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O aumento da prevalência de autismo em meninas | Colunistas

O aumento da prevalência de autismo em meninas | Colunistas

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Os sintomas de autismo em meninas muitas vezes não são percebidos e, segundo estudos recentes, há uma justificativa principal para isso: camuflagem.

Esse conceito traduz uma capacidade adaptativa das meninas, desde cedo, pela necessidade de se adequarem à sociedade em que estão inseridas. Dessa maneira, o diagnóstico passa a acontecer em um momento mais tardio, o que pode acarretar em consequências no desenvolvimento dessas crianças.

O transtorno do espectro autista (TEA)

O transtorno do espectro autista (TEA) engloba tanto o autismo quanto a síndrome de Asperger, transtornos que fazem parte dos transtornos do neurodesenvolvimento, com início no período de desenvolvimento da criança. Em geral, seus sinais são visíveis e percebidos antes mesmo de a criança ingressar na escola, causando prejuízos de âmbito pessoal, social e acadêmico.

Segundo o DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5ª edição), os critérios que devem ser preenchidos para o diagnóstico têm relação com dois grandes grupos:

  • Certa dificuldade de comunicação e interação sociais;
  • Presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.

Para o diagnóstico do TEA, é necessária a avaliação completa de um psiquiatra, podendo esse ser um profissional especialista em infância e adolescência.

Tratamento

Não existe um tratamento específico para o autismo, mas sim maneiras de melhorar a qualidade de vida. Isso é feito com um tratamento multidisciplinar, que pode incluir psicoterapia, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional e/ou psicopedagogia, dependendo do grau de autismo diagnosticado. Com relação ao uso de medicamentos, a indicação é feita apenas nos casos em que é necessário tratar algum sintoma específico, como agressão, hiperatividade ou compulsividade.

Prevalência do diagnóstico de autismo

De acordo com matéria divulgada em 2017 pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), no âmbito mundial, 1 em cada 160 crianças tem autismo, o que representa 0,62%. Entretanto, algumas pesquisas têm relatado que esse índice não reflete a realidade, visto que a prevalência do TEA em países de baixa e média renda ainda é desconhecida. Dessa maneira, estima-se que, no Brasil, há cerca de 2 milhões de autistas.

Com relação à proporção entre gêneros, segundo estudos (Fombonne, 2009), o diagnóstico entre meninos e meninas era de 4 para 1, respectivamente. Já em estudos mais recentes (Baxter et al. 2015; Loomes et al. 2017), verificou-se que essa relação se alterou para 3 meninos a cada 1 menina diagnosticada. Ou seja, a proporção alterou-se de 25% para 33,33%.

O aumento da prevalência de autismo em meninas

Diante dos novos números divulgados, procurou-se entender o motivo dessa alteração. E, de acordo com estudos recentes, percebeu-se que as meninas têm uma certa capacidade de “camuflar” os sinais do transtorno do espectro autista, tornando o diagnóstico difícil. Isso acontece porque, desde cedo, as meninas entendem que precisam se adaptar à estrutura social a qual estão inseridas. Porém é importante destacar que essa adequação é um esforço constante e de alta complexidade. Além disso, é importante destacar que, segundo estudos, o autismo se manifesta de forma diferente entre os gêneros: enquanto nos meninos fica evidente certa hiperatividade e mau comportamento, nas meninas observa-se características depressivas e ansiosas.

Dessa forma, grande parte dessas mulheres percebem apenas na vida adulta a dificuldade de se encaixar em certos comportamentos, procuram ajuda profissional e, muitas vezes, recebem a notícia de que estão enquadradas dentro do transtorno do espectro autista.

Mulheres adultas com o diagnóstico de TEA

Receber o diagnóstico de autismo, seja na idade que for, é um marco que traz mudanças consideráveis na vida do paciente. Quando na infância, as alterações são mais focadas no suporte necessário para o desenvolvimento adequado. Já na vida adulta, pelo fato de a mulher já estar adaptada, normalmente é necessário apenas acompanhamento de psicoterapia, salvo exceções de casos que ainda tenham prejuízos significativos. Além disso, esse diagnóstico ajuda a mulher no autoconhecimento e, principalmente, a entender os comportamentos e as dificuldades que ela ainda precisa “camuflar”.

Consequências

Esse fenômeno de adaptação, apesar de fazer com que as mulheres consigam lidar melhor com os relacionamentos e a carreira, gera consequências que podem ser analisadas sob duas perspectivas:

  • Mascarar esses sintomas é um exercício que exige esforço por parte das crianças e adolescentes, podendo gerar consequências psicológicas. Por exemplo, por precisar, a todo momento, se comportar da mesma maneira que os colegas, fingindo muitas atitudes, essas meninas desenvolvem uma espécie de “crise de identidade”;
  • Já o não diagnóstico ou o diagnóstico tardio do TEA tem consequências significativas, que envolvem desde maiores dificuldades relacionadas à saúde mental, quanto maior fator de risco para o suicídio.

Conclusão

O autismo é um transtorno que deve ser diagnosticado o quanto antes, para que, com o suporte necessário, a criança consiga se desenvolver da melhor maneira possível, com mínimos prejuízos sociais, comportamentais e cognitivos. Por esse motivo, faz-se necessária a realização de mais estudos acerca do tema para entender o mecanismo de camuflagem criado pelas meninas, de forma que seja possível realizar o diagnóstico precoce, minimizando possíveis dificuldades de aprendizado e desenvolvimento ao longo da vida.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

Baxter, A. J., Brugha, T. S., Erskine, H. E., Scheurer, R. W., Vos, T., & Scott, J. G. (2015). The epidemiology and global burden of autism spectrum disorders. Psychological Medicine,45(3), 601–613.

COSTA, Maria Cristiane Alves. Et al. Autismo na Educação Infantil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 10, Vol. 17, pp. 05-15. Outubro de 2020.

Fombonne, E. Epidemiology of Pervasive Developmental Disorders. Pediatr Res 65, 591–598 (2009).

Loomes, R., Hull, L., & Mandy, W. (2017). What is the male-to-female ratio in autism spectrum disorder? A systematic review and meta-analysis. Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry,56(6), 466–474.

Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

Wood-Downie, H., Wong, B., Kovshoff, H. et al. Sex/Gender Differences in Camouflaging in Children and Adolescents with Autism. J Autism Dev Disord (2020).

Folha informativa – Transtorno do espectro autista – https://www.paho.org/bra/index.php?Itemid=1098#:~:text=Estima%2Dse%20que%2C%20em%20todo,que%20s%C3%A3o%20significativamente%20mais%20elevados.

The costs of camouflaging autism – https://www.spectrumnews.org/features/deep-dive/costs-camouflaging-autism/