A anatomia e fisiologia das vias biliares e do pâncreas começaram a ser descritas por pesquisadores ao final do século XVI, e sua pesquisa se estendeu até início do século XX. Em 1989 comemorou-se o centenário dos estudos iniciais de Reginald H. Fitz, médico norte-americano que se dedicou a caracterizar, dentre outras patologias, a pancreatite aguda. Seu trabalho é responsável por parte dos conhecimentos que temos hoje sobre esta doença.
Imagem 1: Reginald H. Fitz

Definição e Etiologia
A pancreatite aguda se caracteriza por um processo inflamatório agudo do pâncreas, podendo envolver tanto áreas peripancreáticas quanto sistemas de órgãos mais remotos. Os principais fatores etiológicos são:
• Colelitíase;
• Etilismo;
• Hipertriliceremia;
• Após Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica (CPRE);
• .Uso de drogas;
• Causas autoimunes;
• Fatores hereditários;
• Trauma;
• Infecções;
• Hipercalcemia;
• Pós–operatório.
Imagem 2: áreas peripancreáticas

Patogenia
A patogenia da Pancreatite aguda ainda não está bem definida. De acordo com a bibliografia, as taxas de hospitalização aumentam com a idade, com predomínio entre indivíduos do sexo masculino e afrodescendentes. O risco de pancreatite aguda também aumenta em cerca de quatro vezes na presença de cálculos de diâmetro inferior a 5mm.
Patologicamente, a pancreatite varia desde pancreatite intersticial (perfusão preservada) até pancreatite necrosante (isquemia). A teoria atualmente aceita é de que ocorre a ativação de enzimas proteolíticas dentro das células acinares em vez do lúmen. O pâncreas secreta enzimas amilolíticas (como amilase), lipolíticas (lipase, fosfolipase A2 e colesterol esterase) e proteolíticas (tripsina e quimiotripsina).
A fase inicial se caracteriza pela ativação intrapancretática das enzimas e lesão das células acinares. Essa ativação inicial pode ocorrer: pela desregulação da homeostase do cálcio no citosol da célula acinar (sua redução atua como fator protetor, pois promove a destruição da tripsina ativada), equilíbrio ácido-base, alteração na síntese ou ação dos inibidores de tripsina (quimiotripsina C, inibidor da tripsina secretória pancreática [PSTI]).
Essa lesão induz à mobilização de neutrófilos e macrófagos para o local de injúria. Acredita-se que os neutrófilos possuam uma relação positiva na ativação do tripsinogênio, percursor da tripsina. Assim, a primeira fase independe de neutrófilos, enquanto a segunda depende da participação dessas células. A terceira fase se caracteriza por efeitos proximais e sistêmicos da ativação de enzimas e ação das citocinas pró-inflamatórias.
Na pancreatite aguda ocorre tanto necrose por coagulação como necrose gordurosa. A ativação enzimática e os danos decorrentes geram uma sequência de eventos que pode ser resumida em digestão da parede celular das células acinares, proteólise, edema, hemorragia e dano vascular, necrose de coagulação, necrose gordurosa e liberação de bardicinina e histamina, substâncias vasodilatadoras que aumentam a permeabilidade vascular e causam edema e acometimento de outros órgãos.
Escore de Atlanta
No ano de 1992, foi realizado o Simpósio Internacional de Atlanta, cujo objetivo era a padronização da nomenclatura e das definições utilizadas no estudo da pancreatite aguda. Foram então estabelecidas: a classificação, gravidade e complicações da pancreatite aguda. A classificação de Atlanta ainda é a padrão para determinar a pancreatite aguda. Em 2012, uma revisão forneceu as definições para gravidade clínica e definições de gravidade radiológicas variável de outros tecidos regionais, órgãos ou sistemas.
Segundo a definição do Simpósio Internacional de Atlanta de1992, a pancreatite aguda é um processo inflamatório agudo do pâncreas, com envolvimento variável de outros tecidos regionais ou sistemas de órgãos remotos, e sua fisiopatologia ainda não é totalmente esclarecida, apesar de seus fatores etiológicos serem. Juntas, a colelitíase e o etilismo configuram como as principais causas, ocorrendo em cerca de 75% a 80% dos casos.
A Classificação de Atlanta de 1992, revisada em 2012, estratifica a pancreatite aguda em leve, moderadamente grave e grave. A classificação leve ocorre na ausência de disfunção orgânica, sistêmica ou complicações locais. A moderadamente grave envolve o surgimento de complicações sistêmicas e/ou locais associadas à disfunção orgânica transitória (duração inferior a 24 horas). A pancreatite grave é classificada como aquela na qual há presença de disfunção orgânica persistente (com duração maior do que 48 horas), ou falência múltipla de órgãos.
Outros escores são utilizados para avaliar a gravidade do quadro do paciente com pancreatite aguda e sua evolução. A classificação de Atlanta utiliza escores prognósticos, como Ranson (1974) e APACHE II (1985). A disfunção ou falência de órgãos é o mais importante fator determinante do prognóstico na fase inicial, e está relacionada com a translocação bacteriana e de endotoxinas, favorecendo a evolução do quadro clínico para sepse e para a síndrome de falência múltipla de órgãos.
Para a definição da falência de órgãos, a revisão da classificação de Atlanta (2012) sugere os Critérios de Marshall (Marshall Scoring System), que estabelece pontuação >2 para determinar a falência de um órgão. Para o reconhecimento entre as formas pancreatite agudo intersticial e pancreatite aguda necrotizante foi desenvolvido o Índice Tomográfico de Gravidade por Balthazar e cols., melhor apreciado entre o terceiro e quinto dias de internação, pois não é possível a avaliação de um padrão necrotizante na fase inicial do quadro.
Imagem 3: A revisão da classificação de Atlanta

Fonte: Ualid Saleh Hatoum [et.al]. ESCORES PROGNÓSTICOS EM PANCREATITE AGUDA: REVISÃO DE LITERATURA. Anais Eletrônico IX EPCC – Encontro Internacional de Produção Científica UniCesumar; Nov. 2015, n. 9, p. 4-8.
Outros escores são utilizados na avaliação do paciente, buscando ao máximo prevenir a evolução para forma necrotizante. A necrose é uma complicação com destaque especial, pois configura como um fator de grande importância ao estar associada a maior mortalidade nos pacientes, seja esta necrose infectada ou não. A dificuldade de se estabelecer e lidar com um escore prognóstico prático e confiável tem sido responsável pela busca por um marcador laboratorial de gravidade para pancreatite aguda.
A variedade de meios para se avaliar o paciente com pancreatite aguda, nos faz entender a complexidade desta doença. O médico deve estar a par dos critérios utilizados e se atentar tanto para a história clínica e fatores de risco intrínsecos do paciente, assim como exames laboratoriais e de imagem que colaboram para o acompanhamento a fim de prevenir o desenvolvimento de quadros graves. Como destacado na Classificação de Atlanta, devemos estar atentos aos sinais de: hipovolemia, hipóxia, creatinina alterada e sangramento digestivo.
Colunista:
- Illana Machado Braga
- Instagram: @med.illa
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.