Carreira em Medicina

É possível reduzir o tempo de tratamento da tuberculose?

É possível reduzir o tempo de tratamento da tuberculose?

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Descobrir como reduzir o tempo de tratamento da tuberculose é um desafio na área de saúde. Afinal, o regime terapêutico mais “curto” para tuberculose disponível tem duração de seis meses. E consiste em uma terapia combinada com múltiplas drogas. No caso da maioria das doenças infecciosas, de origem bacteriana, o tratamento é feito com antibióticos e tem eficácia em alguns dias.

Diante dessa realidade, diversos esforços têm sido feitos para otimizar o tratamento da tuberculose. Há evidência de que esta seja uma meta possível, pois a maioria dos pacientes está curada antes de completar os seis meses.

Três grandes estudos foram publicados demonstrando que o tratamento por quatro meses não foi inferior ao tradicional. Os esquemas terapêuticos incluíam fluorquinolonas.

As pesquisas propõem duas estratégias: tentar estratificar os pacientes e buscar um esquema terapêutico alternativo.

O objetivo é identificar aqueles que necessitam do tratamento de duração completa e oferecer um alternativa de menor duração eficaz para todos os pacientes, respectivamente.

Tempo de tratamento da tuberculose: o que dizem os estudos?

Recentemente, foi publicado um grande ensaio clínico randomizado (RCT, do inglês randomized clinical trial) que demonstrou que drogas da classe da rifamicina, em altas doses, poderiam aumentar a taxa de clearance da micobactéria.

O estudo de Dorman et al. (2021), que foi baseado em resultados de estudos com animais, saiu no New England Journal of Medicine.

O RCT de não-inferioridade envolveu 2.343 pacientes com diagnóstico de tuberculose e com perfil microbiológico elegível (ausência de resistência bacteriana às drogas utilizadas), em 13 países. Os pacientes foram randomizados em três grupos: 

  1. Controle (esquema tradicional de seis meses com rifampicina, pirazinamida, isoniazida e etambutol); 
  2. Tratamento de quatro meses com substituição da rifampicina pela rifapentina; 
  3. Tratamento de quatro meses com substituição da rifampicina pela rifapentina e do etambutol por moxifloxacino.

A rifapentina foi escolhida devido à sua meia-vida mais longa, tomada diária (1h após a refeição) e alta eficácia contra o Mycobacterium tuberculosis.

No RCT foram incluídos pacientes a partir de 12 anos de idade, recém-diagnosticados através do exame de escarro, com M. tuberculosis com perfil microbiológico elegível.  O estudo foi realizado pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) Tuberculosis Trials Consortium e pelo National Institutes of Health AIDS Clinical Trials Group.

Além disso, pacientes portadores do HIV foram incluídos no estudo para a avaliação da interação entre a rifapentina e o efavirenz. Eles tinham uma contagem mínima de TCD4+ de 100 céls/mm3 e correspondiam a 8% dos participantes.

Desfechos

Como desfecho primário avaliado, foi a sobrevida livre de tuberculose por 12 meses, e o seguimento dos pacientes foi mantido por 18 meses. Uma análise secundária, ao final dos 18 meses, ainda está sendo realizada. 

Ao final dos 12 meses, o status dos pacientes foi classificado em favorável, desfavorável e não avaliável, com base na ocorrência de alguns critérios.  Veja quais:

  • Favorável
    – Estar vivo e sem tuberculose ao final dos 12 meses;
    – Não atender aos critérios para status desfavorável ou não avaliável; 
    – Ter cultura de escarro negativa para M. tuberculosis ou ser incapaz de produzir escarro para a coleta. 
  • Desfavorável
    – Óbito ou perda de seguimento durante o período do tratamento; 
    – Óbito por tuberculose durante o seguimento pós-tratamento; 
    – Duas culturas de escarro positivas para M. tuberculosis na 17a semana ou após;
    – Necessidade de tratamento adicional para tuberculose. 
  •  Não avaliável 
    – Ausência de critérios para status desfavorável;
    – Não comparecimento à avaliação no 12º mês, porém com última cultura negativa; 
    – Mudança de tratamento devido à gestação;
    – Óbito durante o seguimento por causa não relacionada à tuberculose; 
    – Óbito durante o tratamento por causa violenta ou acidental; 
    – Necessidade de tratamento adicional por reinfecção confirmada por sequenciamento genético.

Quais foram os resultados da RCT?

A margem de não-inferioridade estabelecida foi de 6,6 pontos percentuais. O tratamento com rifanpentina-moxifloxacino atingiu o critério para não-inferioridade em relação ao grupo controle.

Um status desfavorável ocorreu em 15,5% dos participantes do grupo rifapentina-moxifloxacino e em 14,6% dos controles (IC 95%, −2,6 a 4,5). O regime com rifapentina não atingiu a margem de não-inferioridade em relação ao controle (IC 95%, -0,6 a 6,6).

A negativação da cultura em oito semanas ocorreu em 63,4% dos participantes do grupo controle, 78,5% do grupo rifapentina-moxifloxacino e 74,2% do grupo rifapentina.

Não houve diferença entre o grupo controle e o grupo rifapentina-moxifloxacino da ocorrência de eventos adversos graves durante o tratamento (18,8% versus 19,3%, IC 95%, -4,3 a 3,2).

O grupo rifapentina apresentou menor ocorrência de eventos adversos em relação ao grupo controle (14,3%, IC 95%, -8,7 a -1,5). Os tratamentos que incluíram a rifapentina apresentaram uma maior incidência de hiperbilirrubinemia (1% controle, 3,3% rifapentina-moxifloxacino e 2,4% rifapentina).

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Qual o impacto do estudo no tratamento da tuberculose?

O RCT tem a vantagem de estabelecer um princípio importante: não existe um “número mágico” para que o tempo de tratamento da tuberculose seja eficaz. Esquemas de quatro meses de duração são possíveis.

A existência de um biomarcador precoce ou o conhecimento do tempo de negativação da cultura de escarro seriam importantes para o delineamento das estratégias terapêuticas. 

Além disso, os resultados apontam que, as drogas rifapentina e moxifloxacino poderiam ser utilizadas pelos programas nacionais contra a tuberculose. Afinal, elas se encontram amplamente disponíveis no mercado e um tratamento mais curto seria menos complicado e, provavelmente, mais custo-efetivo. No entanto, a estrutura necessária para seguimento dos pacientes teria que ser mantida. 

O desenvolvimento de novas terapias está acontecendo de maneira acelerada, e estudos em animais já mostram que outros regimes terapêuticos podem ter resultados superiores aos deste RCT, e com duração ainda menor.

Pontos de atenção do uso de rifapentina e moxifloxacino

  • A rifapentina deve ser tomada após as refeições para uma melhor absorção, e isso pode interferir na adesão ao tratamento;
  • O esquema terapêutico tradicional para a tuberculose inclui drogas raramente utilizadas para outras doenças;
  • Um amplo uso da moxifloxacina para este fim poderia implicar no aumento da resistência bacteriana a esta droga, e às fluorquinolonas em geral. 

Fonte: Luiza Riccio – médica especialista em obstetrícia e ginecologia e doutora pela USP.

Referências

RCT: Dorman SE, Nahid P, Kurbatova EV, Phillips PPJ, Bryant K, Dooley KE, Engle M, Goldberg SV, Phan HTT, Hakim J, Johnson JL, Lourens M, Martinson NA, Muzanyi G, Narunsky K, Nerette S, Nguyen NV, Pham TH, Pierre S, Purfield AE, Samaneka W, Savic RM, Sanne I, Scott NA, Shenje J, Sizemore E, Vernon A, Waja Z, Weiner M, Swindells S, Chaisson RE; AIDS Clinical Trials Group; Tuberculosis Trials Consortium. Four-Month Rifapentine Regimens with or without Moxifloxacin for Tuberculosis. N Engl J Med. 2021 May 6;384(18):1705-1718. doi: 10.1056/NEJMoa2033400. PMID: 33951360.

Editorial New England Journal of Medicine: Rubin EJ, Mizrahi V. Shortening the Short Course of Tuberculosis Treatment. N Engl J Med. 2021 May 6;384(18):1764-1765. doi: 10.1056/NEJMe2104499. PMID: 33951367.