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Medicina baseada em evidências: você sabe o que é isso? | Colunistas

Medicina baseada em evidências: você sabe o que é isso? | Colunistas

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Com a pandemia da Covid-19, os estudos científicos passaram a ter maior relevância dentro do âmbito social. Mesmo que ainda não tenham o valor que deveriam, conforme mensagens em correntes, eles são o ponto-chave da chamada Medicina Baseada em Evidências” (MBE), que diz respeito à uma teoria que se traduz em prática: tomar como conduta médica somente aquilo que é respaldado cientificamente por métodos exaustivos e com nível significativo de evidências, dentro da visão clínica do profissional.

O que isso quer dizer, afinal? Que eu preciso estar com o celular aberto em um artigo na hora da consulta? Não, não é bem assim. O princípio maior da MBE condiz com a prática médica baseada em alicerces científicos, sejam consensos, artigos, livros…, tudo aquilo que for considerado evidência científica robusta, já testado e aprovado por outras pessoas e que tenham funcionado adequadamente. Digamos que se você praticar a MBE, não precisará estar com o artigo aberto na hora do exame do paciente, mas sim, que terá organizado em sua mente o que vai querer pesquisar de uma forma mais direta para fornecer o melhor diagnóstico, e adequar a terapia para o doente.

Em termos gerais, a prática da MBE é definida pela sigla PPR:  Problema – Preditor – Resultado  

  • Problema: Aquilo que o paciente apresenta para você, sua queixa, seu sinal, seu sintoma… por exemplo: jovem de 15 anos, sexo feminino, com dor no quadrante inferior direito do abdome e sinal de Blumberg positivo;
  • Preditor: Pode ser um fator de risco ou uma intervenção frente ao problema apresentado; continuando o exemplo, suponhamos que a paciente em questão teve infecção gastrointestinal recente e você faz antibioticoterapia na vigência de um quadro de apendicite;
  • Resultado: Refere-se àquilo que pode ser alcançado em decorrência do preditor, ou seja, qual a consequência da exposição do paciente àquele determinado fator? No nosso exemplo, o que ocorreu com a paciente após a antibioticoterapia? Melhorou ou piorou? É isso que vamos buscar responder dentro da prática clínica e em estudos, como ensaios clínicos.

Nesse sentido, a prática da MBE não está dissociada da prática clínica habitual. O que difere a MBE da medicina tradicional é tão somente o fato de que aquela prevê a necessidade da utilização de evidências científicas para a tomada da melhor conduta para aquele determinado paciente. Mas, como conseguir essa evidência? Qual artigo eu devo ler para me atualizar melhor? Vamos falar sobre isso.

Pirâmide de relevância científica

É evidente que não se deve adotar uma medida terapêutica baseando-se em apenas um relato de caso. Na epidemiologia e bioestatística, os estudos obedecem a uma hierarquia de importância clínico-epidemiológica e, quanto mais alto uma categoria estiver dentro da pirâmide de relevância científica, maior será a validação externa e a probabilidade de estar correto.

Veja como é a pirâmide:

Figura 1 – Pirâmide de Relevância Científica
Fonte: http://www.patologiadaatm.com.br/evidencia-cientifica-e-artroscopia-da-atm/.

Nesse artigo, tomaremos apenas os dois tipos de estudo com maior nível de evidência, segundo a pirâmide de relevância: meta-análises e revisões sistemáticas.

Meta-análise

É um tipo de estudo que avalia uma série de estudos com características semelhantes (ex.: 100 ensaios clínicos) e busca condensar os números, isto é, as amostras e os desfechos, em uma nova análise estatística. Tomemos como exemplo dez ensaios clínicos com 100 pessoas cada; o propósito da meta-análise é juntar esses dez estudos e essas mil pessoas em um só estudo, de modo a conduzir novas conclusões com base em uma nova verificação dos dados. É considerado o “padrão-ouro” na pirâmide de relevância.

Revisão sistemática

A proposta de um estudo desse tipo é buscar na literatura trabalhos que abordem determinado tema e que possuam validação científica. São utilizados critérios de inclusão e exclusão para as referências, e o foco desse tipo de pesquisa é trazer à tona o que há de conclusivo sobre algum tratamento ou abordagem diagnóstica de uma determinada doença. Essas referências contribuem para um estudo mais profundo sobre um determinado tema, bem como servem de suporte para a prática clínica.

Como saber qual é a melhor conduta?

A resposta para essa pergunta deve ser individualizada, pois cada paciente possui sua identidade, e é uno frente aos outros. Contudo, os estudos científicos servem para que possamos ter uma conduta-base e adequá-la aos propósitos de cada doente.

Então qual dos dois devo utilizar? Devo buscar somente as meta-análises e esquecer do resto? Também não é bem assim. Primeiro, porque não há meta-análise para toda e qualquer dúvida que se tenha em mente; segundo, porque é contraproducente realizar consulta no celular procurando um artigo enquanto o paciente espera para ser atendido.

As evidências científicas surgem e ressurgem a cada dia. É fundamental que você esteja antenado frente à avalanche de informações com que nos deparamos. Assim, ter noções básicas de epidemiologia e bioestatística podem ajudar na hora de interpretar um ensaio clínico ou um estudo observacional de coorte, comum em tempos de Covid-19.

Dentro dessa perspectiva, o mais adequado é que você separe um tempo na semana para se atualizar na sua área de especialidade. Se for um generalista, atualizar-se dentro daquilo que já não lembra mais com tanto afinco, ou revisar aquele protocolo, aquele fluxograma… mantenha em mente que sua prática clínica deve estar associada às evidências científicas; a medicina do século XXI exige profissionais que consigam estar devidamente atualizados, com base científica, e capazes de aliar isso aos alicerces do cuidado com o paciente. 

Isso é MBE.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

LOPES, Antônio A. Medicina Baseada em Evidências: a arte de aplicar o conhecimento científico na prática clínica. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 46, n. 3, p. 285-288, 2000.

MASIC, Izet; MIOKOVIC, Milan; MUHAMEDAGIC, Belma. Evidence based medicine–new approaches and challenges. Acta Informatica Medica, v. 16, n. 4, p. 219, 2008.

PAOLUCCI, R. Como praticar a medicina baseada em evidências. Jornal Vascular Brasileiro, v. 6, n. 1, p. 1-4, 2007.