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Estudos epidemiológicos: uma breve revisão | Colunistas

Estudos epidemiológicos: uma breve revisão | Colunistas

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Introdução

Os estudos epidemiológicos ganharam uma maior atenção no último ano mesmo sem a população se tornar consciente disso. Devido a pandemia pelo novo Coronavírus, estudos foram necessários para compreender a história natural da doença, em seguida, novos estudos foram realizados em questão de encontrar um teste diagnóstico, possíveis medicações e até a criação de uma vacina.

Contudo, cada estudo epidemiológico possui um grau de relevância científica a depender de suas variáveis. Por isso, alguns medicamentos causaram certa confusão em relação ao tratamento do Coronavírus, pois seus estudos possuíam um grau de evidência menor.

Apenas um adendo: todos os estudos citados nesta coluna não são reais. Foram criados hipoteticamente apenas para ajudar o leitor a compreender melhor o tema.

Então, sem mais delongas, vamos começar a ler sobre os principais tipos de estudos epidemiológicos!

Definições

Antes de entrarmos propriamente em cada estudo epidemiológico, vamos definir algumas coisas. Cada estudo possui peculiaridades que muitas vezes são descritas com palavras intricadas, por isso, resumiremos, rapidamente, cada palavra para que, sempre que precisar, você poder voltar para relembrá-la.

  • Tipos de variáveis

Independente – Também denominada de variável preditora é aquela que pode ter produzido, ou contribuído para o desfecho estudado, precisando sempre estar presente antes da variável dependente, que veremos a seguir.

Dependente – Chamada em algumas literaturas de variável resposta, seria o próprio desfecho.

Por exemplo, em um estudo hipotético feito com estudantes de medicina, foi observada a ocorrência de síndrome de Burnout, estresse e sintomas depressivos (variável dependente, pois é a doença, o desfecho). Foi também elencado que acadêmicos de medicina apresentam maior sobrecarga acadêmica, problemas em relações interpessoais e maior contato com morte e sofrimento de terceiros (variável independente, seria o que pode ter contribuído para a síndrome de Burnout, estresse e depressão).

  • Objetivo do estudo

Descritivo – É aquele que busca entender as condições da doença. Em relação ao Covid-19, por exemplo, um estudo descritivo seria aquele que procurou compreender o perfil epidemiológico da doença.

Analítico – Busca associar uma exposição a um desfecho, sendo ele positivo como uma recuperação, ou negativo como uma doença. Por exemplo, em um hospital há dois pacientes com Covid-19, um deles foi tratado com o medicamento A e o outro com o medicamento B, a partir disso é observado a evolução desses pacientes para determinar qual teve uma melhor recuperação.

  • Distinção de indivíduos

Agregado – Forma de estudo que avalia uma população inteira. É muito importante que seja compreendido que nessa forma de estudo não é possível fazer associação de fator de risco. Por exemplo, um estudo observa a população de uma cidade inteira e nota que 30% da população não cumpriu a quarentena, sendo que existe 10% da população internada por Covid-19. Não há como ter certeza de que os não cumpridores do isolamento social foram os mesmos que desenvolveram Covid-19 posteriormente. 

Individual – Nesse caso, temos um grupo seleto de pacientes sendo analisados, assim, conseguimos perceber possíveis causas e consequências, determinando associações ao objetivo estudado. Então, um estudo seria feito apenas com pessoas que não cumpriram o isolamento social e foi percebido que 80% deles contraíram Covid-19 nos dias seguintes.

  • Análise temporal

Transversal – É avaliado um único momento, não é possível saber a história anterior, ou a evolução do paciente, por isso em estudos transversais não é possível estabelecer uma causalidade.

Longitudinal – Nessa forma de estudo é possível acompanhar o desenvolvimento do paciente, por isso estabelecemos uma causalidade.

  • Direcionamento

Prospectivo – O estudo começa baseado em uma exposição, em um fator de risco, para depois observar se surgiu, ou não, uma patologia.

Retrospectivo – Nesse direcionamento, o paciente já é portador de uma doença e, a partir disso, será investigado seus hábitos anteriores para procurar uma causalidade.

  • Papel do pesquisador

Observacional – O pesquisador apenas observa o desenvolvimento do estudo, não interferindo.

Intervencional – O pesquisar faz uma forma de intervenção em seu grupo de estudo, por exemplo, fornece uma medicação.

DEFINIÇÕES DAS VARIÁVEIS  
VARIÁVEISINDEPENDENTE – Produziu, ou contribuiu para o desfecho. DEPENDENTE – Desfecho, consequência, doença.  
OBJETIVODESCRITIVO – Avalia o perfil epidemiológico. Ex.: Quem essa doença afeta, como é sua evolução. ANALÍTICO – Compara dois pacientes. Associação entre variáveis.  
DISTINÇÃO DE INDIVÍDUOSAGREGADO – Avalia populações inteiras. Não é possível associar fator de risco. INDIVIDUAL – Avalia um grupo seleto. Pode associar fator de risco.  
ANÁLISE TEMPORALTRANSVERSAL – Não sabe o que vem antes, ou depois. Não tem como fazer uma associação de causalidade. LONGITUDINAL – Sabe o que vem antes, podendo estabelecer causalidade.  
DIRECIONAMENTOPROSPECTIVO – Risco para desfecho. RETROSPECTIVO – Desfecho para risco.  
PESQUISADOROBSERVACIONAL – Não interfere. INTERVENCIONAL – Interfere em um grupo.  

Tipos de estudos

  • Ecológico

São estudos agregados, observacionais e transversais.

Portanto, como explicado anteriormente, são uma modalidade que analisa populações inteirais (agregado), sem intervenção do pesquisador (observacionais) e avaliam um único momento (transversal). Esses estudos servem para gerar hipóteses que serão provadas ou descartadas em outras modalidades de pesquisas.

É importante ficar atento ao fato de que não podemos estabelecer uma causalidade nessa forma de estudo, afinal, ele é um agregado, caso seja inferido um fator de risco, então chamamos isso de falácia ecológica, sendo isso um viés do estudo.

  • Caso-controle

São analíticos, individuais, longitudinais, observacionais e retrospectivos.

Assim, faz uma associação entre variáveis (analítico), analisam grupos seletos de pacientes (individuais), acompanham a evolução do grupo podendo estimar riscos (longitudinais), o pesquisador não interfere (observacionais) e partem da doença para os possíveis riscos e causalidades (retrospectivos).

Sua medida de associação é Odds-Ratio, que para ser calculada, é necessário primeiro criar uma tabela, como a abaixo, então, a partir disso, fazemos a seguinte conta:

Odds-Ratio ═ A x D / B x C

 Com desfechoSem desfecho
Com exposiçãoAB
Sem exposiçãoCD
  • Coorte

São estudos analíticos, longitudinais, observacionais, prospectivos e individuais.

Busca associar uma exposição a um desfecho (analítico), acompanha a evolução do paciente, podendo estabelecer uma causalidade (longitudinal), o pesquisador não interfere (observacional), avaliam o risco para o desfecho (prospectivo) e são focados em um grupo seleto de pacientes (individuais).

Nessa forma de estudo é possível avaliar a história natural da doença, estabelecendo importantes correlações e causalidades. Contudo, apresenta a desvantagem de ser um estudo mais longo e com custo financeiro mais elevado.

A medida de associação da coorte é o Risco Relativo (RR), sua fórmula é a seguinte:

RR ═ Incidência no expostos / Incidência em Não expostos

Caso o RR seja igual a 1, então a exposição estudada não interfere no desenvolvimento da doença. O RR maior que 1 considera a exposição como um fator de risco para a doença. Enquanto o RR menor que 1 seria a exposição como um fator de proteção para a doença.

Ensaios clínicos randomizados

Os ensaios randomizados são realizados com o objetivo de testar uma única hipótese. O desenvolvimento de uma nova medicação, por exemplo, muitas vezes passa por ensaios clínicos randomizados, sendo eles prospectivos (avalia do risco para o desfecho), individuais (focados em um grupo específico) e intervencionista (o pesquisador conduz os grupos).

Assim, em um ensaio randomizado, o grupo estudado é dividido de maioria aleatória (randomizada) em dois subgrupos. O pesquisador, então, conduzirá o trabalho observando as diferenças entre cada população estudada. No caso de avaliação da eficácia de um novo medicamento, parte do grupo o receberia e a outra parte receberia um placebo.

Uma diferença importante que precisa ficar clara é: os estudos de caso controle são observacionais e retrospectivos, enquanto os ensaios clínicos randomizados são intervencionistas e prospectivos.

Hierarquização dos estudos epidemiológicos

Como pode ser observado, cada estudo epidemiológico possui suas características, servindo para analisar determinada hipótese. Contudo, é preciso compreender que existe uma hierarquia entre eles determinada pelo seu nível de evidência. Tal fato foi resumido na pirâmide a seguir.

Em tempos de pandemia e quando as redes sociais constituem uma parte importante dos hábitos da população, é preciso que os estudantes e profissionais da área da saúde compreendam o grau de evidência dos estudos para, assim, conseguirem entender melhor as centenas de novas pesquisas sendo feitas e publicadas a respeito do Coronavírus, fazendo com que informações corretas e verossímeis sejam transmitidas a população.

Para verificar a lista completa dos níveis de evidência científica segundo a classificação de Oxford Center for Evidence-Based-Medicine, acesse o seguinte link: 

https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/janeiro/28/tabela-nivel-evidencia.pdf

Autora: Gabriele Curvo Bett

Instagram: @gabi_curvo

O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Referências bibliográficas

Conceitos Básicos em Epidemiologia e Bioestatística – Hermano Alexandre Lima Rocha e Eduardo Rebouças Carvalho. Disponível em: http://www.epidemio.ufc.br/files/ConceitosBasicosemEpidemiologiaeBioestatistica.pdf

Tipos de estudos epidemiológicos: conceitos básicos e aplicações na área do envelhecimento.  – Maria Fernanda Lima-Costa e Sandhi Maria Barreto. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/pdf/ess/v12n4/v12n4a03.pdf

Delineamento de estudos científicos. – Aristides Schier da Cruz. Disponível em: http://residenciapediatrica.com.br/detalhes/16/delineamento-de-estudos-cientificos