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“E, em certos casos, toda a cabeça dói e a dor é às vezes à direita, outras vezes à esquerda, na testa ou na fontanela; e esses acessos mudam de lugar no decorrer do mesmo dia. Isso é chamado heterocrania, uma doença nada clemente. Provoca sintomas inconvenientes e aflitivos […] náusea, vômito de material bilioso, colapso do paciente, ocorre grande torpor, peso na cabeça, ansiedade e a vida torna-se um fardo. Pois eles fogem da luz; a escuridão atenua seu mal; tampouco suportam prontamente ver ou ouvir qualquer coisa agradável. Os pacientes ficam cansados da vida e anseiam por morrer.” (Areteu da Capadócia, médico da Grécia Antiga, século II; primeira descrição história associada à enxaqueca).
Quando falamos de enxaqueca, não nos referimos a uma simples “dor de cabeça”. Enxaqueca, ou migrânea, é uma doença neurológica de causa genética que se manifesta através de múltiplos sintomas. Cerca de 30 milhões de brasileiros (15% da população) são acometidos pela doença, sendo mais comum na região sudeste do país; pode ocorre em homens e mulheres de todas as idades, mas mulheres em período reprodutivo apresentam maior prevalência.
A enxaqueca é uma doença multifatorial de tendência hereditária; ou seja, há genes que predispõem a ocorrência das crises de cefaleia associadas à enxaqueca.
As crises de enxaqueca podem durar de 4 a 72 horas. Geralmente, caracterizam-se por cefaleia unilateral pulsátil de moderada a forte intensidade que piora aos esforços; os sintomas associados são fotofobia, fonofobia, osmofobia, tonturas, náuseas e vômitos, além de sintomas neurológicos, como a aura. Alguns pacientes queixam-se de aura típica, um distúrbio visual que cursa com a presença de pontos cintilantes, distorção ou perda temporária da visão, parcial ou total; outros indivíduos apresentam aura sensitiva, que se refere à hemiparesia.
A palavra “enxaqueca” deriva do árabe antigo “saqiqa”, que significa “cortado ao meio”; na Antiguidade, descrevia um tipo de dor que afetava apenas metade da cabeça.
Frequentemente, a crise de enxaqueca com cefaleia intensa é incapacitante, ocasionando um impacto social associado à perda de dias de trabalho e de produtividade pessoal e profissional. O impacto financeiro tem custos diretos, com assistência médica, e indiretos.
A enxaqueca crônica caracteriza-se pelo aumento da frequência das crises, que se tornam diária ou quase diárias; é definida como mais de 15 crises de dor ao mês por mais de 3 meses. Fatores como stress emocional, doenças psiquiátricas e abuso de analgésicos predispõem a essa condição.
O estado migranoso é uma complicação que se refere à cefaleia intensa que dura mais de 72 horas, sendo os intervalos livres de dor inferiores a 12 horas; ocorrem náuseas e vômitos por várias horas seguidas, podendo causar desidratação e, até mesmo, internação hospitalar para manejo clínico adequado.
São vários os deflagradores da enxaqueca; ou seja, fatores que favorecem as crises de cefaleia nos indivíduos já predispostos: alérgenos, odores intensos, elevadas altitudes, jejum prolongado, stress emocional, privação do sono, período menstrual e alterações hormonais, ingesta excessiva de substâncias como cafeína, álcool e cigarro. Fatores psíquicos e emocionais costumam ser os gatilhos mais importantes para o desenvolvimento das crises agudas de enxaqueca.
O diagnóstico é clínico; portanto, não requer exame complementar. O médico deve diagnosticar, aliviar os sintomas e aconselhar o paciente sobre os fatores associados à doença e à deflagração de crises de cefaleia associadas.
Não há cura para essa doença, mas existem dois tipos de tratamento: manejo dos sintomas nas crises agudas e tratamento preventivo. Técnicas direcionadas de relaxamento, acupuntura, homeopatia, fisioterapia específica, psicoterapia e exercícios físicos são medidas auxiliares que podem estar associadas ao tratamento preventivo.
Vamos a alguns mitos e verdades importantes sobre a enxaqueca.
Indivíduos com enxaqueca não podem praticar atividade física.
Exercícios físicos moderados e praticados de forma regular auxiliam na redução da frequência das crises de cefaleia em pacientes com enxaqueca. No entanto, atividades físicas extenuantes, exercícios associados à respiração ofegante e atividades relacionadas à exaustão física podem ser gatilhos para crises agudas de cefaleia. O mesmo princípio aplica-se quando o indivíduo não dorme o suficiente ou não apresenta sono reparador, o que pode causar graves crises de cefaleia.
Alimentos como chocolate, café e laticínios estão proibidos em caso de enxaqueca.
Cada paciente apresenta uma sensibilidade individual a cada tipo de alimento e isso depende de suas características próprias e de sua faixa etária. Alimentos muito condimentados, comidas gordurosas, cebola, massas, carne de porco e frutas cítricas, além dos supracitados chocolate, café e laticínios, são alimentos que podem causar cefaleia em função de substâncias presentes em sua composição. É importante observar que vários pacientes com enxaqueca apresentam, simultaneamente, elevada incidência de reações alérgicas; assim, ao se identificar uma sensibilidade especial a um tipo de alimento, vale retirar a substância de seu hábito alimentar.
Enxaqueca é uma doença psicossomática
Nem sempre. Pacientes com crises muito frequentes de cefaleia merecem uma atenção especial às suas circunstâncias de vida, pois fatores fisiológicos ou patológicos, intrínsecos ou extrínsecos, devem ser identificados para que se proponha uma intervenção terapêutica adequada e eficaz. Mas sim, é possível que as crises de cefaleia na enxaqueca ocorram para atender a necessidades emocionais, como uma reação a situações de vida cronicamente difíceis, estados de depressão ou ansiedade, negação da realidade, sentimentos de autopunição, raiva profunda, entre outros.
Apesar de todo o sofrimento associado, a enxaqueca é uma doença benigna e reversível, pois apresenta mecanismos que podem ser compreendidos, avaliados e, consideravelmente, modificados.
Autor: Viviane Ventura
Instagram: @viviane.crv