Carreira em Medicina

Neoplasias pulmonares |Colunistas

Neoplasias pulmonares |Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

No Brasil, o câncer representa a segunda causa de mortes relacionadas às doenças não transmissíveis (DNTs), e o câncer de pulmão é a principal causa de óbitos relacionados ao câncer, apesar das fortes políticas antitabagismo, que reduziram a taxa de tabagismo pela metade de 1989 a 2008. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, 1,6 milhão de mortes por ano são atribuíveis ao câncer de pulmão.

Etiologia

O carcinoma pulmonar é uma doença de etiopatogenia multifatorial, em que se destacam os seguintes agentes: tabagismo, ocupacionais (exposição ao asbesto, sílica, hidrocarbonetos policíclicos e metais pesados, como arsênico, cromo e níquel), ambientais (exposição ao radônio e à poluição tabágica ambiental) e sociodemográficos (gênero, fatores hormonais, dieta, exposição a compostos derivados da queima de gorduras animais na prática culinária diária, antecedentes de doenças pulmonares, predisposição individual etc.). Suspeita-se também que a DPOC, deficiência de alfa1-antitripsina e fibrose pulmonar podem aumentar a suscetibilidade ao câncer de pulmão.

Fatores de risco

O uso do tabaco causa exposição a uma mistura letal de mais de 4.700 substâncias químicas tóxicas, incluindo pelo menos 50 cancerígenas. O tabagismo é o principal fator de risco para o câncer de pulmão. Em geral, as taxas de incidência em um determinado país refletem seu consumo de cigarros. O fumo de charutos, cigarrilhas, cigarro de palha, entre outros, aumenta o risco.

A exposição à poluição do ar, infecções pulmonares de repetição, suplementação de altas doses de vitamina A, doença pulmonar obstrutiva crônica (enfisema pulmonar e bronquite crônica), fatores genéticos (que predispõem à ação carcinogênica de compostos inorgânicos de asbesto e hidrocarbonetos policíclicos aromáticos) e história familiar de câncer de pulmão favorecem ao desenvolvimento desse tipo de câncer.

Outros fatores incluem exposição ao fumo passivo, ao amianto, a certos metais (cromo, cadmio, arsênico), alguns produtos químicos orgânicos, radiação, poluição do ar e escape de diesel. Algumas exposições ocupacionais que aumentam o risco incluem fabricação de borracha, pavimentação, coberturas, pintura e varredura de chaminé.

O risco também é aumentado entre pessoas com história de tuberculose. A susceptibilidade genética (por exemplo, história familiar) desempenha papel no desenvolvimento do câncer de pulmão, especialmente naqueles que desenvolvem a doença ainda jovens.

Classificação

O câncer de pulmão é classificado em 2 categorias principais:

  • Câncer pulmonar de células pequenas (CPCP), cerca de 15% dos casos
  • Câncer pulmonar de células não pequenas (CPCNP), cerca de 85% dos casos

CPCP é altamente invasivo e ocorre quase sempre em tabagistas. Ele cresce rapidamente e cerca de 80% dos pacientes têm doença metastática no momento do diagnóstico.

O comportamento clínico do CPCNP é mais variável e depende do tipo histológico, mas cerca de 40% dos pacientes terão doença metastática fora do tórax no momento do diagnóstico. Identificaram-se mutações de ativação (oncogênicas) principalmente no adenocarcinoma, embora tenha-se tentado identificar mutações semelhantes no carcinoma de células escamosas.

O carcinoma de células pequenas é tumor de alto grau, com tempo de duplicação média de 30 dias. Ao diagnóstico, normalmente é não cirúrgico, com grande chance de já existir disseminação. Caracteristicamente, o tumor primário é pequeno com grande componente linfonodal.

Cerca de 80% dos pacientes à necropsia apresentam metástase em sistema nervoso central. Costuma apresentar síndrome paraneoplásica, principalmente a da secreção inapropriada do hormônio antidiurético, de Cushing ou cerebelar.

O carcinoma de células não-pequenas representa 75% dos carcinomas pulmonares e é subdividido em 3 grupos principais: adenocarcinoma, carcinoma epidermóide ou espinocelular e carcinoma de células grandes.

Quadro clínico

Cerca de 25% dos carcinomas pulmonares são assintomáticos, sendo detectados incidentalmente com exames de imagem do tórax. Os sinais e sintomas podem resultar de progressão do tumor local, disseminação regional ou metástases a distância.

Os pacientes com suspeita ou diagnóstico estabelecido de neoplasia pulmonar devem ser submetidos a uma anamnese clínica detalhada e ao exame físico minucioso.

Estima-se que apenas cerca de 10% dos doentes sejam assintomáticos no momento do diagnóstico da neoplasia pulmonar. Sintomas e sinais inespecíficos são comuns e incluem anorexia, fadiga e perda de peso.

Entre os sintomas mais característicos temos:

Tosse: o sintoma mais frequentemente associado às neoplasias pulmonares. Pode, no entanto, ser inespecífico ou decorrer de outras doenças comuns entre os grandes fumantes.

Dispneia: o relato de dispneia é frequente e ocorre em mais da metade dos casos. Pode ser consequente à obstrução de vias aéreas, envolvimento linfático pelo tumor ou derrame pleural volumoso.

Hemoptise: é o sintoma que mais faz o paciente procurar o médico e está presente em número considerável dos doentes em alguma fase da evolução da neoplasia. Apesar de somente cerca de 25% dos casos de hemoptise serem devidos às neoplasias pulmonares, sua presença não pode ser menosprezada.

Dor torácica: a sua presença requer pesquisa de acometimento pleural ou invasão da parede torácica.

Achados clínicos relacionados à extensão intratorácica da doença:

São várias as apresentações da extensão do tumor às estruturas intratorácicas e variam de acordo com a estrutura acometida.

As principais são:

Rouquidão: acometimento de nervo laríngeo recorrente, principalmente à esquerda, pela contiguidade com linfonodos da janela aórtico-pulmonar;

Paralisia frênica: acometimento de nervo frênico;

Dor torácica: acometimento pleural ou costal;

Síndrome de Horner: envolvimento da cadeia simpática e do gânglio estrelado;

Derrame pleural: por extensão direta, obstrução linfática ou atelectasia.

Derrame pericárdico: por extensão direta ou obstrução linfática;

Síndrome da veia cava superior: compressão da veia cava superior pela massa ou por linfonodomegalia.

Achados clínicos relacionados às metástases:

Manifestações relacionadas às metástases estão presentes em cerca de 1/3 dos pacientes com câncer de pulmão.

Locais mais comuns de metástases: ossos, fígado, suprarrenais, linfonodos distantes e sistema nervoso central.

Eventualmente, surgem metástases cutâneas e pulmonares. Metástases no sistema nervoso central são manifestação índex em 10% dos carcinomas pulmonares na ocasião do diagnóstico.

Os sintomas variam entre diferentes intensidades de cefaleia, crises convulsivas, transtornos cognitivos e comportamentais, náuseas e vômitos e quadros deficitários focais (conforme o sítio da metástase).

Diagnóstico:

Na suspeita de lesão de natureza neoplásica em imagem de radiografia simples, é necessário melhor estudo por tomografia computadorizada de tórax, para mais precisa localização anatômica da lesão (assim como sua relação com outras estruturas vizinhas) e o adequado estadiamento linfonodal.

A seguir, para a confirmação diagnóstica, faz-se necessária a complementação da investigação com estudo patológico (de espécime sólido obtido por biópsia ou de produtos aspirados de punções), que pode ser dirigido à lesão primária suspeita, aos linfonodos potencialmente invadidos ou a eventuais metástases. A escolha do local depende da disponibilidade e da experiência com os métodos disponíveis, da condição clínica do paciente e da apresentação do tumor.

Rastreamento

Em consequência da elevada mortalidade por câncer de pulmão, em grande parte pelo diagnóstico tardio, aumentou nas duas últimas décadas o interesse por métodos de rastreamento da doença, principalmente em indivíduos assintomáticos de alto risco. O rastreamento tem como objetivo identificar pacientes com doença ainda precoce, aumentando as chances de cura.

As características do método de rastreamento ideal são eficácia (com redução de mortalidade e/ou melhorana qualidade de vida), segurança e custo-efetividade.

São três os principais métodos atualmente disponíveis para rastreamento: radiografia de tórax, citologia de escarro e tomografia de tórax de baixa dosagem.

Prognóstico

Para doentes com carcinoma pulmonar de células pequenas, a sobrevida em 2 anos varia de 20 a 40% para doença limitada no momento do diagnóstico, e a menos de 5% para doença extensa. Em 5 anos, esses valores caem para 10 a 30% e 1 a 2%, respectivamente.

Os principais fatores prognósticos são estádio inicial, performance status, presença e intensidade dos sintomas e existência ou não de síndromes paraneoplásicas.

Para o carcinoma pulmonar de células não pequenas, o principal fator prognóstico é o estádio da doença no momento do diagnóstico.                           Outros determinantes, ainda que de menor impacto, são: idade, gênero, performance status, concentração sérica de albumina e contagem de eritrócitos.

Tratamento

Tratamento do carcinoma pulmonar de células pequenas

O tratamento do carcinoma pulmonar de células pequenas (CPCP) é baseado na terapia combinada (quimiorradioterapia, de preferência concomitante), quando a doença é limitada, e na quimioterapia exclusiva, nos casos de doença extensa. Recomenda-se um dueto baseado em análogo platínico (cisplatina ou carboplatina) associado ao etoposídeo ou irinotecano. A indicação de radioterapia do crânio é mandatória nos casos de metástases encefálicas e pode ser discutida no contexto profilático conforme outros fatores clínicos (p.ex., idade e status cognitivo-intelectual).

Tratamento do carcinoma pulmonar de células não pequenas

Cirurgia

A cirurgia, ainda que se reserve apenas aos pacientes com doença inicial, é o tratamento mais efetivo e com maior potencial curativo em carcinomas pulmonares.

Contudo, como a maioria dos pacientes se apresenta à ocasião do diagnóstico com doença localmente avançada ou já disseminada, poucos podem ser submetidos a essa modalidade terapêutica. Além disso, esses pacientes frequentemente apresentam comorbidades, como doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e doença cardíaca isquêmica, dado o tabagismo como fator de risco comum a todas.

Radioterapia

Apesar dos esforços em se estadiar adequadamente os pacientes elegíveis para tratamento cirúrgico e a despeito da rápida incorporação de técnicas e equipamentos cirúrgicos, as taxas de sobrevida após 5 anos para doentes com estádio I a III são ao redor de 50 a 60%.

Cerca de metade deles, portanto, tem recidiva da doença, localmente ou a distância.

Radioterapia adjuvante: a radioterapia, como adjuvância ao tratamento cirúrgico tem sua fundamentação baseada em dois maiores princípios: o tratamento complementar das ressecções incompletas (margens cirúrgicas positivas ou exíguas) e a profilaxia das recidivas locais e a distância pela irradiação de cadeias linfonodais mediastinais positivas.

Radioterapia exclusiva: a radioterapia pode ser uma opção – ainda que bem menos eficaz que a cirurgia (6 a 32% de sobrevida global em 5 anos) – àqueles

pacientes com recusa ou contraindicações médicas à cirurgia ou ainda àqueles com doença avançada (IIIBe IV de estadiamento) sem condições clínicas para a quimioterapia.

Radioterapia associada à quimioterapia: atualmente, o tratamento recomendado para pacientes de estádios IIIA e IIIB (sem derrame pleural neoplásico) é a terapia multimodal com quimioterapia e radioterapia, cuja associação pode ser em protocolo concomitante ou sequencial.

Radioterapia paliativa sintomática: nos pacientes com doença metastática ou inelegíveis a outras modalidades terapêuticas, indica-se a radioterapia para:

Analgesia da parede torácica por invasão direta ou compressão nervosa em tumores irressecáveis; Estabilização de fraturas patológicas e alívio desintomas dolorosos e deficitários secundários às metástases ósseas, sobretudo as axiais.

Quimioterapia

Quimioterapia neoadjuvante: como a sobrevida dos pacientes operados no estádio IIIA é precária, a indicação de quimioterapia neoadjuvante, definida como aquela administrada antes do tratamento definitivo, foi idealizada com o intuito de melhorar a taxa de ressecabilidade e diminuir o estádio inicial (downstaging) por meio da esterilização dos linfonodos comprometidos.

Além disso, os benefícios potenciais adviriam também da administração dos fármacos sob condições de vasculatura tumoral intacta, promovendo uma melhor distribuição da droga e combatendo precocemente as micrometástases. Outra vantagem potencial, ainda, é a possibilidade de avaliação pré-operatória da resposta ao esquema de quimioterapia então proposto.

Quimioterapia adjuvante: em pacientes com estádio IIB a IIIA, no pós-operatório com linfonodo mediastinalipsolateral positivo, reside a indicação clássica de quimioterapia adjuvante, comprovada por diversos estudos prospectivos controlados.

Quimioterapia paliativa: a quimioterapia com esquemas de duas drogas baseados em análogo platínico (cisplatina ou carboplatina) confere significativo aumentode sobrevida geral de pacientes com CPCNP estádios IIIB e IV virgens de tratamento (primeira linha) quando adicionada aos cuidados de suporte clínico e tratamento sintomático (mediana de sobrevida de aproximadamente

10 meses versus 2 a 4 meses), além de melhor controle de sintomas relacionados à doença. Esse benefício se aplica de forma mais homogênea aos pacientes em melhores condições clínicas.

AUTORA: Juliana da Silva Oliveira.

INSTAGRAM: @julianaolive­_


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

Câncer de pulmão: mudanças na histologia, sexo e idade nos últimos 30 anos no Brasil. Maria Teresa Ruiz Tsukazan; Álvaro Vigo; Vinícius Duval da Silva;Carlos Henrique Barrios;Jayme de Oliveira Rios;José Antônio de Figueiredo Pinto;JornalBrassileiro Pneumologia. 2017;43(5):363-367

Câncer de pulmão – versão para Profissionais de Saúde.Instituto nacional de câncer; Ministério da saúde. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pulmao/profissional-de-saude. Acesso em: 20/04/2021.

Clínica médica volume 2 – 2ª Edição.Autores: Martins, Mílton de Arruda; Carrilho, Flair José; Alves, Venâncio Avancini; Castilho, Euclides Ayres de; Cerri, Giovanni Guido.