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O essencial sobre a relação médico paciente | Colunistas

O essencial sobre a relação médico paciente | Colunistas

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A relação médico-paciente (RMP) vai muito além do encontro situacional entre dois indivíduos, envolve algo maior do que perguntas e exames físicos, prescrever medicamentos ou condutas. Envolve uma ampla gama de habilidades técnicas e pessoais, e o aspecto técnico da formação médica tem criado, de maneira uniforme, médicos distantes do paciente. O paciente passou a ser vislumbrado apenas como um portador da doença; negligenciando a individualidade de cada vivente, a empatia surge como pilar central na RMP, gerando grandes avanços opostos a estas práticas frias. No contexto médico, remete à sensibilização do médico pelas mudanças sentidas e refletidas pelo paciente. Considerando que a empatia pode enriquecer a prática médica, é importante caracterizar e discorrer um pouco sobre esse importante tema. Com isso em mente, este texto aborda um breve contexto histórico e o essencial sobre o assunto.

Introdução à relação médico-paciente

Acreditado e prestigiado, cultural e socialmente, o médico carrega o peso de toda essa responsabilidade pública sob seu jaleco. Cabe a ele usar de seu conhecimento para fornecer o melhor tratamento ao seu paciente e, para tal, tentar ver as doenças sob a óptica do doente e só assim escolher a conduta mais condizente com as individualidades do enfermo. A relação médico-paciente sofreu grandes mudanças ao longo dos tempos.

Do juramento de Hipócrates aos dias atuais

A relação médico-paciente em um período histórico depende primariamente da situação e do cenário socioeconômico em que ambas as partes se encontram. A capacidade de autorreflexão e comunicação do médico e do paciente, bem como quaisquer habilidades técnicas, estão incorporadas nesta “situação médica” em que todos estão imersos, representando uma importante variável para a análise deste preceito.

Por exemplo, os médicos hipocráticos na Grécia antiga consideravam um requisito ético seguir o “princípio da beneficência”, assim como o princípio “primun non nocere” (“não ferir”). Esses preceitos são baseados em um princípio fundamental da ética médica na relação médico-paciente – o juramento hipocrático. Este juramento fornece um maior grau de humanismo no trato com as necessidades, bem-estar e interesses das pessoas quando comparado aos códigos de conduta anteriores. Com isso, o juramento de Hipócrates elevou a ética médica acima dos interesses de classe e status.

Em contrapartida, durante o fim do século 18 D.C., os hospitais surgiram como locais para tratar grandes populações necessitadas. Os médicos agora se viam oferecendo tratamento médico para aqueles que eram tradicionalmente considerados mais passivos. O hospital passou a ser tido como o centro da assistência médica e, junto com o rápido avanço das técnicas e habilidades cirúrgicas durante esse período, uma nova medicina passou a se desenvolver, a medicina não mais focada no sintoma, mas sim no diagnóstico preciso de uma patologia dentro do corpo – o modelo biomédico paternalista de doença.

Considera-se o paternalismo uma beneficência centrada nas decisões do profissional, análoga à relação pais-filho em que o bebê é totalmente dependente dos pais para a tomada de decisões. Assim, o papel do médico envolvia agir no melhor interesse do paciente, com os médicos considerando um “bom paciente” aquele que aceitava submissamente o papel passivo na tomada de decisões.

Nas últimas décadas, a relação era predominantemente entre um paciente em busca de ajuda e um médico cujas decisões eram obedecidas silenciosamente pelo paciente. Nesse modelo biomédico dessa relação, o profissional utiliza suas habilidades para escolher as intervenções e os tratamentos necessários com maior probabilidade de restaurar a saúde do paciente ou amenizar sua dor. Qualquer informação dada ao paciente é selecionada para encorajá-lo a consentir com as decisões do médico.

A importância de não simplificar o paciente

Ao abordar um paciente, é fundamental que o profissional lance mão não só de seu vasto conhecimento científico e habilidades técnicas atualizadas e precisas, mas também a compreensão da natureza humana. O paciente não pode ser reduzido apenas a um conjunto de sinais e sintomas, órgãos danificados e emoções alteradas. Trata-se de um ser humano, ao mesmo tempo preocupado e esperançoso, que busca em seu atendimento o alívio de uma angústia, cuidados e, principalmente, alguém para depositar sua confiança.

É na intimidade de uma relação entre médico e paciente que a grande maioria dos diagnósticos precisos são fechados, possibilitando assim uma melhora mais rápida das queixas que são levantadas no consultório.

Além dos processos pelos quais as relações médico-paciente são desenvolvidas e mantidas, os estudos sugeriram que a profundidade da relação, como um produto de cuidados longitudinais e experiências de consulta, era importante. Isso englobava alguns elementos principais: conhecimento, confiança, lealdade e respeito. Esses elementos refletem as visões duradouras dos pacientes sobre seu relacionamento com o médico fora das consultas. Eles parecem ser o produto contínuo dos aspectos dinâmicos do relacionamento.

Muitos pacientes gostam de conhecer o médico. Isso pode começar com uma simples familiaridade com sua aparência, mas pode evoluir para um conhecimento mais pessoal, por exemplo, sobre a personalidade do médico. De particular importância é a ideia de que o paciente sabe ou antecipa como o médico se comportará ou reagirá.

Da mesma forma, no que diz respeito ao conhecimento do médico sobre o paciente, o ponto de partida é a familiaridade física básica, mas também o conhecimento da história médica dos enfermos, os quais valorizam esses aspectos, porque há um senso de história compartilhada. Os pacientes não gostam de repetir informações: eles podem achar difícil ou achar que não têm tempo suficiente para colocar tudo em palavras sempre que vão a um novo médico. Isso ajuda a fazer com que o paciente se sinta compreendido e tratado como um indivíduo na vida e na doença, não apenas como um problema existente. Eles acreditam que os médicos têm uma compreensão mais profunda deles em um nível emocional ou pessoal.

Antes de tudo, escute

As percepções dos pacientes sobre a confiança do médico neles foram associadas a sentimentos de serem acreditados; eles podem se sentir desconfiados se seus sintomas forem minimizados ou não forem levados a sério.

Nesse momento, o médico deve descobrir qual o real motivo da consulta. Muitas vezes, algum dos sintomas pode gerar um constrangimento ou desconforto maior ao paciente e, portanto, merece a devida atenção. Para tal, é fundamental ouvi-lo, avaliando o tom de sua voz e a importância que é dada para cada sintoma. 

Ao ouvir a história do paciente, dispa-se de todos os seus preconceitos. Não é o momento de julgar, pois mesmo os atos e comportamentos errados devem ser ouvidos com serenidade, sem que o médico dê a impressão de criticá-lo. Tudo aquilo que o paciente diz nunca deve ser interpretado como uma ofensa pessoal ao médico. Em momentos subsequentes, outras oportunidades irão surgir para voltar a certas questões e convencê-lo a desistir de uma determinada atitude prejudicial e reconsidere algo que tenha dito. O clima deve ser de confiança. Sempre que o paciente oculta dados ao médico, é porque tem medo dele.

Conclusão

Uma relação médico-paciente exemplar exige muito além das habilidades técnicas; requer principalmente empatia, paciência e saber ouvir. É preciso fazer seu paciente se sentir confortável com a sua companhia e, para tal, não o julgue. Na medida do possível, é recomendável discorrer com o paciente sobre qual das alternativas de tratamento seria mais viável. Por fim, é sempre bom ter em mente a célebre frase de Hipócrates, “Aliviar a dor é algo divino”.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

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