A reumatologia é uma das áreas mais intrigantes e ricas da medicina. Sem dúvida, as doenças possuem rica fisiopatologia e imensa possibilidade de manifestações sistêmicas, o que exige um exímio raciocínio clínico para o diagnóstico, bem como o conhecimento aprofundado de várias outras especialidades da Clínica Médica. Ainda assim, muitas vezes, não encontramos explicação completa e detalhada para todas as doenças reumáticas, além de existir uma combinação de múltiplos fatores, como a genética, a exposição ambiental e o funcionamento do sistema imune do indivíduo, que trazem incerteza ao diagnóstico.
Para se tornar um reumatologista, é preciso passar por 2 anos na residência de Clínica Médica e 2 anos na residência de Reumatologia. Além disso, outra possibilidade é realizar uma pós-graduação em Reumatologia e realização de prova de título. Há quem recomende apenas o primeiro caminho, pois, na maioria dos casos, os pacientes com doenças reumatológicas exigem extensa revisão semiológica, laboratorial, radiológica e interclínica para se chegar a um diagnóstico definitivo, o que, apenas na residência médica, o médico estará devidamente capacitado.
A reumatologia estuda as doenças que acometem o aparelho musculoesquelético e os tecidos colagenosos, como articulações, tendões, ligamentos e vasos sanguíneos. No entanto, é preciso ficar claro que as doenças reumáticas frequentemente simulam diversas condições, como neoplasias, infecções, distúrbios metabólicos, hematológicos ou cardiovasculares. Doenças como lúpus eritematoso sistêmico, fibromialgia, vasculites e sarcoidose, por exemplo, costumam causar sintomas em vários sistemas e levar à extensa busca etiológica que pode demorar anos e gerar gastos exorbitantes, além dos danos físicos e mentais que acarretam.
A rotina da especialidade é tipicamente ambulatorial e clínica, isto é, não são realizados procedimentos ou cirurgias. O médico reumatologista também pode atuar como consultor ou assistente hospitalar nas enfermarias ou unidades de tratamento intensivo (UTI), em casos onde não foi realizado o diagnóstico de uma patologia específica ou quando há suspeita de que a causa seja reumatológica. Por se tratar de uma especialidade eminentemente clínica, os procedimentos invasivos como infiltrações de fármacos, por exemplo, costumam ser realizados por profissionais que possuem mais alguma formação complementar além da residência na área.
O internato de reumatologia em minha universidade foi realizado na forma assistencial. De modo geral, os pacientes eram encaminhados dos serviços de atenção primária ou após internação hospitalar, onde as doenças geralmente eram diagnosticadas ou suspeitadas. As principais doenças em nossa rotina eram: fibromialgia, osteoartrite, gota, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica, vasculites, osteoporose e as síndromes reumáticas regionais (tendinites, bursites etc.), artrite psoriásica e espondilite anquilosante.
Os pacientes reumatológicos frequentemente apresentavam como queixa principal e mais prevalente as dores, muitas vezes intensas, generalizadas, acompanhadas ou não de sintomas sistêmicos como febre, adinamia, fadiga, emagrecimento, lesões cutâneas, cefaleias, diarreia e rigidez matinal. Ademais, as queixas articulares sempre exigiam investigação detalhada na busca de edema, calor, rubor, crepitação, instabilidades e deformidades. Também era muito comum a sobreposição de diagnósticos, por exemplo, muitos pacientes possuem lúpus, artrite reumatoide e osteoartrite combinadas com fibromialgia ou alguma doença reumatológica coexistindo com outras condições muito prevalentes, como distúrbios da tireoide, diabetes, hipertensão arterial, transtornos depressivos ou de ansiedade.
Com relação ao tratamento, corticoides e anti-inflamatórios não esteroides nem sempre eram a única ferramenta terapêutica do reumatologista, como muitos podem pensar. Os tratamentos disponíveis no sistema público de saúde ainda são restritos, mas, de modo geral, conseguem atender à demanda da maioria das condições e não deixar paciente algum sem tratamento. Existem limitações importantes na terapêutica reumatológica que podem ser desanimadoras. Por exemplo, nem sempre os melhores tratamentos existentes são acessíveis a todos os pacientes ou são disponibilizados pelo nosso sistema público de saúde. Além disso, os fármacos utilizados na rotina reumatológica são, na maioria das vezes, de uso contínuo ou prolongado, necessitam de doses múltiplas diárias e precisam passar por ajustes diversos até chegar numa combinação ideal, exigindo comprometimento importante do médico e do paciente com seu próprio tratamento para gerar benefício considerável. Entretanto, os efeitos colaterais também são muito prevalentes e uma parcela considerável dos doentes acaba abandonando os tratamentos ou não os aderindo completamente.
Por sua vez, a reabilitação física também é muito importante e sempre era buscada, porque algumas patologias, como artrite reumatoide e osteoartrite, são debilitantes. No entanto, nem sempre era uma realidade possível devido aos danos irreversíveis, dificuldade de acesso gratuito ou pelos benefícios não serem tão evidentes para o paciente. Ainda assim, com o avanço da medicina, dos tratamentos e da melhor abordagem dos casos, existe uma esperança de que cada vez mais encontraremos pacientes reumatológicos vivendo bem e com as doenças sob controle eficaz sem chegar às deformidades ou limitações físicas.
Por fim, é importante ressaltar que, para os interessados em reumatologia, todas as informações pessoais e patológicas são importantes. O reumatologista deve ter como ferramentas essenciais a anamnese completa, exaustiva e um bom exame físico sistêmico e musculoesquelético, além de amplo conhecimento sobre laboratório e radiologia, bem como sua interpretação correta.
Nunca é demais lembrar: FAN (fator antinuclear) não significa doença reumatológica!
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências consultadas:
1) Sociedade Brasileira de Reumatologia: https://www.reumatologia.org.br/
2) DA SILVA, Henrique Carriço. O que os médicos precisam saber sobre reumatologia?. Diagn. tratamento, p. [126-132], 2019.
3) HOCHBERG, Marc C. et al. Reumatologia. Elsevier Brasil, 2016.
4) CARVALHO, Marco Antonio P. et al. Reumatologia. Diagnostico e tratamento, v. 3, 2014.