Alergologia e imunologia

Hanseníase e o fenômeno de Lúcio | Colunistas

Hanseníase e o fenômeno de Lúcio | Colunistas

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Hanseníase

A hanseníase é uma doença infectocontagiosa que acomete, principalmente, a pele. O agente etiológico é o bacilo Mycobacterium leprae, transmitido por meio de secreções do nariz e por gotículas de saliva contaminados, através da convivência próxima e prolongada com indivíduos que apresentem o tipo multibacilar da doença. Essa doença é classificada em 2 grupos, sendo eles o paucibacilar e o multibacilar. Do primeiro grupo, fazem parte as formas da hanseníase indeterminada e a tuberculoide, já do segundo grupo, a hanseníase borderline ou dimorfa, e a virchowiana. Contudo, é na hanseníase virchowiana que ocorre o fenômeno de Lúcio.

O fenômeno de Lúcio caracteriza-se por lesão cutânea necrosante grave em portadores da hanseníase virchowiana que não foram tratados ou que o tratamento foi inadequado. Sua incidência é rara, há relatos de casos em regiões da América Central e raramente em regiões da América do Sul, Sudeste Asiático, EUA, África do Sul e Í ndia.

As manifestações clínicas da hanseníase dependem mais da resposta imunocelular do hospedeiro ao Mycobacterium leprae do que da capacidade de multiplicação do bacilo, possuindo período de incubação longo, entre 2 e 10 anos.

Sintomas da Hanseníase

  • Manchas na pele de cor parda, esbranquiçadas ou eritematosas;
  • Comprometimento dos nervos periféricos, olhos e outros órgãos;
  • Dormência em algumas regiões do corpo causada pelo comprometimento da enervação;
  • Perda da sensibilidade local, ocasionando feridas e possível perda de membros;
  • Presença de caroços ou inchaços nas partes mais frias do corpo, como orelhas e mãos;
  • Alteração da musculatura das mãos, o que resulta nas chamadas “mãos de garra”;
  • Infiltrações e edemas na face que caracterizam a face leonina, característica da forma virchowiana da doença.

Hanseníase Virchowiana

A forma Virchowiana é caracterizada pela forma multibacilar com alto poder de disseminação por via hematogênica. Normalmente, se manifesta em indivíduos com imunidade celular deprimida para o bacilo Mycobacterium leprae. A evolução para a fase crônica da doença é marcada por uma infiltração progressiva e difusa da pele, mucosas das vias aéreas superiores, olhos, testículos, nervos, linfonodos e outros órgãos, proporcionando dificuldade em separar a pele normal da pele danificada. Pode haver a ocorrência de neurite e eritema nodoso na pele. Devido à infiltração que ocorre na face, o individuo portador de hanseníase virchowiana possui a fácies característica dessa doença, a fácies leonina.

Manifestação clínica

Na pele, as lesões cutâneas costumam ser múltiplas e simétricas, há presença de pápulas, nódulos, máculas hipocrômicas eritematosas ou acastanhadas com bordas mal definidas, principalmente nas regiões da face e membros, deixando a pele com aspecto xerótido e brilhante. Em relação aos pelos, há acentuada madarose nas áreas dos membros, cílios e supercílios. Já o comprometimento de nervos ocorre na inervação vascular e nos troncos nervosos, podendo ocasionar ao paciente, deficiências funcionais e sequelas tardias.  A hanseníase virchowiana pode manifestar-se precocemente através dos seguintes sinais e sintomas: obstrução nasal, rinorreia serossanguinolenta e edema de membros inferiores.

Hanseníase virchowiana: ressecamento da pele e hansenomas nas pernas.
Fonte: http://files.bvs.br/upload/S/1413-9979/2012/v17n4/a3329.pdf

Histopatolologia

A forma virchowiana evidencia granulomas histiocitários, com alteração lipídica, formando células espumosas vacuolizadas, ou seja, as células de Virchow, que são ricas em bacilos. A presença de linfócitos é escassa e a epiderme está achatada e separada do infiltrado inflamatório por fibras colágenas (faixa de Unna).

Fenômeno de Lúcio

Trata-se de uma complicação da hanseníase virchowiana, decorrente do tratamento inadequado ou ausente da hanseníase. Ocorre principalmente em algumas regiões da América Central, como no Caribe e no México, tendo poucos relatos em outras regiões do mundo. A partir de vários estudos, foram demonstrados que fatores genéticos e regionais do indivíduo, e fatores específicos do bacilo Mycobacterium leprae, alteram as manifestações do fenômeno de Lúcio. Trata-se de um infarto hemorrágico de áreas cutâneas, causado pela oclusão de veias dos plexos da derme profunda e do tecido subcutâneo, envolvidos previamente pela infiltração virchowiana.

Manifestação clínica

É caracterizado por grande número de lesões eritematosas infiltradas, que evoluem com necrose central e posterior ulceração. Pode haver presença de bolhas flácidas e escuras, que, ao se romperem, podem deixar ulceração profunda, geralmente precedida de dor. As lesões são caracterizadas por necrose isquêmica da epiderme e derme, grande infestação de células endoteliais com bacilos resistentes e proliferação endotelial, e até trombose nos vasos maiores da derme mais profundae extravasamento de hemácias.

Um paciente com Fenômeno de Lúcio se comporta como um grande queimado, pois perde água, sais minerais e proteínas pelas ulcerações que apresenta, e também, está sujeito à infecção bacteriana das mesmas. Alguns autores consideram seu prognóstico grave, podendo evoluir a óbito por alterações sanguíneas ou por sepse. O diagnóstico clínico deve ser confirmado através de biópsia cutânea, pois o fenômeno de Lúcio pode ser confundido com as ulcerações usuais da hanseníase lepromatosa.

Extensas lesões erosadas eritemato-violáceas com bolhas e secreção sero-sanguinolenta no dorso do antebraço e mão.
Fonte: https://revista.spdv.com.pt/index.php/spdv/article/view/491/374

Alterações histopatológicas

Há proliferação endotelial com obstrução do lúmen, podendo ser observada a associação com trombose de vasos dérmicos e subcutâneos. Presença de infiltrado inflamatório mononuclear e denso, agregado de bacilos resistentes na parede endotelial. Pode, também, apresentar-se como vasculite leucocitoclástica de pequenos e médios vasos, com alta carga de bacilos íntegros no endotélio vascular, observados pelo aparecimento de lesões maculares equimóticas, evoluindo com ulcerações superficiais de contornos irregulares que, ao cicatrizar, dão lugar a cicatrizes atróficas. As lesões podem ocorrer em pequeno número ou serem numerosas, e acometer grandes áreas da pele. Nesses casos, o paciente se comporta como um grande queimado, sendo necessária a monitorização para evitar infecção secundária.

Tratamento

O tratamento para o fenômeno de Lúcio é muito eficaz e se baseia em tratar a hanseníase virchowiana, sendo fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ele é capaz de proporcionar a cura do paciente, diminuir a chance de progressão da doença, porém, não é capaz de reverter os danos causados aos nervos nem mudança física que pode ter ocorrido no paciente, como no caso da fácies leonina. Por ser do grupo multibacilares, o tratamento tem a duração de 1 ano, ou até mais, caso haja necessidade.

O Tratamento é feito através da poliquimioterapia, ou seja, a utilização de vários medicamentos para tratar a doença. As drogas mais utilizadas são a rifampicina, dapsona e clofazimina. Após a primeira dose da medicação, o paciente já é passível de conviver com outras pessoas sem o risco de transmissão da doença.

Conclusão

A hanseníase é uma doença infectocontagiosa, causada pelo bacilo Mycobacterium leprae, transmitido por meio de secreções oral e nasal através da convivência próxima e prolongada com indivíduos portadores da doença. Um dos tipos de hanseníase, a Virchowiana, é manifestada por meio de múltiplas lesões cutâneas, pápulas e nódulos, que podem evoluir com destruição e perda de tecido, levando a consequências graves ao paciente.  Quando não tratada, ou se tratada de modo inadequado, a hanseníase virchowiana pode ter complicações como o aparecimento do fenômeno de Lúcio.

O fenômeno de Lúcio é uma complicação rara, tem como característica presença de lesões maculares eritematosas purpúricas, acompanhadas de dor, e podem evoluir para necrose e ulcerações. Muitas vezes, o paciente é tratado como um grande queimado, pois há grande perda de água, eletrólitos e proteínas. O tratamento baseia-se na poliquimioterapia, em que, após a primeira dose, o paciente já pode conviver em sociedade sem o risco de transmissão.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências

https://revista.spdv.com.pt/index.php/spdv/article/view/491/374

https://www.minhavida.com.br/saude/temas/hanseniase

https://www.sbd.org.br/dermatologia/pele/doencas-e-problemas/hanseniase/9/

http://files.bvs.br/upload/S/1413-9979/2012/v17n4/a3329.pdf

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0037-86822003000300010&script=sci_arttext&tlng=pt

https://www.medigraphic.com/pdfs/cutanea/mc-2005/mc053g.pdf

http://periodicos.ses.sp.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-51612009000200006&lng=pt