Você alguma vez já tentou entender o eletrocardiograma e se perguntou: “Como alguém sabe tudo isso?” Já se preocupou por não conseguir decifrar o que cada alteração pode significar? Então este post é para você!
O eletrocardiograma (ECG) é um exame simples, que traduz em papel a atividade elétrica do coração. Por isso, compreender o básico sobre seu funcionamento é fundamental para qualquer estudante de Medicina. E atenção: isso vale para todos, não apenas para quem pretende seguir carreira na Cardiologia!
No entanto, apesar de ser um exame de execução relativamente simples, o processo de interpretação é bastante complexo. Assim, tentar entender o ECG de uma só vez é a fórmula certa para se confundir. O ideal, portanto, é começar aos poucos, construindo novos conceitos com base naquilo que já foi aprendido.
Sendo assim, que tal começar agora pelo básico? Vamos juntos nessa jornada!
Derivações e posicionamento de eletrodos
O primeiro ponto a se entender sobre o ECG, para conseguir compreender seu funcionamento, é que ele é composto por 12 derivações. Essas derivações funcionam como diferentes “pontos de vista” do coração.
Na prática, cada derivação analisa a diferença de potencial (ddp) entre dois eletrodos ou entre um eletrodo e um ponto virtual. Dessa forma, o traçado que aparece no papel representa a atividade elétrica do coração vista sob diferentes ângulos.
Quando a ddp é medida entre dois eletrodos, dizemos que a derivação é bipolar. Já quando a ddp é obtida entre um eletrodo e um ponto virtual, a derivação é chamada de monopolar.
Além disso, divide-se as 12 derivações do ECG são divididas em dois grandes grupos:
- Derivações precordiais.
- Derivações periféricas.
Derivações precordiais
As derivações precordiais são colocadas no plano horizontal, ou seja, “em frente” ao coração, e todas são monopolares:
- V1: quarto espaço intercostal (EIC), no rebordo esternal direito.
- V2: quarto EIC, no rebordo esternal esquerdo.
- V3: entre V2 e V4.
- V4: quinto EIC, na linha hemiclavicular esquerda.
- V5: quinto EIC, na linha axilar anterior esquerda.
- V6: quinto EIC, na linha axilar média esquerda.

Derivações periféricas
As derivações períféricas localizam-se no plano frontal e se dividem entre monopolares (aVR, aVL e aVF) e bipolares (DI, DII e DIII).
A colocação dos eletrodos periféricos é feita da seguinte forma:
- Vermelho: membro superior direito
- Preto: membro inferior direito
- Verde: membro superior esquerdo
- Amarelo: membro inferior esquerdo

Por fim, é importante lembrar que, como cada eletrodo possui uma posição específica, cada derivação acaba visualizando o fluxo elétrico de uma maneira distinta. Assim, no traçado do ECG, isso se traduz em ondas positivas (quando o vetor da ddp se aproxima da derivação) e ondas negativas (quando o vetor se afasta da derivação em questão).
Ondas normais no traçado do eletrocardiograma
Antes de entendermos como as alterações são expressas no ECG, é fundamental compreender o que é considerado normal.
Corações com um funcionamento elétrico adequado — ou seja, em ritmo sinusal — tendem a apresentar traçados muito semelhantes. Portanto, saber o que cada onda do traçado representa em um coração normal é essencial para identificar e interpretar corretamente os sinais de patologias.
Vamos revisar as principais ondas do ECG:
- Onda P: representa a despolarização atrial, sendo que sua parte inicial está mais relacionada ao átrio direito e a parte final, ao átrio esquerdo.
- Complexo QRS: corresponde à despolarização ventricular, ou seja, ao estímulo que gera a contração dos ventrículos.
- Repolarização atrial: apesar de acontecer, não é visível no ECG, pois é mascarada pela despolarização ventricular, que gera uma atividade elétrica de maior amplitude.
- Onda T: representa a repolarização ventricular, e normalmente apresenta a mesma polaridade do complexo QRS na derivação em que está sendo analisada.

Assim, ao dominar o padrão normal do traçado, você estará mais preparado para reconhecer alterações e patologias com muito mais segurança.
Alterações do eletrocardiograma
Mesmo com a diversidade de patologias que podem se refletir no eletrocardiograma, algumas alterações são especialmente importantes e aparecem com frequência na prática clínica. A seguir, listamos as principais, divididas por categoria.
Alterações do ritmo
- Bradicardia sinusal: ritmo regular com frequência abaixo de 60 bpm; pode ser fisiológica (em atletas, por exemplo) ou patológica.
- Taquicardia sinusal: ritmo regular com frequência acima de 100 bpm; geralmente secundária a febre, dor, ansiedade ou hipovolemia.
- Fibrilação atrial: ausência de onda P, ritmo irregularmente irregular; comum em idosos e pacientes com doença cardíaca estrutural.
- Flutter atrial: ondas “em serrilha”, especialmente visíveis nas derivações inferiores, com condução variável para os ventrículos.
- Taquicardia supraventricular (TSV): QRS estreito, ritmo regular e frequência geralmente entre 150-250 bpm.
- Taquicardia ventricular (TV): QRS largo, ritmo regular e frequência alta; emergência médica em muitos casos.
- Fibrilação ventricular: ausência de qualquer padrão organizado no ECG.
Distúrbios de condução
- Bloqueios atrioventriculares (BAV):
- BAV de 1º grau: intervalo PR aumentado (> 200 ms), mas constante.
- BAV de 2º grau tipo I (Mobitz I ou Wenckebach): PR progressivamente crescente até uma onda P não conduzida.
- BAV de 2º grau tipo II (Mobitz II): PR constante com ondas P não conduzidas de forma súbita.
- BAV de 3º grau (bloqueio total): dissociação completa entre átrios e ventrículos.
- Bloqueios de ramo:
- Bloqueio de ramo direito (BRD): QRS ≥ 120 ms, padrão rsR’ em V1 e onda S ampla em V6.
- Bloqueio de ramo esquerdo (BRE): QRS ≥ 120 ms, ausência de onda Q em V5-V6, morfologia em “M” em V6 e V1 com aspecto de “W”.
Alterações de repolarização
- Inversão de onda T: pode indicar isquemia miocárdica, sobrecarga ventricular ou distúrbios eletrolíticos.
- Supradesnível do segmento ST: altamente sugestivo de infarto agudo do miocárdio com supradesnível do ST (IAM com supra).
- Infradesnível do segmento ST: pode estar presente em isquemia subendocárdica, sobrecargas ou intoxicação digitálica.
- Presença de onda U: visível após a onda T em algumas condições como hipocalemia.
Sinais de sobrecarga cardíaca
- Sobrecarga atrial direita: onda P apiculada (> 2,5 mm) em DII (P pulmonale).
- Sobrecarga atrial esquerda: onda P bífida (P mitrale), especialmente em DII.
- Sobrecarga ventricular direita: desvio do eixo para a direita, padrão rSR’ em V1.
- Sobrecarga ventricular esquerda: aumento da amplitude do QRS, critérios de Sokolow-Lyon e Cornell.
Infarto Agudo do Miocárdio (IAM)
- O IAM pode se manifestar com diferentes padrões no ECG, dependendo da localização:
- IAM anterior: alterações em V1 a V4.
- IAM inferior: alterações em DII, DIII e aVF.
- IAM lateral: alterações em DI, aVL, V5 e V6.
- IAM posterior: infradesnível do ST em V1-V3 com ondas R altas nessas derivações.
- Evolui em estágios: ondas hiperagudas de T → supradesnível de ST → onda Q patológica → normalização do ST com onda T invertida.
Quer entender melhor os 5 tipos de infarto? Então confira este post da Sanar!
Essas são apenas algumas das alterações mais relevantes encontradas no eletrocardiograma. Saber identificá-las é essencial para o diagnóstico precoce e o manejo adequado das condições cardíacas.
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Dicas para interpretar um eletrocardiograma com mais segurança
A leitura de um eletrocardiograma pode parecer assustadora no início, mas, com prática e método, ela se torna cada vez mais intuitiva. Abaixo, listamos algumas dicas que podem ajudar na sua jornada de aprendizado:
- Tenha um passo a passo fixo: sempre analise o ECG com uma sequência lógica — por exemplo, comece avaliando a frequência, depois o ritmo, o eixo elétrico, as ondas e os intervalos. Isso ajuda a não se perder ou deixar passar detalhes importantes.
- Não tente decorar tudo de uma vez: ECG é um conhecimento que se constrói com repetição e exposição. Comece dominando bem o traçado normal antes de avançar para alterações complexas.
- Compare com o normal: sempre que estiver diante de um ECG com alterações, volte ao que você sabe sobre o traçado normal e busque identificar o que está diferente — isso facilita o raciocínio.
- Pratique com casos reais: aproveite bancos de questões, prontuários simulados e exercícios do Sanarflix para fixar o conteúdo na prática clínica.
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Referências
- REIS, H. J. L. et al. Manual Prático de Eletrocardiograma. São Paulo: Editora Atheneu, 2013.
