Carreira em Medicina

Mucormicose e sua relação com a Covid-19

Mucormicose e sua relação com a Covid-19

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Imagem de perfil de Comunidade Sanar

O novo inimigo é um fungo letal que está gerando uma epidemia dentro de uma pandemia já tão devastadora.

A EPIDEMIA NA ÍNDIA

             Dr. Lahariya (2021), epidemiologista especialista em saúde pública indiana – em entrevista ao jornal indiano New India Express –declarou quea epidemia de mucormicose na Índia não surgiu de uma hora para outra. Segundo estudo do Conselho Indiano de Pesquisa Médica (ICMR), foi verificado que, durante o período de setembro a dezembro de 2020, houve um aumento de 2,5 vezes do número de casos de mucormicose na Índia, porém, nenhuma ação foi tomada por parte do governo para conter a disseminação. Ainda, estudo do ICMR verificou que drogas que apresentam risco relativamente alto de seleção de resistência bacteriana, listados pela OMS nas categorias Observe e Reserve, foram prescritas para ¾ dos pacientes que desenvolveram infecções secundárias, drogas estas que deveriam ser utilizadas em situações especiais.

A Índia tem o segundo maior número de diabéticos no mundo, cerca de 77 milhões de pessoas e, ao mesmo tempo, a maior população em situação de pobreza, são 134 milhões de indianos vivendo com menos de 2 dólares ao dia. Conforme informa o Ministério da Saúde da União da Índia, somente 50% da população indiana usa máscara e meramente 14% usam de forma correta. Estes fatos, em conjuntura com péssimos índices de fatores determinantes e condicionantes de saúde – saneamento básico, educação, alimentação e moradia –, geram um descontrole diabético generalizado, predispondo o desenvolvimento da enfermidade.

Figura 6: Uso de máscara na Índia.
Fonte: Tweet do Gabinete de Informação para Imprensa do Governo Indiano, 2021 (traduzido).

Hoje, a Índia conta com mais de 30.000 casos de mucormicose.

A DOENÇA NA COVID-19

Conceito

A mucormicose é uma infecção tropical bastante rara, causada, em sua grande maioria, pelo fungo Rhizopus spp., mofo mucoso que pode ser encontrado principalmente no solo, plantas e alimentos em decomposição.

 Apesar de ser, erroneamente, chamado de “fungo preto”, é um fungo de cor branca que leva a uma doença inflamatória granulomatosa subcutânea crônica: a micetoma e esta, sim, tem sua cor preta.

 Figura 2: Proliferação de Rhizopus spp. em morango
Fonte: Embrapa (2016)
 Figura 3:  Lesão com granulomas pretos
Fonte:  Ahmed (2017)

Seu contágio é dado pela ingestão de alimentos contaminados, inalação de esporos pelas narinas/pulmões ou inoculação cutânea. É uma doença oportunista, cuja taxa de mortalidade é espantosa: mais de 50% dos acometidos acabam falecendo.

Tem como seus hospedeiros pessoas gravemente imunocomprometidas, como:

  • Portadores de diabetes mellitus descontrolada – principal causa em países em desenvolvimento;
  • Imunossuprimidos por esteroides;
  • Pós-transplantados;
  • Portadores de câncer;
  • HIV/AIDS;
  • Paciente com estadia prolongada na UTI.

Causas

Estamos constantemente em contato com fungos, sejam trazidos pela poeira, por estarmos presentes em locais propícios ao seu desenvolvimento (ambientes úmidos) ou pelo consumo de alimentos infectados.

Em pessoas saudáveis a eliminação dos esporos do trato respiratório acontece sem maiores complicações: uma tosse; um espirro ou próprio ato de respirar faz com que os esporos sejam expelidos.

O problema gira em torno de que, em casos graves de COVID-19, os esteroides são prescritos em altas doses e utilizados por períodos excessivos, com o intuito de atenuar a inflamação estabelecida pelo vírus nos pulmões. Os esteroides além de reduzirem a resposta imunológica, também aumentam os níveis de glicose no sangue, algo altamente prejudicial para portadores de diabetes mellitus. Ainda, uma pessoa com acometimento pulmonar grave, que compreende um desajuste respiratório, tem a excreção de esporos por vias naturais frustrada, onde, por vezes, o paciente necessita ser intubado e seus reflexos protetores, como a tosse, são retirados por opioides. A união destes fatores propicia a alocação e desenvolvimento fúngico nas vias aéreas.

As lesões derivadas de uma intubação difícil e/ou da falta de técnica do laringoscopista acabam por gerar um ambiente ainda mais favorável para o desenvolvimento da doença. O fungo, então, invade os vasos sanguíneos, levando à trombose e necrose.

A maioria dos acometidos contraem a doença entre 12 e 15 dias após a recuperação da infecção por Sars-Cov-2 e, segundo Dr. Kalantri (2021), superintendente do Hospital Katurba Wardhade, que possui 1000 leitos, a doença afeta entre 20-30% dos pacientes graves, ventilados mecanicamente, na Índia

DADOS BRASIL

O Brasil está no cinturão de micetoma, uma cadeia de países pertencentes às regiões tropicais e subtropicais, onde há maior incidência de agentes causadores, sendo a Índia, Sudão e México, países em desenvolvimento, representantes com maior ocorrência da enfermidade.

Figura 6: Cinturão de micetoma
Fonte: Arquivo pessoal de João Pedro Almeida Lira

Dados da Federação Internacional de Diabetes (2020) informam que o Brasil tem cerca de 16.780 milhões de diabéticos, sendo a metade ainda não diagnosticada.

Figura 7: Diabetes no Brasil
Fonte: Arquivo pessoal de João Pedro Almeida Lira

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


REFERÊNCIAS

Chandrakant, L.  The mistakes in our mucormycosis approach. New Indian Express. 2021.

Internacional Diabetes Federation. Idf.org. 2021. Disponível em: https://idf.org/our-network/regions-members/south-and-central-america/members/77-brazil.html. Aceddo em: 03, junho, 2021.

Ueno, B. Doenças causadas por fungos e bactérias. In: ANTUNES, L.E.C.; REISSER JÚNIOR, C.; SCHWENGBER, J.E. Morangueiro. Brasília: Embrapa, p.413-480, 2016. 

OMS. WHO releases the 2019 AWaRe Classification Antibiotics. 2019. Disponível em: https://www.who.int/medicines/news/2019/WHO_releases2019AWaRe_classification_antibiotics/en/. Acessado em: 03, junho, 2021.