
Vale salientar ainda que a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vai começar a testar a aplicação da dose de reforço da Janssen a partir de novembro. É fato que a instituição participou dos testes da vacina com dose única e contou com 470 voluntários. Agora, esses participantes tomarão a nova dose e serão monitorados até o fim de 2022. Em setembro, essa farmacêutica divulgou resultados de um estudo interno, cujos dados ainda não foram revisados por pares, mas serão submetidos para publicação nos próximos meses, mas que, segundo eles, a segunda dose da Janssen aumentou a eficácia para 94% contra as formas moderadas e graves da doença e o reforço administrado dois meses após a primeira dose aumentou os níveis de anticorpos de quatro a seis vezes, já quando administrado seis meses após a primeira dose, os níveis de anticorpos aumentaram doze vezes, sugerindo uma grande melhora na proteção com o intervalo mais longo entre as doses.
Opinião das entidades internacionais
A OMS recomendou uma dose adicional de vacina para pessoas imunocomprometidas, mas se opõe fortemente ao uso generalizado de vacinas de reforço– para imunizações previstas com duas doses, como é o caso das vacinas da Pfizer ou CoronaVac, até que mais pessoas do mundo sejam vacinadas com uma primeira rodada, pois não seria humanitário e justo, visto que apenas 7% da população africana recebeu a primeira dose da vacina contra Covid-19, por exemplo, enquanto América do Sul, América do Norte, Europa, Ásia e Oceania administraram uma única dose de vacina a mais de 50% de suas populações.
Em análise desses pontos, destaca-se que a Europa já vacinou mais da metade de sua população e os Estados Unidos cerca de 70%, apenas 2% dos habitantes da África têm o esquema completo, e 5% receberam só uma dose. Nesse viés, destaca-se que a meta de ter 10% da população de todos os países do mundo vacinada em pouco menos de dois meses requer a cooperação dos países e das empresas que controlam o fornecimento mundial de vacinas.
Além disso, recentemente um artigo conjunto de um grupo internacional de cientistas publicado na revista Lancet concluiu que, mesmo para a variante Delta, a eficácia das vacinas contra a Covid-19 é tão alta que as doses de reforço para a população em geral não são adequadas nesta fase da pandemia. Os pesquisadores, incluindo membros da Organização Mundial da Saúde (OMS), da agência reguladora dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), da Universidade de Oxford e outros, alertam que não há dados suficientes para justificar a aplicação extra neste momento.
De fato, segundo os dados disponíveis a nível global e analisados por esses pesquisadores, as vacinas permanecem altamente eficazes contra casos severos da doença, tendo a média dos resultados relatados nos estudos observacionais: a vacinação teve 95% de eficácia contra situações graves, tanto da variante Delta quanto da variante Alfa, e mais de 80% de eficácia na proteção contra qualquer infecção por essas mutações.
Em contrapartida, um comitê consultivo independente da agência reguladora norte-americana (FDA, sigla em inglês) recomendou uma dose de reforço para a vacina da Janssen contra a Covid-19, cujo imunizante, desenvolvido pela farmacêutica americana Johnson & Johnson, é aplicado em regime de dose única. A recomendação dos especialistas é de que a “dose extra” seja aplicada com um mínimo de dois meses após a primeira. Mas, anteriormente, tais representantes da empresa defenderam a vacinação a partir dos seis meses da primeira dose, segundo acompanhamento da resposta imunológica de pacientes. Portanto, essa recomendação do comitê independente não é definitiva, e nem obrigatória, mas a agência reguladora normalmente a segue à risca. Nesse caso, se a FDA aprovar o reforço da Janssen, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) fará recomendações específicas sobre quem poderá recebê-la.
Estudo sobre a terceira dose em Israel
Sabe-se que um dos países pioneiros em conseguir ampla cobertura vacinal de sua população foi Israel. Portanto, foi válido um estudo sobre o programa de vacinação e o impacto da dose adicional nos casos de Covid-19 nesse país, cujos dados foram publicados no The New England Journal of Medicine. Essa pesquisa usou dados que foram extraídos do sistema do Ministério da Saúde de Israel e incluíram datas de vacinação, informações em relação a resultados de PCR, datas de hospitalização por Covid-19, variáveis demográficas e status clínico (doença leve ou grave), cujas análises foram ajustadas por idade, sexo, grupo demográfico e data da segunda dose e a vacinação foi feita com a vacina da Pfizer.
Nesse estudo, o grupo que recebeu uma dose booster incluiu aproximadamente 10,6 milhões com 934 casos de infecção confirmados e 29 casos de doença grave. O grupo que recebeu as duas doses da vacina, sem dose adicional, inclui cerca de 5,2 milhões com 4439 casos confirmados e 294 casos de doença grave. A diferença absoluta das taxas entre os grupos foi de 7,5 casos a cada 100.000 pessoas-dia. Em análise secundária, a taxa de infecção após pelo menos 12 dias após a administração da dose da vacina foi menor do que a mensurada com 4 e 6 dias.
Porém, os autores destacam que alguns vieses podem não ter sido bem controlados no estudo e podem ter influenciado os resultados, como diferenças de comportamento entre indivíduos que procuraram administração de uma terceira dose e os que não o fizeram e a tendência a menor frequência de testagem diagnóstica nos primeiros dias após vacinação.
Conclusão
Em suma, a aplicação da dose de reforço da vacinação envolve questões humanitárias, políticas, financeiras e de saúde, claro. O que ficou evidenciado foi que ainda faltam estudos e comprovações perante a eficácia e a garantia de aumento da imunidade após as duas doses para algumas vacinas e a dose única da Jansen, no momento. Neste quesito, observa-se que, por questão humanitária, autoridades internacionais preferem que haja subsídios para países em dificuldades, como o continente africano, antes do avanço da terceira dose nos demais continentes e da comprovação da sua necessidade. E no Brasil, destaca-se a expansão da vacinação por faixas etárias em grande parte do território nacional, primeiras, segundas e terceiras doses, o que tem refletido nos números da Covid-19.
Autora: Jéssica N. Borba
Instagram: @borbajessica_
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências:
Comitê de agência americana recomenda dose de reforço da vacina contra a Covid-19 da Janssen – https://g1.globo.com/saude/coronavirus/vacinas/noticia/2021/10/15/comite-de-agencia-americana-recomenda-dose-de-reforco-da-vacina-contra-a-covid-19-da-janssen.ghtml
Ministério da Saúde aprova dose de reforço para profissionais – https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2021-1/setembro/ministerio-da-saude-aprova-dose-de-reforco-para-profissionais
Não é ideal priorizar doses de reforço contra a Covid-19, diz artigo na Lancet – https://www.cnnbrasil.com.br/saude/nao-e-ideal-priorizar-doses-de-reforco-contra-a-covid-19-diz-artigo-na-lancet/
OMS pede moratória mundial para terceira dose de vacinas contra covid-19 – https://brasil.elpais.com/internacional/2021-08-04/oms-pede-moratoria-mundial-para-terceira-dose-de-vacinas-contra-covid-19.html
Por que precisamos de uma terceira dose contra o coronavírus? – Jornal do Campus – http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2021/09/por-que-precisamos-de-uma-terceira-dose-contra-o-coronavirus/
Terceira dose: Estudo traz informações sobre sua eficácia em Israel – https://pebmed.com.br/terceira-dose-estudo-traz-informacoes-sobre-sua-eficacia-em-israel/