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Quando ouvimos um paciente referir uma sensação de “bola/nó na garganta”, o famoso globus faríngeo, imediatamente o nosso cérebro emite um alerta gritando “REFLUXO GASTROESOFÁGICO!”, não é? Mas este sintoma vai muito além disso, e hoje iremos conversar um pouquinho sobre curiosidades, causas e como tratá-lo.
De manifestação psíquica a orgânica
Nos tempos de Hipócrates, o globus era considerado problema feminino. Acreditavam que o útero era um órgão móvel e se locomovia até a região cervical, causando o desconforto. Esta visão, depois de percebido que o útero não é um órgão “viajante”, abriu espaço para a teoria de que se tratava de uma manifestação presente em pacientes em menopausa com desordens psiquiátricas, como a personalidade histriônica. Dessa forma, o globus recebeu o sobrenome “hystericus”.
E pasmem: esta forma de enxergar o globus apenas foi desmitificada na década de 60/70, quandotrocou denome e passou a ser conhecido como “globus faríngeo”, após ser observada uma correlação entre ele e sintomas faríngeos. A partir deste momento, foi quebrado o estigma de condição psiquiátrica feminina para se tornaruma manifestação presente em ambos os sexos, mas háumporém: sua etiologia exata ainda é desconhecida, há estudos que ainda o associam a questões psiquiátricas, e outros associando-o a causas orgânicas.
As causas
Conforme o spoiler acima, não temos definida uma causa exata para o globus faríngeo. Ele é um distúrbio abrangido tanto pela questão psiquiátrica (inclusive consta no DSM-V) quanto pela questão somática, havendo critérios diagnósticos no Consenso Roma IV.
Pelo que é descrito na literatura, há algumas doenças/alterações anatômicas possivelmente desencadeadoras, mas é difícil afirmar que de fato são a causa, ou se apenas se trata de associações. Entre elas estão a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE para os íntimos, primeira causa que vem na cabeça de ampla maioria dos médicos/estudantes de medicina), hipertrofia de base de língua, rinossinusites crônicas, tumores das vias aerodigestivas superiores.
Tratando-se da visão psiquiátrica, há muitas controvérsias, até mesmo em resultados de estudos. O que prevalece atualmente é que o paciente com globus possui um grau de depressão parecido com pacientes ambulatoriais com queixas gastrointestinais; geralmente são pessoas ansiosas. Em contrapartida, há casos considerados graves, com comprometimento severo, interferindo na nutriçãoe não são encontradas alterações orgânicas.
Mas e o diagnóstico?
Assim como sobre a origem, há também conflitos sobre a forma correta de se fazer o diagnóstico. A maioria dos autores consideram que ele deve ser clínico, mas há alguns algoritmos propostos, como os critérios do Roma IV, que devem estar presentes por pelo menos 3 meses e iniciados há pelo menos 6 meses antes do diagnóstico, além de estarem presentes pelo menos uma vez na semana.
Os critérios são: sensação não dolorosa permanente ou intermitente de caroço/corpo estranho na garganta, sem presença de lesão estrutural observada no exame físico, laringoscopia ou endoscopia; ocorrência da sensação entre as refeições; ausência de disfagia ou odinofagia; ausência de heterotopia gástrica em esôfago proximal; ausência de evidências de refluxo gastroesofágico ou esofagite eosinofílica sintomática; e, por fim, ausência de desordens motoras esofágicas (como a acalasia).
É importante descartar malignidade como causa do globus, suspeitando de sinais de alerta, como perda significativa de peso, disfagia, dor, disfonia, idade maior que 40 anos e hábitos de tabagismo e etilismo.
Podemos pedir exames para confirmar nossas hipóteses para o quadro, como endoscopia, nasofibroscopia, pHmetria, ultrassom de tireoide, sempre direcionados a achados do exame físico e anamnese.
Como podemos tratá-lo?
Por se tratar de um problema com várias possíveis causas (ou manifestações associadas), há vários caminhos para o tratamento de acordo com as outras queixas apresentadas pelo paciente, sendo que, muitas vezes, são elas que os levam a procurar atendimento médico.
É importante tranquilizar o paciente e afirmar que se trata de um quadro benigno na grande maioria das vezes, e há estudos que mostram quehá cerca de 50% de chance de melhorar ou se resolver ao longo do tempo.
Para se resumir, conduziremos seu tratamento de acordo com as manifestações acompanhantes – ou pela falta delas –, por exemplo, tratamento de dispepsia. Fonoterapiamostra bons resultados, com resoluçãoem cerca de 72% dos casos.Aterapia cognitiva comportamental auxilia na ansiedade e pode serindicada para casos refratários.
Casos muito graves e sem associação com manifestações orgânicas podem ser tratados com eletroconvulsoterapia, mas essa conversa deixamos para os especialistas.
Conclusão
O globus faríngeo é uma manifestação à qual muitas vezes não damos atenção ou já associamos diretamente ao refluxo gastroesofágico. Sua história é interessante, mas não mais do que o fato de não termos bem definido a sua origeme, apesar de na maioria das vezes serem limitados, é interessante lembrar diagnósticos que podem estar associados.
Bárbara Rossi Galardino
Instagram: @bgalardino
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
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