Índice
Toda gestante experimenta uma série de mudanças sistêmicas múltiplas durante a gravidez. Para identificar quais delas são fisiológicas e quais são patológicas, o conhecimento dessas alterações é essencial. As mudanças que ocorrem na mãe são devidas a mudanças anatômicas, mecânicas, hormonais e bioquímicas em resposta ao feto durante esse período. Quase todos os sistemas mostram mudanças funcionais ou estruturais à medida que a gravidez avança.
CARDIOVASCULAR
A partir da 6ª semana, o débito cardíaco aumenta em 30% a 50%, devido principalmente à demanda por circulação placentária uterina. Ele atinge seu máximo entre a 16ª semana e a 28ª semana (geralmente na 24ª semana). À medida que a placenta e o feto se desenvolvem até o nascimento, o fluxo sanguíneo para o útero deve aumentar. Até 30 semanas depois, ainda está próximo de seu pico, tornando-o sensível à posição do corpo, fazendo com que o útero se dilate (por exemplo, na posição deitada) e bloqueie parcialmente a posição da veia cava, o que pode causar uma diminuição no débito cardíaco.
Em média, a partir da 30ª semana até o parto, o débito diminuirá ligeiramente. Durante o trabalho de parto, ele aumentará; após o parto, o útero se contrai, e o débito cardíaco ainda é 15% a 25% maior do que o normal, diminuindo lentamente nas próximas 3 a 4 semanas, até atingir o valor pré-gestacional por volta da 6ª semana após o parto.
Para aumentar o DC, a frequência cardíaca é aumentada de um valor normal de 70 bpm para um valor de 90 bpm, e o volume sistólico também é aumentado. Embora o débito cardíaco e os níveis de renina e angiotensina aumentem devido à dilatação da circulação placentária (desenvolvimento do espaço interplacentário) e à diminuição da resistência vascular sistêmica, a pressão arterial geralmente diminui no segundo trimestre (aumento da pressão de pulso se alarga). A diminuição da resistência deve-se à diminuição da viscosidade do sangue e da sensibilidade à angiotensina. No terceiro trimestre, a pressão arterial pode voltar ao normal. Em comparação com gestações únicas, o DC aumenta mais em 20 semanas, e a pressão arterial diastólica diminui em gestações gemelares.
O exercício físico durante a gravidez pode aumentar o DC, a frequência cardíaca, o consumo de oxigênio e o volume respiratório por minuto. A alta circulação dinâmica da gravidez aumenta a frequência dos sopros funcionais e agrava o som do coração. O exame de imagem ou o exame de eletrocardiograma podem mostrar que o coração muda para a posição horizontal, gira para a esquerda e aumenta o diâmetro lateral.
Todas essas alterações são normais e não devem ser mal diagnosticadas como doenças cardíacas, que geralmente só podem ser tratadas por meio de controle. No entanto, em mulheres grávidas, os episódios de taquicardia atrial são mais frequentes e podem exigir exames preventivos ou medicamentos antiarrítmicos.

HEMATOLÓGICO
O volume sanguíneo aumenta em proporção ao débito cardíaco, mas o aumento no volume plasmático é maior do que a massa de glóbulos vermelhos, portanto, a hemoglobina é diluída e diminuída. Na gravidez gemelar, o volume sanguíneo, a contagem de leucócitos e a necessidade total de ferro da gestante aumenta ainda mais.
Se faz necessária a suplementação de ferro para prevenir a anemia, porque a quantidade de ferro absorvida da dieta e ferro suplementado geralmente não é suficiente para atender às necessidades da gravidez.
URINÁRIO
As alterações na função renal são acompanhadas por alterações na função cardíaca. A taxa de filtração glomerular (TFG) aumenta e atinge um pico entre a 16ª e 24ª semanas e permanece nesse nível até próximo ao termo, quando a pressão uterina na veia cava geralmente diminui ligeiramente e causa estase venosa nas extremidades inferiores. O fluxo plasmático renal aumenta proporcionalmente e, como resultado, o nitrogênio da ureia no sangue é geralmente reduzido, enquanto os níveis de creatinina também são proporcionalmente reduzidos. A óbvia dilatação do ureter deve-se à influência de hormônios (principalmente progesterona) e à obstrução causada pelo aumento da pressão do ureter e do útero, que também pode causar hidronefrose. Após o parto, pode levar até 12 semanas para o sistema de coleta de urina voltar ao normal.
Mudanças na postura afetam a função renal, que é maior durante a gravidez do que em outras situações, ou seja, a posição supina aumenta a função renal (é uma das razões pelas quais as mulheres grávidas costumam urinar ao tentar dormir), enquanto a posição ereta diminui a função renal. Já na posição lateral, tem um aumento significante, principalmente no lado esquerdo. Quando a mulher grávida se deita de costas, essa posição pode reduzir a pressão do útero sobre os grandes vasos sanguíneos.
RESPIRATÓRIO
A função pulmonar de mulheres grávidas muda, em parte devido ao aumento da progesterona e também porque o aumento no útero interfere na expansão dos pulmões. A progesterona estimula o cérebro a reduzir os níveis de CO2 para que, assim, o volume corrente, o volume minuto e a frequência respiratória sejam aumentados (o que aumenta o pH plasmático). O consumo de oxigênio é elevado para fornecer metabolismo aumentado para o feto, placenta e vários outros órgãos maternos. As reservas inspiratórias e expiratórias, o volume, o volume residual e a PCO2 plasmática são reduzidos. Já a capacidade vital e a PCO2 plasmática permaneceram inalteradas. O busto aumenta e ocorre muita congestão e edema do trato respiratório.
Às vezes, ocorre obstrução nasofaríngea sintomática e congestão nasal, fazendo com que a tuba auditiva seja temporariamente bloqueada e que o tom e a qualidade do som mudem. A dispneia moderada é comum durante a fadiga e mais frequente durante a respiração profunda.
GASTROINTESTINAIS E HEPATOBILIARES
Durante a gravidez, o útero dilatado comprime o reto e a parte inferior do cólon, causando prisão de ventre. Como altos níveis de progesterona causam relaxamento do músculo liso, a motilidade gastrointestinal é reduzida. Devido ao relaxamento do esfíncter esofágico inferior e do hiato, a azia pode ser o resultado de esvaziamento gástrico retardado e refluxo gastroesofágico. A produção de ácido clorídrico é reduzida, portanto, úlceras pépticas durante a gravidez são incomuns e a capacidade de invasão de úlceras anteriores é reduzida. A incidência de doenças da vesícula biliar aumenta ligeiramente.
A gravidez afeta sutilmente a função hepática, especialmente o transporte da bile. Os testes de função hepática geralmente são normais, mas o nível de fosfatase alcalina aumenta gradualmente no segundo trimestre e pode chegar a 2 ou 3 vezes o valor normal no momento do parto (esse aumento se deve à placenta que produz essa enzima, e não à disfunção hepática).
ENDÓCRINO
A gravidez altera a função da maioria das glândulas endócrinas, em parte porque a placenta produz hormônios e em parte porque a maioria dos hormônios circula na forma de proteínas de ligação, e essas proteínas aumentam durante a gravidez. A placenta produz a subunidade da gonadotrofina coriônica humana (β-hCG), que é um hormônio nutriente. Os níveis de estrogênio e progesterona no primeiro trimestre são elevados porque o β-hCG estimula os ovários a produzirem óvulos continuamente. Com o hormônio folículo-estimulante e o hormônio luteinizante, isso pode manter o corpo lúteo e prevenir a ovulação.
Após 9 a 10 semanas de gravidez, a própria placenta produz grandes quantidades de estrogênio e progesterona para ajudar a manter a gravidez. A placenta produz o hormônio liberador de corticotropina (CRH), que pode estimular a mãe a produzir ACTH (um aumento no nível de ACTH aumentará o nível de hormônios adrenais, especialmente aldosterona e cortisol, que podem causar edema).
O aumento da produção de corticosteroides e o aumento da produção de progesterona placentária levam ao aumento da resistência à insulina e da demanda por insulina (a insulina produzida pela placenta também pode aumentar a demanda de insulina, portanto, muitas mulheres com diabetes gestacional desenvolvem outras formas mais pronunciadas de diabetes). O estresse da gravidez também pode levar ao aumento dos níveis de lactogênio da placenta humana.
A placenta produz MSH, que aumenta a pigmentação da pele durante a gravidez. A hipófise e o nível de prolactina também aumentam durante a gravidez (a principal função do aumento é garantir a lactação). Os níveis de prolactina voltam ao normal após o parto, mesmo em mulheres que amamentam.
DERMATOLÓGICO
Níveis elevados de estrogênio, progesterona e MSH contribuem para as mudanças nos pigmentos, embora sua patogênese exata não seja clara. Essas mudanças incluem melasma (quando causado pela gravidez, geralmente desaparece dentro de um ano), escurecimento da aréola, axilas, genitais e também uma linha preta na parte média e inferior do abdômen.
Há a incidência de hemangioma aranha, que geralmente fica acima da cintura, e aumenta a incidência de capilares dilatados e paredes finas (especialmente na parte inferior das pernas).


Autor: Maria Alice
Instagram: @alice.marquess
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
REFERÊNCIAS:
Zugaib- obstetrícia 3ª edição
ALMEIDA, Leila Graziele Dias de et al. Análise comparativa das PE e PI máximas entre mulheres grávidas e não grávidas e entre grávidas de diferentes períodos gestacionais
COSTA, Edina Silva et al. Alterações fisiológicas na percepção de mulheres durante a gestação
GUYTON, Arthur Clifton; HALL, John Edward. Gravidez e lactação