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E se você fizesse um mapeamento genético? | Colunistas

E se você fizesse um mapeamento genético? | Colunistas

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Já imaginou sair da maternidade com um relatório apontando as possíveis patologias de contribuição genética que seu bebê pode ter? Ou simplesmente fazer em si mesmo um teste apontando todas essas possibilidades? Isso já existe? E quais as implicações desse novo poderio tecnológico em se tratando de saúde?

Antes de decidir comemorar mais um crescente avanço tecnológico da saga humana na Terra, não seria esse mais um fator de neurose para o homem pós-moderno? Como dá para ver, as chaves de discussão para esse tema são inúmeras, mas vamos nos concentrar aqui em saber o que já é realidade a cerca disso tudo e em como podemos nos beneficiar desses avanços.

O que sabemos sobre mapeamento genético?

De amplo conhecimento geral, fornecido pelo Sistema Único de Saúde e pelo setor privado, o teste do pezinho é um exame que, através de metodologias convencionais, atua para elucidar até 50 doenças raras e tratáveis da infância. A detecção precoce de patologias como a fenilcetonúria é, de fato, determinante para sua evolução, uma vez que instituída a terapêutica dietética adequada, as manifestações clínicas tão prejudiciais podem ser evitadas.

Um bom exame que busca ser preventivo deve se aplicar, portanto, a doenças que podem ser prevenidas, garantindo sua eficácia por definição. Nesse contexto, cito aqui também a detecção da presença do gene BRCA1 e sua capacidade de predizer a neoplasia mamária ou a importância da detecção precoce de genes MLH1, MSH2 e MSH6 na síndrome de Lynch. A referida síndrome consiste na predisposição a vários tipos de câncer, mais marcadamente o câncer colorretal. Em familiares de portadores, a testagem toma grande importância, bem como o aconselhamento genético que irá ajudar a proceder em cada um dos casos apontando o risco de recorrência nos familiares, bem como as opções para lidar com o risco de retorno da doença no indivíduo.

Além da prevenção, os exames genéticos podem servir a outros fins, como ao conhecimento precoce de doenças irreversíveis, mas para as quais o conhecimento precoce tem impacto no prognóstico do paciente e na adaptação familiar àquela condição. São exemplos o autismo e algumas doenças que cursam com atraso do crescimento e do desenvolvimento.

Nem sempre, entretanto, o conhecimento de uma doença muda a sua evolução. Aqui vale lembrar o filme “Para sempre Alice” de 2015 no qual a personagem principal, interpretada por Julianne Moore, descobre uma doença de Alzheimer precoce – sabidamente de cunho genético – e alguns de seus filhos optam pela testagem para tomarem conhecimento da chance de desenvolver a mesma doença um dia. O Alzheimer é uma doença progressiva e ainda sem cura.

Nós sabemos, porém, que a grande maioria das doenças mais prevalentes ocorre por uma soma de fatores genéticos e ambientais. Nesse sentindo, fala-se em testes genéticos capazes de orientar o estilo de vida. Tudo isso com o fim de minimizar as chances de desenvolvimento de doenças crônicas como diabetes, hipertensão, obesidade. O conhecimento de uma predisposição acentuada para essas patologias ajudaria, desde cedo, a orientar o estilo de vida ou, pelo menos, serviria como mais um fator para convencimento do paciente da importância de cultivar um estilo de vida saudável – não vamos esquecer que o histórico familiar é um ótimo guia para as mesmas orientações no quesito prevenção de doenças crônicas.

A facilidade com a qual podem ser realizados os testes genéticos chama a atenção. Atualmente, é possível adquirir por um preço de 600 a 800 reais um relatório contendo seu risco de desenvolver doença variadas como: câncer de mama Hereditário BRCA1 / BRCA2, doença de Parkinson, doença de Alzheimer, doença de Crohn, doença celíaca, degeneração macular relacionada à idade, hemocromatose hereditária, deficiência de alfa-1 antitripsina, trombofilia hereditária, deficiência de G6PD… Tudo o que o consumidor precisa fazer é enviar sua saliva para um laboratório e aguardar quatro semanas pelo resultado. Assim oferece a empresa My Heritage, junto a outros serviços na mesma área, como a descoberta do status portador de um dado gene para determinada doença que poderá ser transmitida aos filhos, mesmo que não manifestada pelos pais.

Embates sobre mapeamento genético

É importante lembrar que, para a maioria das doenças, os genes não predizem em 100% um acontecimento, ou seja, não necessariamente porque se tem aquele gene, se desenvolverá aquela patologia. É possível que, em uma ampla varredura do DNA, se encontre genes envolvidos em determinadas doenças, mas que aquele indivíduo nada desenvolva durante toda a sua vida. O uso sistemático dessas tecnologias cada vez mais acessíveis, então, não resultariam na entrega de uma angústia? Talvez por isso, apesar de cada vez mais disponíveis, os testes genéticos não têm adesão extensa no mercado (mas jamais se deve duvidar do poder do marketing, vamos observar então).

Os testes genéticos podem ainda ser realizados na fase embrionária de embriões decorrentes da fertilização in vitro, é a triagem genética pré-implantação. Esta permite identificar quais embriões têm mais chances de passarem por uma gestação tranquila e se tornarem bebês saudáveis. Por métodos semelhantes, também é possível buscar doenças específicas. Antes do nascimento, também podem ser realizados estudos moleculares com material de vilosidade coriônica, para a identificação de doenças raras, como as miopatias. Esses testes também têm o poder de identificar situações compatíveis com a vida, tais como a Síndrome de Down. Escolher pela vida ou não desse indivíduo seria de alguma forma aceitável?

Como se vê, os benefícios da testagem genética podem ser tremendos, mas seu uso deve ser feito com responsabilidade – daí a importância do aconselhamento genético. A identificação precoce – e cada vez mais barata – de doenças possivelmente tratáveis e de outras com grande impacto na vida da pessoa e de sua família é uma das ótimas contribuições desses métodos.

Autora: Lara Rocha