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Infecção por HPV e câncer de colo uterino

Infecção por HPV e câncer de colo uterino

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HPV: tudo o que você precisa saber para sua prática clínica!

O Papiloma Vírus Humano (HPV) é um vírus sexualmente transmissível de grande relevância clínica, dada sua associação ao câncer de colo uterino (CCU). 

Tal patologia, além de significativamente prevalente, apresenta grandes impactos na qualidade de vida de suas portadoras, haja vista o risco de esterilidade e os tabus relacionados a ela. 

No presente artigo, serão descritos em detalhes os principais aspectos clínicos-patológicos da infecção por HPV e do CCU.

Vem com a gente!

Histologia cervicovaginal do HPV

Para compreender aspectos relacionados à infecção por HPV e ao CCU, é importante conhecer como se organiza a histoarquitetura cervicovaginal. 

A região do colo uterino de maior relevância no tocante a tais patologias denomina-se zona de transição ou junção escamocolunar (JEC). Está localizada entre duas áreas cervicais histologicamente distintas chamadas de ectocérvice e endocérvice. 

A primeira apresenta epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado firmemente aderido à lâmina basal subjacente via hemidesmossomos. 

Já a segunda caracteriza-se pela presença de um epitélio colunar simples, também aderida à lâmina basal subjacente pelo mesmo mecanismo. 

A região da junção escamocolunar apresenta características históricas de transição entre estas duas áreas.

Ainda em relação a aspectos histológicos relevantes, é importante identificar na JEC células em contato direto com a lâmina basal subjacente denominadas células basais, responsáveis pela renovação celular do epitélio local por meio de processos como proliferação e ascensão. 

Acima da camada de células basais, estão as camadas de células parabasais, intermediárias e superficiais, dispostas, respectivamente, em sentido proximal-distal à lâmina basal. 

HPV: epidemiologia, etiologia e transmissão

O HPV, caracterizado como desoxivírus bicatenário (portador do DNA de dupla fita), é transmitido majoritariamente por via sexual desprotegida. Sendo a abrasão da mucosa vaginal durante o coito um fator facilitador para a contaminação viral. 

85% dos casos de CCU associados à infecção por HPV são do tipo epidermóides, com acometimento do epitélio escamoso vaginal. 

Os demais casos compreendem adenocarcinomas, os quais não guardam relação direta com o vírus HPV. E são caracterizados pelo acometimento do epitélio vaginal glandular. 

Comportamentos de risco para o desenvolvimento do carcinoma

Embora o carcinoma epidermóide seja mais prevalente em relação ao adenocarcinoma, este último vem apresentando maior incidência em função de maus hábitos de saúde como o tabagismo, o alcoolismo e a obesidade. Tais hábitos também favorecem a instalação do carcinoma epidermóide.

A práticas sexuais sem proteção e com múltiplos parceiros para aqueles que iniciaram sua vida sexual precocemente ou que possuem parceiros adeptos destas práticas apresentam maiores chances de contrair o HPV e, por conseguinte, de desenvolver o CCU.

Em condições de imunodepressão mediadas pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), cuja infecção também é mais provável diante das práticas sexuais anteriormente descritas, as chances são aumentadas. 

Alguns estudos apontam ainda a multiparidade e a utilização de anticoncepcionais orais como fatores de risco para carcinogênese em pacientes infectadas.

Dentre os diversos subtipos do HPV, destacam-se aqueles de maior potencial oncogênico, identificados como subtipos 16 e 18. 

Assim, dada a presença de subtipos não oncogênicos, como os subtipos 6 e 11, nem toda infecção por HPV resulta em processos neoplásicos, embora a maior parte dos carcinomas epidermóides de colo uterino estejam ligados ao HPV.

Fisiopatologia do HPV

Uma vez liberado no organismo feminino, o HPV insere seu material genético na forma de epissomo (DNA circular) no interior das células basais da JEC.

Prolifera-se em seu interior à medida que tais células se dividem e ascendem em direção à região superficial do epitélio ectocervical. O que caracteriza seu ciclo proliferativo como lisogênico. 

As cópias virais são liberadas quando as células infectadas alcançam a superfície do epitélio cervicovaginal, liberando também as denominadas oncoproteínas virais, capazes de induzir processos neoplásicos.

O HPV apresenta dois importantes grupos de genes: aqueles classificados como E, responsáveis pela replicação do DNA viral, e aqueles denominados L, associados à transcrição das proteínas do capsídeo viral. 

Para que haja replicação do DNA epissomal, é necessária a ação da proteína E1, expressa pelo gene de mesmo nome. 

O potencial oncogênico do HPV se revela quando seu material genético deixa sua forma circular e se integra ao genoma humano. 

Isso se dá através do rompimento do epissomo em sua porção codificadora do gene E2, cujo produto proteico é responsável pela inibição das oncoproteínas E6 e E7, indutoras, por sua vez, da ativação dos genes do grupo L.

Oncogênese

As oncoproteínas E6 e E7 apresentam potencial para formar complexos inativos ao se ligarem às proteínas infra reguladoras do ciclo celular P53 e Rb, respectivamente; expressas pelos genes supressores de tumor TP53 e RB. 

Além disso, a oncoproteína E6 estimula a síntese da enzima telomerase. Que é responsável por retardar o desgaste telomérico do material genético para que estes não alcancem o limiar necessário para ativação da via intrínseca da apoptose. 

Deste modo, formam-se células imortalizadas que se proliferam a todo momento. Independentemente da presença de alterações possivelmente carcinogênicas do DNA, o que favorece o acúmulo de mutações e o processo neoplásico.  

Achados clínicos e achados histopatológicos

Em mulheres

Inicialmente, pacientes do sexo feminino apresentam-se assintomáticas, favorecendo a transmissão do vírus se não realizado o diagnóstico precoce.

Quando sintomático, o HPV pode induzir a formação de verrugas genitais, perineais e perianais denominadas condilomas acuminados. 

Na presença de lesões neoplásicas, não raro ocorrem sangramentos vaginais anormais em situações de esforço ou durante as relações sexuais, leucorreia e dores pélvicas ou abdominais. 

Vale lembrar que para pacientes hígidas, é relativamente comum a resolução espontânea do quadro infeccioso em até 2 anos ou manutenção da infecção em estado de latência por longos períodos.

Em homens

Pacientes masculinos, por sua vez, também podem apresentar condilomas acuminados. Embora estes sejam mais raros se comparada sua incidência na população feminina. 

Com isso, os homens são considerados importantes vetores do vírus HPV. Devendo ser enquadrados nas medidas de prevenção não ginecológicas do CCU, como a educação sexual, utilização de preservativos e vacinação. 

Vale lembrar que condilomas acuminados são normalmente induzidos pelos tipos não oncogênicos do HPV. Podendo haver instalação de câncer de pênis na vigência de infecções por subtipos oncogênicos. 

Alguns estudos apontam a circuncisão e o processo de queratinização da glande do pênis dela resultante como fator redutor das chances de contração viral por pacientes masculinos.

Achados histopatológicos mais comuns do HPV

Dos achados histopatológicos mais característicos do CCU mediado pelo HPV destacam-se a chamada:

  • Coilocitose (vacuolização e abaulamento celular)
  • Binucleação (presença de dois núcleos no interior de uma única célula após mitose incompleta). 

Prevenção e diagnóstico

A prevenção da infecção pelo vírus HPV se dá por meio da:

  • Educação sexual em relação ao tema
  • Uso de preservativos durante o sexo
  • Vacinação oferecida gratuitamente pelo SUS.

As vacinas são bivalentes contra os tipos oncogênicos 16 e 18. Tetravalentes contra os tipos oncogênicos e não oncogênicos 16,18, 6 e 11. Ambas aplicadas preferencialmente até os 14 anos são indispensáveis.

A realização dos exames do Papanicolau e colposcopia são úteis para realização de rastreio e diagnósticos precoces.   

Estima-se que se 80% das mulheres realizassem periodicamente os exames preventivos, a incidência de CCU reduziria em 75%. 

Estes devem ser iniciados concomitantemente ao início da vida sexual da paciente, segundo a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), ou a partir dos 25 anos, segundo o SUS. 

Sua realização deve ser periódica até os 64 anos, quando dois resultados negativos consecutivos num período de 5 anos permite a interrupção das consultas periódicas. 

Quando estas são iniciadas, deve haver entre o primeiro e o segundo exame um intervalo de um ano. Na presença de resultados negativos para ambos, estes podem ser repetidos bienalmente segundo a FEBRASGO, e trienalmente segundo o SUS. Se resultados positivos, tais exames devem ser repetidos semestralmente. 

HPV: frequência dos exames

Do ponto de vista de saúde pública, a frequência de realização do Papanicolau preconizada pelo SUS é tida como suficiente, dado o período de cerca de 5 anos após a infecção pelo HPV para que se iniciem processos neoplásicos.

A realização do Papanicolau mostra-se pouco dispendiosa e de rápida realização. Dado os materiais simples utilizados para colheita e preparação da lâmina enviada à análise histopatológica. 

A colposcopia, por sua vez, indicada se identificadas lesões cervicovaginais, embora demande de um colposcópio para melhor visualização do colo uterino e iluminação destes com filtros de luz específicos, também utiliza de materiais simples para colheita e para evidenciar regiões possivelmente neoplásicas. 

O exame do Papanicolau e a colposcopia são contraindicados a gestantes, usuárias de anticoagulantes e coagulopatas não tratadas, dado o risco de sangramentos. Para sua realização devem ser evitados o uso de pomadas, lubrificantes e o período menstrual, a fim de favorecer a visualização cervical e a colheita do material.

Os testes de Schiller

O lugol (solução de Schiller) é a substância utilizada nos materiais coletados durantes os exame. Ele torna acastanhadas células não displásicas ao reagir com o glicogênio em seu interior.

Embora sejam pouco específicos, esses testes são bastante sensíveis. Aqui, as células displásicas não se coram ou apresentam-se pouco coradas e amareladas, e o ácido acético, o qual desidrata células displásicas do colo uterino, as tornas esbranquiçadas. 

Ambas as soluções podem ser utilizadas individualmente ou em conjunto, a depender das alergias da paciente e da necessidade de sensibilização do exame.

Classificação dos achados (Bethesda e NICs)

Os achados histopatológicos decorrentes da análise microscópica do material colhido por meio do exame do Papanicolau (citologia cervicovaginal ou citologia oncótica) e via colposcopia podem ser classificados de diversas formas.

Atualmente, utilizam-se os chamados critérios de Bethesda, segundo os quais podem ser constatadas durante análise histopatológica:

  • Células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASCUS);
  • Células escamosas atípicas não podendo descartar lesões de alto grau (ASC H);
  • Lesões intraepiteliais escamosas de baixo grau (LSIL);
  • Lesões intraepiteliais escamosas de alto grau (HSIL)
  • Carcinoma invasivo. 

As lesões intraepiteliais escamosas de baixo e alto grau encontram correspondência em outra classificação. A qual estabelece os conceitos de neoplasia intraepitelial cervical (NICs) grau I, II e III. 

Lesões de baixo grau correspondem a NIC I, enquanto as de alto grau a NICs II e III. 

  • Em NIC I, há displasia leve, coilocitose e binucleação, com acometimento do terço proximal à lâmina basal do epitélio cervical. 
  • Em NIC II, há displasia moderada, com acometimento dos dois terços proximais à lâmina basal do epitélio cervical. 
  • NIC III, há displasia intensa e acometimento integral do epitélio cervical, o que é denominado carcinoma in situ

O carcinoma invasivo, resultante de HSIL ou NIC III não tratados, é caracterizado pela invasão da derme vascularizada subjacente à lâmina basal com rompimento desta última. Isso que favorece o processo metastático.

Tratamento do câncer do colo de útero

Em função dos distintos graus de evolução do processo neoplásico do colo uterino, a região cervical em que se desenvolve a neoplasia pode ser retirada cirurgicamente através de um processo denominado conização.

Na conização, é realizada uma incisão em formato de cone cuja base encontra-se voltada para o óstio vaginal. A altura do cone e o diâmetro de sua base variam de acordo com o tamanho da lesão. 

Já em caso de carcinoma invasivo, está indicada a histerectomia total. 

A abordagem cirúrgica a ser selecionada como tratamento deve sempre levar em consideração as aspirações reprodutivas da paciente, dado o impacto da infertilidade em mulheres jovens e que almejam filhos.    

Vacina contra o HPV e sua eficácia na prevenção de infecções e do câncer do colo de útero

A vacina contra o HPV é um método seguro e eficaz que possui a capacidade de prevenir os tipos de HPV que apresentam um risco potencial alto de desenvolver câncer.

Por isso, sua administração antes do início da vida sexual é uma estratégia preconizada pela OMS como prevenção indispensável. Cabe destacar ainda que a eficácia tende a ser maior quando aplicada no público entre 9 e 14 anos.

No público feminino, uma outra estratégia importante é a realização do exame preventivo de Papanicolau. Esse exame auxilia na identificação de lesões que podem provocar o câncer de colo do útero.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu como meta a eliminação do câncer de colo do útero. A estratégia principal para atingir essa meta é justamente a vacinação em massa do público jovem.

Conclusão

A infecção por HPV e o CCU são entidades clínicas altamente prevalentes e de impactos significativamente negativos para a qualidade de vida destas pacientes.

A prevenção e o diagnóstico precoce podem ser realizados de forma acessível econômica, efetiva e eficaz. Reduzindo drasticamente, quando corretamente colocadas em prática, a incidência destas patologias. 

Desta forma, reduzem-se onerosos gastos em saúde pública para tratamento cirúrgico e todos os serviços envolvidos. Poupando também as pacientes de procedimentos invasivos e de fortes impactos psicossociais, sobretudo entre mulheres jovens. 

O conhecimento dos aspectos até então descritos para tais patologias é fundamental para que profissionais da saúde. Para que assim, suas pacientes coloquem em prática medidas de promoção em saúde de extrema relevância para o controle do HPV e do câncer de colo uterino.

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Autores


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Referência bibliográfica

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