Anatomia de órgãos e sistemas

Escore de Bisap | Colunistas

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Antes de falarmos propriamente do Escore BISAP, vamos discutir sobre Pancreatite Aguda (PA), patologia cujo prognóstico é avaliado por esse escore (dentre outros).

PANCREATITE AGUDA

A PA é definida como uma condição inflamatória aguda do pâncreas, com acometimento variável das estruturas peripancreáticas e de órgãos à distância, cuja gênese depende da autodigestão tecidual pelas próprias enzimas pancreáticas. Essa patologia deflagra um quadro de abdome agudo inflamatório, com um processo inflamatório intenso que pode causar uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica (em inglês, SIRS). Esse processo também pode desencadear um quadro grave, levando à disfunção orgânica e apresentando morbimortalidade relevante nesses casos.

ETIOLOGIA

Existem várias causas de PA, mas os mecanismos pelos quais essas condições desencadeiam a inflamação pancreática ainda não foram completamente elucidados. Litíase biliar e álcool são responsáveis por 75% a 80% dos casos de pancreatite aguda nos Estados Unidos, sendo a litíase biliar ainda a maior causa (30% a 60%) dos casos de pancreatite aguda, enquanto o consumo crônico de grandes volumes de etanol é a principal causa da pancreatite crônica.

QUADRO CLÍNICO

A maioria dos pacientes com pancreatite aguda começa o quadro com uma dor persistente e intensa na região epigástrica, em alguns pacientes a dor pode estar localizada em hipocôndrio direito e, mais raramente, no hipocôndrio esquerdo. Na semiologia, o quadro mais típico de pancreatite aguda é retratado com dor constante e intensa, em faixa, abrangendo desde a região epigástrica até aos hipocôndrios e podendo irradiar para o dorso. Em pacientes com litíase biliar, a dor é bem localizada e o início da dor é rápido, atingindo o pico álgico entre 10 a 20 minutos após o início dos sintomas. Ao contrário, em pacientes com pancreatite aguda causada por alguma doença metabólica ou abuso de álcool, a dor pode ser menos abrupta e mais difícil de se localizar. Em aproximadamente metade dos pacientes, a dor irradia para as costas (dor em faixa). A algia pode durar desde algumas horas até alguns dias e pode aliviar quando o paciente se senta ou se inclina para frente. Aproximadamente 90% dos pacientes têm náuseas e vômitos associados, os quais podem persistir por várias horas.

A experiência e os conhecimentos acumulados e sistematizados demonstram que, independentemente das condições associadas, a PA tem duas possíveis histórias naturais para cada episódio ou existem duas formas de apresentação da doença: uma com resolução rápida, em aproximadamente uma semana, e outra, prolongada, que dura semanas ou meses, com intercorrências locais e sistêmicas, que poderão ser resolvidas, culminar com a morte ou deixar sequelas. Assim, a estratificação dos pacientes, quanto à forma de apresentação, em pancreatite branda e grave, auxilia na orientação da terapêutica e na comparação dos resultados. Vários grupos de critérios prognósticos da PA ou marcadores isolados são utilizados, dentre eles, os Critérios de Ranson e os do APACHE II. Porém, essas ferramentas são voltadas para a avaliação do paciente internado com pancreatite após extensa avaliação complementar e não são apropriadas para uso nas emergências. Tal fato levou à criação do BISAP – Bedside Index of Severity in Acute Pancreatitis (Índice de Gravidade na Pancreatite Aguda à Beira do Leito), que também serve de mnemônico, tendo os seguintes componentes:

BISAP
Blood urea (ureia sérica) > 50 mg/dL
Impaired Mental Status ou “alteração do estado mental”
SIRS (Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica)
            Temperatura < 36 °C ou > 38 °C
            Frequência Respiratória > 20 irpm ou PaCO2 < 32 mmHg
            Frequência Cardíaca > 90 bpm
            Leucócitos < 4.000 ou 12.000 cél./mm3 ou bastões > 10%
Idade > 60 anos
Derrame Pleural
Avaliação BISAP (Fonte: Ji Kon Ryu, M.D. Evaluation of Severity in Acute Pancreatitis. Korean J Gastroenterology 2009).

A Pancreatite Aguda resulta em significativas perdas no terceiro espaço, resultando em hemoconcentração e um hematócrito elevado. Tal como o valor de hematócrito, o BUN (blood urea nitrogen) é um simples e reprodutível marcador de hemoconcentração, refletindo estados de hipovolemia. A presença de SIRS é um importante preditor precoce da Síndrome de Disfunção Orgânica Múltipla (SDOM) e da mortalidade por PA. Esse escore tem a vantagem de ser barato, estar prontamente disponível e ser igualmente eficaz em comparação com os outros critérios. A presença de derrame pleural na admissão, documentado por radiografia do tórax ou TC, está associado com PA grave, ocorrência de insuficiência respiratória ou a presença de sinais de insuficiência cardíaca congestiva e mau prognóstico. Os derrames pleurais podem ser bilaterais ou confinados do lado esquerdo, mas raramente são do lado direito. É recomendada a pesquisa de derrame pleural em todos os pacientes na admissão.

CONCLUSÃO

Em seus primeiros estudos, o BISAP mostrou-se um método confiável para predizer a gravidade na pancreatite aguda, com a vantagem de ser um escore simples e baseado em parâmetros obtidos no primeiro dia de hospitalização. Em termos de mortalidade, demonstrou valor preditivo positivo de 18% e valor preditivo negativo de 99%. Em vez de depender de um sistema de pontuação para prever a gravidade da pancreatite aguda, o médico necessita estar ciente dos fatores de risco intrínsecos do paciente, assim como dos exames laboratoriais e de imagem que colaboram para o desenvolvimento de quadros graves. São esses: idade, comorbidades cardíacas, pulmonares e renais associadas, IMC e presença de SIRS. De forma alguma o objetivo é descartar os escores prognósticos da prática clínica. Eles são claramente recomendados no momento do diagnóstico e, quando aplicados, está bem estabelecido o seu benefício aos pacientes. O intuito está em resgatar a base clínica em que os sistemas são pensados e construídos, deixando a eles o papel de apoio bem embasado em seus grandes estudos e, ao médico, o papel de avaliar e individualizar seu paciente diante da sua doença.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


REFERÊNCIAS:

RYU, Ji Kon. Evaluation of Severity in Acute Pancreatitis. The Korean Journal Of Gastroenterology, [S.L.], v. 54, n. 4, p. 205-211, 2009. The Korean Society of Gastroenterology. http://dx.doi.org/10.4166/kjg.2009.54.4.205.

G.I. Papachristou, V. Muddana, D. Yadav, M. O’Connell, M.K. Sanders, A. Slivka, et al., Comparison of BISAP, Ranson’s, APACHE-II, and CTSI scores in predicting organ failure, complications, and mortality in acute pancreatitis., Am. J. Gastroenterol. 105 (2010) 435–41; quiz 442. doi:10.1038/ajg.2009.622.