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Para a OMS, “Saúde é um estado de completo bem estar-estar físico, mental e social e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade”, entretanto, esse conceito deixa uma lacuna na compreensão e correlação do ser humano que vive em constantes processos mutáveis e inclusive subjetivos nas suas três dimensões: Corpo- Alma-Espírito.
A atualização de 2019daDiretriz de Prevenção Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) incluiu, entre os seus capítulos, a necessidade de abordar a Espiritualidade e os fatores psicossociais em medicina cardiovascular.
Segundo a SBC: “Há um conjunto de evidências que demonstram forte relação entre espiritualidade, religião, religiosidade e os processos de saúde, adoecimento e cura, compondo junto dos aspectos físicos, psicológicos e sociais a visão integral do ser humano. Em contraposição à fácil assimilação conceitual, observam-se obstáculos, principalmente por desconhecimento do conceito e desatualização científica, quanto à operacionalização do construto da espiritualidade e à compreensão de como medir e avaliar sua influência nos resultados de saúde”.
Essa relação entre a Saúde e Espiritualidade não é algo novo no campo científico, Sir William Osler, professor de Medicina da Universidade Johns Hopkins em seu artigo “A fé cura” (The faith that heals), publicado no British Medical Journal, é um grande exemplo. Outros tantos estudos, desde então, demonstraram a relação entre a saúde do paciente e a espiritualidade, sendo encontrado inclusive, no PubMed, o Journal of Religion and Health (Jornal de Religião e Saúde).
A neuroteologia, terminologia que curiosamente teve sua origem na literatura através da obra Antic Hay (1923) de Aldous Huxley, também influenciou diversos pesquisadores que buscavam alterações nas atividades cerebrais ligadas ao sentimento religioso e que foram evoluindo seu conceito, algo que se define como o intento de descobrir se existe ou não um lugar específico de Deus no cérebro (God spot). Para uma melhor compreensão de como aplicar a Espiritualidade na Prática Clínica e suas repercussões na saúde, é importante definir seus conceitos, uma vez que quase sempre estão vinculadas, mas não possuem o mesmo significado.
A religião representa um sistema doutrinário, com características específicas culturais e sócio-comportamentais, que é compartilhada por um grupo de pessoas praticantes. Esse “homo religiosus” é o que vivencia a experiência do sagrado de maneira particular, individual ou coletivamente.
A espiritualidade, por sua vez, remete a um conceito que vai além do mensurável, “transcende o tangível e não necessariamente está incluída no âmbito religioso, sendo esta muitas vezes a expressão da espiritualidade”. Caracteriza-se como um sentimento pessoal, que remete a uma conexão especial e superior ao ser humano, brindando a muitos um significado e propósito para a vida, incluindo a manifestação da fé, que é algo totalmente próprio da ação do espírito de cada pessoa.
O que demonstram as evidências?
Estudos evidenciam com nitidez a associação entre a fé e os desfechos clínicos, observando-se melhores controles dos níveis de PA e da FC, da ativação do sistema nervoso autônomo, a relação com a imunidade e menores níveis de marcadores de inflamação como interleucinas e proteína C-reativa, principalmente nas doenças crônicas, bem como sua implicação direta no tamanho dos telômeros nos leucócitos, inferindo na qualidade de vida e por fim na mortalidade.
A guia cita estudos como o Women’s Health Initiative, com mais de 43.000 mulheres em menopausa, que revelou que aquelas mulheres que mantinham algum tipo de atividade espiritual como orações, meditação ou leitura da Bíblia, tiveram um menor risco CV, diminuição da mortalidade por câncer e, inclusive, uma menor taxa de suicídio.
É interessante comentar que os efeitos protetores da espiritualidade e religiosidade não são dependentes dos fatores comportamentais, ou seja, os benefícios ocorriam de igual maneira independentemente da condição socioeconômica, da prática de exercícios ou hábitos como tabagismo.
Como mensurar espiritualidade na pratica clinica?
Existem alguns instrumentos de possibilitamumaaproximação das respostas espirituais do paciente, entre eles estão:
- Questionário FICA, baseado em experiências clínica de médicos, que analisa dimensões da Fé ou Crenças, Importância e Influência, Comunidade e Ação no tratamento.
- Índicede DUREL (Duke University Religion Index).
- O instrumento de Qualidade de Vida da OMS, entre outros.
Questionário FICA F – Fé / crença • Você se considera religioso ou espiritualizado? • Você tem crenças espirituais ou religiosas que te ajudam a lidar com problemas? • Se não: o que te dá significado na vida? I – Importância ou influência • Que importância você dá para a fé ou crenças religiosas em sua vida? • A fé ou crenças já influenciaram você a lidar com estresse ou problemas de saúde? • Você tem alguma crença específica que pode afetar decisões médicas ou o seu tratamento? C – Comunidade • Você faz parte de alguma comunidade religiosa ou espiritual? • Ela te dá suporte, como? • Existe algum grupo de pessoas que você “realmente” ama ou que seja importante para você? • Comunidades como igrejas, templos, centros, grupos de apoio são fontes de suporte importante? A – Ação no tratamento • Como você gostaria que o seu médico ou profissional da área da saúde considerasse a questão religiosidade / espiritualidade no seu tratamento? • Indique, remeta a algum líder espiritual / religioso. |
Questionário HOPE H – Fontes de Esperança (Hope), significância, conforto, força, paz, amor e relacionamento social. • Quais são as suas fontes de esperança, força, conforto e paz? • Ao que você se apega em tempos difíceis? • O que o sustenta e o faz seguir adiante? O – Religião organizada • Você faz parte de uma comunidade religiosa ou espiritual? Ela o ajuda? Como? • Em que aspectos a religião o ajuda e em quais não o ajuda muito? P – Espiritualidade pessoal e prática • Você tem alguma crença espiritual que é independente da sua religião organizada? • Quais aspectos de sua espiritualidade ou prática espiritual você acha que são mais úteis à sua personalidade? E – Efeitos no tratamento médico e assuntos terminais • Ficar doente afetou sua habilidade de fazer coisas que o ajudam espiritualmente? • Como médico, há algo que eu possa fazer para ajudar você a acessar os recursos que geralmente o apoiam? • Há alguma prática ou restrição que eu deveria saber sobre seu tratamento médico? |
Conclusão
Essa visão integral da saúde fomenta uma saudável relação médico-paciente e atenta não só ao médico como a toda equipe de saúde sobre a relevância de se capacitar em identificar problemas biopsicossociais de seus pacientes, agregando informações sobre a história espiritual na primeira entrevista, apoiá-los em seus sofrimentos e entender e respeitar as necessidades de atenção espiritual se assim desejarem.
Práticas como o perdão, a meditação e capacidade de resiliência são capazes de influir na homeostase, além de promover melhor qualidade de vida ao reduzir o estresse, sendo capazes de refletir nos fatores de risco cardiovasculares, no estado anímico e cuidados com a saúde. Também ampliam as relações pessoais e, principalmente, melhoram adesão ao tratamento.
É uma responsabilidade ética, inclusive, de toda a equipe de saúde explorar esse benefício terapêutico e fazer caso a célebre frase de Sir Osler: “O bom médico trata a enfermidade; o grande médico trata o paciente que tem a enfermidade”.
O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Referências
aop-diretriz-prevencao-cardiovascular-portugues.pdf
102355-Texto do Artigo-178738-1-10-20150817.pdf
Espiritualidade-na-prática-clínica-o-que-o-clínico-deve-saber.pdf
https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-98872019000901199&lng=es&nrm=iso>. accedido en 23 enero 2021. http://dx.doi.org/10.4067/s0034-98872019000901199.)
Gaitán, Leandro. 2017. “Neuroteología”. En Diccionario Interdisciplinar Austral, editado por Claudia E. Vanney, Ignacio Silva y Juan F. Franck. URL=http://dia.austral.edu.ar/Neuroteología
Puchalski C, Romer AL. Taking a spiritual history allows clinicians to understand patients more fully. J Palliat Med 2000;3(1):129-37.
https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-98872019000901199