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Intoxicação digitálica: do reconhecimento ao manejo | Colunistas

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Com sua descrição datada de 1785, os digitálicos são drogas derivadas da planta Digitalis sp., utilizadas na Medicina com o fim de tratar algumas condições cardíacas, como a fibrilação atrial. Apesar do decréscimo na sua utilização na prática contemporânea, a intoxicação digitálica ainda é uma realidade, configurando uma emergência que necessita ser identificada e manejada de modo preciso e precoce.

Como os digitálicos atuam?

Antes de tudo é importante relembrar o mecanismo de contração miocárdica: inicialmente, a despolarização dos miócitos acontece com a abertura dos canais rápidos de sódio. A entrada do sódio em maior quantidade gera um potencial de membrana que permite o influxo, também, do cálcio. Essa entrada induz uma liberação do adicional de cálcio e, consequentemente, contração muscular. Sucedendo esse processo, o sódio é removido, especialmente, pela ATPase de sódio e potássio.

É exatamente nessa última etapa que atuam os digitálicos, que têm como principal representante a digoxina: inibem a ATPase da bomba, retendo o sódio e, consequentemente, o cálcio intracelular, aumentando o inotropismo. Somado a isso, os digitálicos têm a capacidade de aumentar o tônus vagal, diminuindo a condução pelos nós sinoatrial e atrioventricular. Ou seja, os digitálicos são cardiotônicos que atuam diretamente na excitabilidade, automaticidade, velocidade de condução e períodos refratários.

Características

  • Administração: via oral
  • Absorção: 1 a 2h
  • Redistribuição secundária: 6h
  • Meia vida: 36h
  • Excreção: predominantemente renal
  • Níveis terapêuticos: 0,8 a 2ng/mL

Como reconhecer uma intoxicação digitálica?

Fatores de risco para toxicidade

Grande parte dos fatores de risco para toxicidade por digitálicos estão relacionados ao aumento da ingesta da droga ou dificuldade de excreção da mesma. Importante vigilância deve ser conduzida aos idosos que apresentam especial risco devido a polifarmácia típica da idade. Além destes, os principais fatores estão listados a seguir:

  • Extremos de idade;
  • Descompensação de doença cardiovascular de base;
  • Insuficiência renal importante;
  • Coingestão de drogas indutoras de bradicardia e hipotensão;
  • Overdose intencional;
  • Hipocalemia.

A dose terapêutica é bastante próxima à dose tóxica, o que torna  a digoxina um medicamento que necessita cautela em sua prescrição e administração.

Manifestações clinico-laboratoriais e eletrocardiográficas

Apesar de as principais e mais temidas manifestações da intoxicação por digitálicos ocorrerem a nível cardíaco, existem outros sinais e sintomas que podem estar presentes nos pacientes com essa toxicidade. É possível perceber alterações neurológicas como tontura, rebaixamento do nível de consciência, xantopsia e cefaleia; gastrointestinais como anorexia, náuseas, vômitos e dores abdominais; se fazem presentes, também, alterações visuais e respirações encurtadas.

As alterações cardíacas são traduzidas clinicamente por taqui ou bradicardia, bem como por palpitações. Mas é no ECG que os danos cardíacos tornam-se mais explícitos e melhores avaliados. A intoxicação pode ser manifestada por uma série de distúrbios de ritmo, especialmente as extrassístoles ventriculares; podem haver, também, bradicardias, taquiarritmias atriais com bloqueio atrioventricular, taquicardia ventricular bidirecional e fibrilação ventricular.

É preciso estar cuidadosamento atento às anormalidades de condução no ECG, porque podem servir de pista para a suspeição de uma possível toxicidade enquanto os níveis séricos da droga ainda não estão disponíveis.

Existe, ainda, uma certa diferença entre o perfil dos pacientes com intoxicação aguda e daqueles com intoxicação crônica:

  • Aguda: taquiarritmia e hipercalemia
  • Crônica: bradiarritmia e hipocalemia

Como diagnosticar

O diagnóstico de toxicidade digitálica depende de muitos fatores como uma história clínica favorável, alterações clínicas e eletrocardiográficas (descritas anteriormente), associadas com níveis aumentados da medicação no sangue. É preciso atentar que os níveis isolados de digoxinemia não fazem diagnóstico de intoxicação.

Para os pacientes com intoxicação aguda é necessário que a coleta seja feita em até 6h após ingestão; para acúmulo crônico a coleta pode ser conduzida já na admissão. Além disso, outros eletrólitos – sódio, cálcio, magnésio e fósforo – devem ser dosados, visto que a função renal influencia na toxicidade pelos digitálicos. Importante avaliar glicemia capilar em todos os pacientes.

Não menos importante, todo caso suspeito de intoxição por digitálicos deve ser devidamente notificado (T46.0 – Intoxicação por glicosídeos estimulantes do coração e substâncias de ação semelhante).

Diagnósticos diferenciais

  • Intoxicação por outros medicamentos potencialmente indutores de arritmia (bloqueadores dos canais de cálcio, betabloqueadores, clonidina, organofosfatos ou carbamatos);
  • Síndrome do nó sinusal;
  • Infarto agudo do miocárdio;
  • Distúrbios eletrolíticos de outra causa.

Como manejar um paciente com intoxicação digitálica?

O paciente com intoxicação digitálica deve ter cuidados sistêmicos e tratamento específico para a intoxicação. Além de assegurar vias aéreas, estabilidade hemodinâmica e monitorização cardiorrespiratória, é possível conduzir o paciente com algumas das seguintes medidas.

Cuidados sistêmicos

  • Rins: por ser o principal responsável pela excreção da droga, é de suma importância restaurar a perfusão renal corrigindo os distúrbios eletrolíticos. Para isso, devem ser administrados cristaloides para converter a hipotensão e hipovolemia.
  • Trato Gastrointestinal: considerada terapia adjuvante, é possível realizar a descontaminação com carvão ativado em 1h a 2h para pacientes com baixo risco de aspiração.
  • Coração: para pacientes com bradicardia significativa com instabilidade hemodinâmica, pode ser feito atropina em dose inicial e repetir em até 5 minutos em dose máxima de 3mg/dia. Outra opção é a estimulação cardíaca intravenosa.

Cuidados específicos

Partindo para a terapia específica, entra o papel do antídoto específico anticorpo antidigoxina chamado de digoxina-FAB. Esses anticorpos são o tratamento de escolha para intoxicações agudas com hipercalemia e para intoxicações agudas ou crônicas com qualquer arritmia potencialmente letal. De modo geral, alguns critérios são avaliados para a introdução da digoxina-FAB no tratamento:

  • Ingesta oral da droga > 10mg em adultos;
  • Níveis séricos de digoxina > 15 ng/mL dentro das 6 primeiras horas da ingestão ou > 10 ng/mL após as 6 horas;
  • Digoxina sérica persistentemente elevada em sintomáticos;
  • Usuários de digoxina com arritmia ameaçadora à vida sem nível sérico conhecido;
  • Pacientes em terapia com digoxina com K+ > 5mEq/L inexplicado, sem nível sérico conhecido.

A dose do antídoto depende das condições clínicas do paciente e da temporalidade do acúmulo tóxico. Sabe-se que uma unidade de digoxina-FAB se liga, aproximadamente, a 0,5mg da digoxina, neutralizando-a. Desse modo, foi estabelecida a dose empírica endovenosa para quando a quantidade ingerida não é conhecida:

  • Ingesta aguda = 10 a 20 frascos (400 a 800mg)
  • Ingesta crônica = 3 a 6 frascos (120 a 240mg)

Os efeitos reversores do antídoto se iniciam em 20 minutos, os mais tardios podendo chegar ao máximo de 1 hora e 30 minutos.

Importante ressaltar que a administração do cálcio endovenoso não é uma boa escolha para pacientes intoxicados por digoxina devido ao seu potencial arritmogênico, principalmente levando em consideração que o paciente em questão já é portador de um distúrbio cardíaco.

Autora: Lara Brito

Instagram: @britolara


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

  • HELBER, Izo; TUCCI, Paulo J. F. Digitálicos: os resultados do DIG no século XXI. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 95, n. 4, p. e108–e111, 2010.
  • REISDORFF, Earl J.; CLARK, Michael R.; WALTERS, Bradford L. Acute digitalis poisoning: The role of intravenous magnesium sulfate. Journal of Emergency Medicine, v. 4, n. 6, p. 463–469, 1986.
  • VELASCO, Irineu Tadeu; SOUZA, Heraldo Possolo De; MARINO, Lucas Oliveira. Medicina de Emergência – 14a Edição Abordagem Prática. [s.l.: s.n.], 2020.
  • MedicinaNET: https://bityli.com/oMXAH

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