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Glomérulo renal | Colunistas

Glomérulo renal | Colunistas

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Introdução

Achados como proteinúria e hematúria, no sumário de urina, te fazem pensar em sinais de alerta para doenças renais? Já ouviu falar em síndromes nefróticas, síndromes nefríticas ou em glomerulonefrites? Todos esses conceitos são decorrentes de falhas associadas a uma das principais estruturas responsáveis pela homeostasia do corpo: o glomérulo renal.

O que é o Glomérulo renal?

A urina é o meio de excreção dos resíduos corporais, bem como também da água, eletrólitos e não eletrólitos em excesso no organismo. Produzida nos rins, é conduzida pelos ureteres até a bexiga, na qual é armazenada para que seja eliminada através da uretra. No entanto, o que determina a composição da urina são os inúmeros processos de filtração, absorção e secreção que ocorrem nas unidades funcionais dos rins: os néfrons. Estruturas que, por sua vez, são formadas pelo corpúsculo renal (ou de Malpighi) – constituído da associação entre glomérulo, cápsula de Bowman e mesângio – e por um conjunto de túbulos e tubos com propriedades e funções específicas.

O glomérulo renal consiste na principal unidade de filtração sanguínea, que irá auxiliar na reabsorção de líquidos e solutos, concomitantemente à formação da urina. Ele é formado por um tufo de capilares fenestrados que são originados de subdivisões da arteríola aferente, no momento em que penetra no polo vascular do corpúsculo renal.

Dessa maneira, o sangue arterial chega ao glomérulo por meio da arteríola aferente, circula pelas alças de capilares, onde é filtrado, e retorna à corrente sanguínea pela arteríola eferente, também pelo polo vascular; enquanto isso, os líquidos e substâncias que atravessam a barreira de filtração glomerular para o espaço capsular são captados pelo túbulo contorcido proximal, no polo urinário, para, futuramente, serem reabsorvidos ou excretados na forma de urina.

A barreira de filtração glomerular

O glomérulo renal é envolvido por outro componente do corpúsculo de Malpighi: a cápsula de Bowman. Ao longo do desenvolvimento embrionário, essa estrutura divide-se em dois folhetos – um interno ou visceral e outro externo ou parietal. O folheto parietal forma os limites do corpúsculo e é constituído de um epitélio simples pavimentoso, que se apoia na lâmina basal e em uma fina camada de fibras reticulares. O folheto visceral, por sua vez, encontra-se próximo aos capilares e participa da formação da barreira de filtração glomerular, sendo composto por células especializadas chamadas podócitos.

Os podócitos são responsáveis por emitir prolongamentos primários, que dão origem aos prolongamentos secundários, os quais, por fim, circundam os capilares glomerulares e se fixam à membrana basal, através de proteínas integrinas.

A barreira de filtração glomerular constitui, então, uma membrana mais espessa, formada a partir da associação entre a membrana basal das células endoteliais dos capilares glomerulares e a membrana basal dos podócitos. Logo, é dotada de duas lâminas raras, uma interna, próxima às células endoteliais, e uma externa, adjunta aos podócitos, além de uma lâmina intermediária e mais elétron-densa.

A lâmina intermediária apresenta características determinantes para a barreira de filtração, uma vez que representa um feltro de colágeno tipo IV e laminina em uma matriz que contém proteoglicanos eletricamente negativos (aniônicos). Dessa maneira, a barreira de filtração glomerular é capaz de filtrar solutos com base em duas propriedades: o seu tamanho e a sua carga elétrica. As moléculas negativas são capazes de reter moléculas positivas e o colágeno tipo IV, em parceria com a laminina, forma uma barreira física que atua na filtração de macromoléculas, impedindo a passagem de moléculas com mais de 10 nm e com massa molecular maior do que a da albumina.

Associado à barreira de filtração, existe ainda o mesângio: um complexo de células especializadas imersas em uma matriz mesangial. As células mesangiais cercam os capilares glomerulares e garantem sustentação, sintetizam matriz extracelular e realizam a fagocitose de substâncias retidas pela barreira de filtração. Porém, além de todas essas funções, correspondem também a um importante determinante da filtração glomerular, uma vez que as propriedades contráteis das suas células são capazes de regular o fluxo sanguíneo que passa pelos capilares glomerulares ou alterar a área de superfície capilar.

Filtração glomerular e os seus determinantes

A filtração glomerular (FG) corresponde a 20% do fluxo sanguíneo renal e, em média, 180 litros são filtrados diariamente, dando origem a 1 litro de urina por dia. No entanto, a composição do filtrado glomerular é praticamente idêntica à plasmática, uma vez que apresentam concentrações de cloreto, glicose, ureia e fosfato semelhantes, estando a diferença localizada na quase que completa ausência de proteínas no filtrado. O que se deve à retenção dessas partículas pela barreira de filtração, em virtude do seu elevado peso molecular, sendo possível encontrar apenas mínimas quantidades de albumina.

A FG é determinada pela pressão líquida de filtração através dos capilares glomerulares e pelo coeficiente de filtração desses capilares: FG = pressão efetiva de filtração X Kf. A primeira consiste na soma das pressões hidrostáticas e coloidosmóticas atuantes no capilar, e a segunda se refere ao produto da permeabilidade pela área de superfície desse capilar. No entanto, ao levar em consideração os antagonismos entre forças pressóricas e o desprezível valor da pressão oncótica da cápsula de Bowman, pode-se concluir que a pressão efetiva de filtração é formada pela pressão hidrostática do sangue, que se opõe e supera a pressão osmótica dos coloides do plasma e a pressão hidrostática dos líquidos da cápsula de Bowman.

Mecanismo de autorregulação

Todavia, como a filtração glomerular é influenciada diretamente pela pressão hidrostática, qualquer alteração da pressão arterial tenderia a interferir na taxa de filtração. O que não ocorre, devido ao mecanismo de autorregulação glomerular, que visa garantir a manutenção desses valores. Assim, quando há um aumento da pressão arterial, ele é contrabalanceado com o aumento da resistência da arteríola aferente, de modo a promover a redução do fluxo sanguíneo renal e a manutenção da taxa de filtração. Da mesma forma que, quando há uma redução da pressão arterial, há diminuição da resistência da arteríola aferente e aumento da resistência da arteríola eferente, a fim de aumentar a pressão hidrostática glomerular e favorecer a filtração.

Esse sistema só é efetivado, por sua vez, em virtude da capacidade miogênica dos capilares e do feedback tubuloglomerular.

O mecanismo miogênico está relacionado à capacidade intrínseca dos vasos de responderem à alteração da pressão arterial. Portanto, quando a pressão se eleva, os vasos tendem a se contrair para aumentar a resistência e impedir o seu estiramento, bem como o aumento do fluxo sanguíneo. Já quando a pressão diminui, eles buscam reduzir a resistência vascular, por meio da vasodilatação.

Associado a isso, o feedback tubuloglomerular é formado pelo aparelho justaglomerular, composto das células justaglomerulares da arteríola aferente, as células da mácula densa da arteríola eferente e as células mesangiais extraglomerulares.

Com base nisso, as células da mácula densa funcionam como sensores das variações da pressão arterial, por meio da concentração de cloreto de sódio, ou seja, a concentração reduzida é entendida como reflexo da queda de pressão. Como resultado, um conjunto de esforços ocorrem para garantir a manutenção da filtração glomerular. Dessa forma, essas células ativam uma via de sinalização para liberar prostaglandinas que irão reduzir a resistência da arteríola aferente, a fim de aumentar o fluxo sanguíneo renal. Concomitantemente, essas células da mácula densa também atuam de modo parácrino, induzindo a produção de renina pelas células justaglomerulares. A renina, por sua vez, irá estimular a formação de angiotensina II, que promoverá a vasoconstricção da arteríola eferente. Logo, o aumento do fluxo sanguíneo renal, associado à vasoconstricção da arteríola eferente, promoverá o aumento da pressão hidrostática glomerular e a manutenção da taxa de filtração.

Em uma perspectiva semelhante, o aumento da concentração de cloreto de sódio indicará a elevação da pressão arterial e promoverá o aumento da resistência da arteríola aferente, para reduzir o fluxo sanguíneo e controlar a pressão hidrostática glomerular.

Glomerulopatias

A partir da explicação sobre o que é o glomérulo e o seu importante papel para a filtração glomerular e formação da urina, é possível analisar determinadas glomerulopatias com um olhar mais atento para a perspectiva fisiopatológica, auxiliando nas suas compreensões.

Nesse sentido, ao se referir a glomerulopatias, destacam-se as síndromes nefríticas e as síndromes nefróticas que, caso não tratadas, podem desencadear quadros de insuficiência renal.

As síndromes nefríticas estão relacionadas a um conjunto de sinais e sintomas, decorrentes de um processo inflamatório que atinge os glomérulos. Essa inflamação pode ser proveniente de uma causa primária, no próprio rim, ou secundária a alguma doença sistêmica. Dessa forma, encontram-se nesse grupo as glomerulonefrites, termo utilizado para se referir a um processo inflamatório no glomérulo. 

Essas síndromes são caracterizadas, clinicamente, por hematúria, oligúria, edema e hipertensão arterial. Isso se deve ao fato de que a inflamação tende a gerar fendas e rupturas nas alças capilares dos glomérulos, de modo a permitir a passagem de hemácias para o sistema tubular que, por não serem reabsorvidas, seguem para serem excretadas na urina. Além disso, como consequência da inflamação, há também comprometimento da filtração glomerular como um todo, levando à retenção volêmica, a qual desencadeia o edema generalizado e a hipertensão.

Entretanto, ao contrário das síndromes nefríticas, as síndromes nefróticas não estão relacionadas a processos inflamatórios, mas a diversos distúrbios que acabam por aumentar a permeabilidade dos capilares glomerulares à proteína. Desse modo, os seus achados clínicos são traduzidos como reflexos da proteinúria maciça, a qual, por sua vez, leva à redução da pressão oncótica do sangue. Com isso, a redução da albumina plasmática resulta em hipoalbuminemia e formação de edema, bem como também induz o aumento da atividade hepática que, ao tentar produzir mais albumina, também promove a hiperlipidemia.

Conclusão

Diante disso, é possível concluir que o glomérulo é um conjunto de capilares responsáveis por receber o fluxo sanguíneo renal e filtrá-lo, auxiliando, portanto, na formação da urina a ser excretada pelo organismo. Esse processo de filtração, por sua vez, é mediado pela barreira de filtração glomerular, constituída pela união entra as membranas basais do endotélio capilar e dos podócitos.

Dessa forma, o filtrado glomerular é determinado, principalmente, pela pressão efetiva de filtração nos capilares e pelo coeficiente de filtração desses vasos, sendo que apresenta constituição quase que semelhante à plasmática, com exceção da mínima presença de proteínas. Para que se mantenha em uma taxa constante, existe ainda um mecanismo de autorregulação, formado pelo feedback tubuloglomerular e pela capacidade miogênica dos vasos.

Assim, quando há comprometimento desse processo ou alterações das características das alças glomerulares, glomerulopatias como as síndromes nefríticas e as síndromes nefróticas podem ser desencadeadas e, caso não tratadas, podem levar à insuficiência renal.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

BERNE, Robert M.; LEVY, Matthew N.; KOEPPEN, Brune M.; STANTON, Bruce A. Berne & Levy: fisiologia. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2018.

GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de fisiologia médica. 13 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.

JUNQUEIRA, L. C. U.; CARNEIRO, J. Histologia básica texto e atlas. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.

TITAN, Silvia. Princípios Básicos de Nefrologia. 1. Ed. Grupo A, 2013.