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Entende-se por intoxicação o quadro clínico formado pelo conjunto de sinais, sintomas e efeitos adversos dose-dependentes causado pela exposição a agentes químicos, fármacos ou outros xenobióticos (compostos químicos estranhos ao organismo, sejam artificiais ou naturais). O ópio é extraído a partir da papoula (Papaver somniferum), planta cultivada desde 3400 a.C. na Mesopotâmia.
Em 330 a.C., Alexandre, o Grande levou o ópio à Pérsia e à Índia. Durante a Inquisição, estava ligado ao diabo, de modo que sua utilização no continente reduziu (imagem 1). Parteiras eram acusadas de bruxaria por utilizar a planta no auxílio às gestantes com a finalidade de aliviar as dores do parto. Entendia-se que a dor era uma punição por cometer o pecado da luxúria e este castigo não deveria ser impedido.
Foi reintroduzido na literatura médica no início do século XVI durante a Reforma Protestante. A morfina foi sintetizada em 1803 por Friedrich Sertürner, mas sua produção comercial só começou em 1827, na Alemanha. Em 1843, Dr. Alexander Wood descobre a administração injetável da morfina, com diminuição no período de ação e aumento da potência.

Classificação na CID-10
F11 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de opioides:
.0 – Intoxicação aguda;
.1 – Uso nocivo para a saúde;
.2 – Síndrome de dependência;
.3 – Síndrome de abstinência;
.8 – Outros transtornos mentais ou comportamentais;
.9 – Transtorno mental ou comportamental não especificado.
Diagnóstico da intoxicação por opioides
A intoxicação (overdose) pode ser muitas vezes confundida com um quadro de síndrome de abstinência. Os sinais de intoxicação incluem:
- Ativação e ímpeto (com dosagens menores);
- Sedação/apatia (com dosagens maiores);
- Euforia ou disforia (angústia);
- Sentimento de calor, rubor facial;
- Coceira;
- Juízo, atenção e memória prejudicados;
- Constrição pupilar;
- Analgesia (perda da sensação de dor);
- Sonolência;
- Depressão respiratória, arreflexia, hipotensão, taquicardia;
- Constipação;
- Retenção urinária.
Os sinais de abstinência pelo uso de opioides são semelhantes, por isso devemos estar atentos às sutilezas de ambos os quadros clínicos:
- Humor depressivo, angústia;
- Fissura (do inglês craving, significa o desejo incontrolável por uma substância);
- Lacrimejamento, rinorreia;
- Piloereção (arrepios);
- Atenção aumentada;
- Hiperreflexia;
- Taquicardia;
- Hiperalgesia, sobretudo nas articulações e músculos;
- Náusea, vômitos;
- Dilatação pupilar e fotofobia;
- Insônia;
- Câimbras gastrointestinais e diarreia.
Farmacologia e uso dos opioides
Os opiáceos são classificados em naturais, semissintéticos e sintéticos (quadro 1).
Naturais | Ópio, morfina, codeína, tebaína |
Semissintéticos | Heroína, oxicodona, hidroxicodona, oximorfona, hidroximorfona |
Sintéticos | Metadona, meperidina, petidina, fentanil, levo-α-acetilmetadol (LAAM), cloridrato de alfentanil, cloridrato de tramadol |
Os opiáceos naturais são substâncias extraídas diretamente do cálice da papoula (imagem 2); os semissintéticos são resultado de uma modificação parcial da substância; e os sintéticos são obtidos em laboratório por meio da replicação da estrutura química do opiáceos. Seu mecanismo de ação baseia-se na atuação como agonistas de receptores opioides específicos pré ou pós-sinápticos, localizados principalmente no sistema nervoso central e no sistema nervoso periférico.

Na década de 1970, foram descobertos três receptores opioides nomeados com letras gregas de acordo com a correspondente inicial de cada substância utilizada para estimulá-lo: receptor µ (mu) ativado pela morfina; κ (kappa) responsivo à cetociclazocina e; σ (sigma) pela substância SKF 10047. Esta depois foi descoberta por atuar por meio de receptores glutamatérgicos. Na década de 1980, surgiu um novo tipo de receptor, denominado δ (delta), estimulado pela deltorfina.
Esses receptores são estimulados por substâncias endógenas como a endorfina, o que propicia a sensação de bem estar e analgesia. Os receptores µ regulam funções como a nocicepção, o ciclo respiratório e o trânsito intestinal, estando localizados nas lâminas III e V do córtex cerebral (imagem 3), tálamo, substância cinzenta periaquedutal, substância gelatinosa e trato gastrintestinal. Os receptores µ são os responsáveis pela maioria dos efeitos clínicos conhecidos dos opioides.

Receptores δ (delta) são responsáveis pela analgesia, modulação de funções cognitivas e dependência física. São localizados nos núcleos pontinos, amígdalas, bulbo olfatório, córtex cerebral profundo e neurônios sensitivos periféricos. Os receptores κ se relacionam às funções de nocicepção, termorregulação, controle de diurese e secreção neuroendócrina e estão localizados no hipotálamo, substância cinzenta, medula espinhal e neurônios sensitivos periféricos.
Os opioides são indicados nos seguintes casos:
- Como analgésicos em dores agudas de difícil controle;
- No manejo da dor crônica;
- Constituem as drogas de escolha para o tratamento da dor aguda pós-operatória, grandes queimaduras ou politraumatizados;
- Na psiquiatria, seu uso é bem restrito: indicado no tratamento de dependentes, tanto na desintoxicação como na terapia de manutenção. Na desintoxicação, a retirada dos opioides pode ser feita por meio da redução gradativa na dosagem ou pela troca por um opioide de longa ação. Na terapia de manutenção, é feita a substituição por um opioide de longa ação, que é usado por um período maior (até anos);
- Anestésicos gerais e adjuvantes à anestesia.
Opioides e seus antídotos
Para entender como reverter os efeitos da intoxicação por opioides, é necessário compreender seus mecanismos de ação. Os opioides podem ser administrados por diferentes vias: oral, retal, subcutânea, intravenosa, inalatória. As propriedades físico-químicas das substâncias determinam o grau de acesso aos órgãos-alvo, bem como a velocidade de eliminação pelo organismo. A overdose ocorre quando o organismo não consegue eliminar a droga mais rapidamente do que ela é absorvida.
A primeira medida é identificar sinais de gravidade, como bradipneia, miose e rebaixamento de consciência em um paciente. Neste momento, o médico deve buscar sinais de depressão respiratória grave e iniciar a oxigenação e a recuperação da ventilação do paciente imediatamente. Após a estabilização, devemos observar se o paciente possui sintomas de gravidade persistentes, sendo necessária a administração de antídoto.
O antídoto utilizado é um antagonista opioide, a naloxona. A substância tem meia-vida muito curta e costuma reverter rapidamente o quadro de inconsciência e a apneia na maioria dos pacientes. Caso o acesso intravenoso (IV) não esteja imediatamente disponível, a administração por via intramuscular, intranasal ou por via subcutânea também são alternativas eficazes. Uma 2ª ou 3ª dose pode ser administrada se não houver resposta em 2 minutos. Derivados de fentanil podem exigir doses mais altas (infusão contínua de 2/3 da dose necessária até cessar a depressão respiratória).
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Referências bibliográficas
- Kraychete D.C., Siqueira J.T.T, Garcia J.B. S. – Recomendações para uso de opioides no Brasil: Parte II. Uso em crianças e idosos. Rev. dor vol.15 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2014.
- Associação Brasileira de Psiquiatria, Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial, Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Abuso e Dependência dos Opioides e Opiáceos. Projeto Diretrizes, Associação Médica Brasileira – 2012.
- Kayingo G. Prescribing Drug Therapy. 2019. Springer Publishing Company.
- Korolkovas, Andrejus. DTG – Dicionário Terapêutico Guanabara, 19 e.d. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.
- Sistema Único de Saúde Estado de Santa Catarina, 2015. Abuso e dependência de derivados do ópio: protocolo clínico.