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Judicialização: por que essa palavra causa tanto alvoroço? | Colunistas

Judicialização: por que essa palavra causa tanto alvoroço? | Colunistas

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Nos últimos anos, uma palavra tem sido sistematicamente repetida por profissionais do Direito e da área da saúde: Judicialização. Esse fenômeno tem sido objeto de pesquisas acadêmicas, palestras, congressos e artigos diversos. Os números, quando apresentados, certamente causam desconforto para aqueles que trabalham diretamente com a saúde, mas será que a comunidade médica precisa se alarmar?

Afinal, o que significa “Judicialização da saúde”?

A Constituição Federal elenca uma série de direitos que são chamados “fundamentais” e que não podem ser extintos, nem mesmo através de emenda constitucional. Dentre eles está o princípio do “acesso ao Judiciário”. Segundo esse princípio, sempre que alguém sofrer lesão ou ameaça de lesão a algum direito poderá ingressar com ação judicial para que o Poder Judiciário analise a matéria.

Quando algum conflito surge na sociedade, a sua solução pode vir de modo extrajudicial ou judicial. No primeiro caso, as partes conseguem resolver a questão de modo amigável, sem necessidade de que um juiz intervenha. Quando a solução extrajudicial não é possível, é necessário “judicializar”, ou seja, propor uma ação judicial, para que o Estado, por meio do Juiz, diga quem tem razão.

Assim, a expressão “judicialização da saúde” representa a ideia de que os conflitos da área da saúde, cada vez mais, têm sido levados à apreciação do Poder Judiciário. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) demonstram que de 2008 a 2019 o número de demandas ligadas à saúde cresceu na proporção de 130%. De acordo com esse levantamento, os principais assuntos discutidos nos processos em primeira instância são: “Plano de Saúde” (34,05%), “Seguro” (23,77%), “Saúde” (13,23%) e “Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos” (8,76%).

Isso significa que os conflitos aumentaram?

Os números da judicialização da saúde não indicam, necessariamente, um aumento no número de situações conflituosas, mas é inegável que, nos dias de hoje, tanto o acesso à saúde, quanto o acesso à informação aumentaram consideravelmente. Vale lembrar que, em um passado não muito distante, o Sistema Único de Saúde sequer existia, os planos de saúde não eram tão bem regulamentados e o Código de Defesa do Consumidor ainda não estava em vigor.

            Analisando os números referentes à judicialização, é possível perceber que a grande maioria das ações judiciais tem por finalidade a obtenção de medicamentos ou tratamentos, especialmente em face das operadoras de planos de saúde. Entre outras coisas, isso também é um reflexo de que mais e mais pessoas estão tendo acesso a planos de saúde.

Mas existe solução? Ou a judicialização da saúde é um fenômeno sem volta?

Com um Judiciário cada vez mais saturado, ganha cada vez mais relevância o debate sobre os métodos alternativos de resolução de conflitos. A solução extrajudicial é o melhor meio para evitar o desgaste decorrente de uma ação judicial. Acontece que nem sempre os envolvidos no conflito têm essa consciência, e a solução pacífica acaba se tornando inviável.

            No caso específico dos médicos, uma boa relação médico-paciente, pautada nos deveres éticos, pode ser a chave para evitar uma ação judicial. É o caso, por exemplo, do dever de informação. A falta de uma explicação detalhada sobre uma cirurgia (riscos envolvidos, resultados esperados etc.) pode levar o paciente a ajuizar uma ação, mesmo que não se verifique a ocorrência de um erro médico.

Além disso, é de extrema importância que os termos de consentimento e prontuário sejam muito bem redigidos (e legíveis!), pois serão os principais documentos de defesa do profissional. Vale lembrar que o Código de Ética Médica é categórico sobre a vedação à falta de consentimento esclarecido do paciente (artigo 22); e, ainda que não dispusesse sobre a matéria, o dever de informação é inerente às normas de Direito do Consumidor.

Apesar de estar sendo tratada como uma grande “vilã” para o Judiciário e para aqueles que lidam com a saúde, a judicialização nada mais é do que um mero sintoma com muitas causas, de modo que é preciso tratar o problema em sua origem, evitando o conflito ou, quando possível, buscando soluções alternativas que “desafoguem” a justiça.

por: Ana Helena de Miranda Guimarães

Advogada, inscrita na OAB/GO sob o número 43.660. Formada em Direito pela PUC-GO. Pós-Graduada em Direito Público pela Faculdade Damásio. Cursando Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde pela Faculdade Legale. Atuante nas áreas de Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito Médico e da Saúde. Membro da Comissão de Direito médico, Sanitário e Defesa da Saúde da OAB/GO. Membro do Comitê de Ética em pesquisa Humana do Hospital da Clinicas de Goiânia.

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