Microbiologia

O uso de probióticos pode trazer benefícios no tratamento da depressão? | Colunistas

O uso de probióticos pode trazer benefícios no tratamento da depressão? | Colunistas

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Na última década o papel potencial da microbiota intestinal na patogênese dos transtornos do humor atraiu considerável atenção e uso de probióticos no tratamento da depressão tem sido estudado como uma possibilidade terapêutica.

Na última década o papel potencial da microbiota intestinal na patogênese dos transtornos do humor atraiu considerável atenção e uso de probióticos no tratamento da depressão tem sido estudado como uma possibilidade terapêutica.

Eixo intestino-cérebro (GBA)

O cérebro e o intestino se comunicam de forma dinâmica através de diferentes vias, formando um eixo bidirecional, cujo equilíbrio depende da composição da comunidade microbiana que habita o intestino. O papel modulador que este ecossistema exerce sobre o eixo cérebro-intestino é na atualidade um dos temas mais estudados. Um distúrbio da homeostase da comunidade bacteriana intestinal, a disbiose, exerce impactos negativos na saúde do hospedeiro, podendo conduzir a doenças distintas, e algumas de ordem psiquiátrica. Os probióticos, que definiremos mais adiante, parecem possuir um papel relevante para a manutenção da eubiose intestinal dando lugar ao conceito emergente de psicobiótico revelando um novo potencial como terapêutica a favor da saúde mental.

 Microbiota intestinal

A microbiota intestinal é a comunidade microbiana comensal que habita o lúmen intestinal, e tem importante contribuição para a saúde e o bem-estar na medida que promove o equilíbrio entre repostas anti e pró-inflamatórias. Um estado inflamatório é a base de muitas doenças crônicas, parecendo favorecer o crescimento dos patobiontes que são bactérias que habitualmente não causam danos à saúde, penalizando as espécies simbiontes. Alguns estudos associam patologias neuropsiquiátricas com um estado de inflamação crônica, surgindo então, o interesse pelo uso dos probióticos nos casos de depressão como um tratamento adjuvante. Estudos demonstraram que a microbiota de pacientes com transtorno depressivo foi relacionada a anormalidades na função do eixo HPA (hipotálamo-pituitária-adrenal), inflamação intestinal de baixo grau e um desequilíbrio do eixo cérebro-intestino- microbiota.

São vários os neurotransmissores produzidos por espécies comensais como a serotonina, o GABA, as catecolaminas, a acetilcolina e a histamina. Diferentes estudos revelam que as bactérias probióticas estão aptas a produzir substâncias neuroativas, as quais exercem influência sobre o eixo intestino-cérebro. Diversos estudos estabelecem uma relação frequente entre as doenças gastrointestinais e as desordens psiquiátricas. Uma correlação importante é que as bactérias do trato gastrointestinal por exemplo, o Lactobacillus spp. produz GABA e acetilcolina; Bifidobacterium spp. produz GABA; Escherichia spp. produz noradrenalina e serotonina; Bacillus spp. produz noradrenalina e dopamina, Enteroccus spp. produz serotonina. Já se tem comprovado que 90% do neurotransmissor, serotonina, no corpo humano é produzido no intestino, o que pode afetar a regulação da emoção quando transmitida ao SNC.

Transtorno Depressivo Maior (TDM) e impacto da disbiose na saúde mental.

A depressão é um distúrbio psiquiátrico heterogêneo complexo e umas das principais causas de incapacidades no mundo. Estima-se que cerca de 4,4% da população mundial sofra desse mal, e segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil ocupa o quinto lugar com 5,8% da sua população afetada por esse transtorno, o que corresponde a 11,5 milhões de casos. Os sintomas mais comuns manifestados pelos pacientes com TDM são: desesperança, alterações no sono e no apetite que em geral são duradouros ou recorrentes e impactam negativamente as funções da vida diária dos indivíduos.  Alguns possíveis mecanismos fisiopatológicos da depressão incluem neurotransmissão alterada, anormalidades do eixo HPA, envolvidas no estresse crônico, inflamação e neuroplasticidade reduzida. Todos esses mecanismos propostos estão integralmente relacionados e interagem bidirecionalmente. Os gêneros bacterianos mais encontrados nos indivíduos depressivos foram os gêneros pró-inflamatórios de Actinobactérias e Enterobacteriaceae em contraste com os encontrados em indivíduos eubióticos e com ausência de depressão, onde existe um equilíbrio de bactérias dos gêneros Firmicutes e Bacteriodetes.

Como explicar a patogênese da depressão relacionando com o perfil da microbiota intestinal?

Uma hipótese muito promissora da patogênese do Transtorno Depressivo Maior (TDM) é a disfunção do eixo intestino-cérebro que pode levar à inflamação subclínica, desregulação do eixo HPA e vias neurais, metabólicas e endócrinas alteradas, sendo a microbiota a parte mais importantes desse eixo, que demonstrou regular diferentes funções no sistema nervoso central (SNC).

Estudos com animais apontam para a possibilidade de um papel causador da disbiose, ou seja, a perturbação do microbioma, em comportamentos semelhantes aos da depressão.

A microbiota intestinal pode beneficiar o hospedeiro de várias maneiras, incluindo digestão / fermentação de carboidratos, produção de micronutrientes, elaboração de respostas imunológicas para desencorajar a colonização por patógenos e também contribuir com a produção de moléculas neuroativas, existindo assim, diversas vias possíveis pelas quais o microbioma pode contribuir para conferir resiliência contra a depressão.

O que são probióticos e como o seu uso poderia beneficiar os quadros de depressão? 

Os probiótico são microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde. Os efeitos clínicos já bem estudados dos probióticos em humanos incluem a prevenção e o tratamento da diarréia, imunomodulação e regulação da flora intestinal. Uma nova classe de probióticos denominada psicobióticos (organismo vivo que, quando ingerido em quantidades adequadas, produz um benefício à saúde em pacientes que sofrem de doenças psiquiátricas), tem sido extensivamente estudado por demonstrar atividade antidepressiva ou ansiolítica, efeitos que podem ser mediados pelo nervo vago, medula espinhal ou sistemas neuroendócrinos.

Conclusão

As bactérias de certos psicobióticos são produtoras de substâncias neuroativas como mencionado anteriormente, o GABA (ácido gama-aminobutírico) e a serotonina que atuam no eixo intestino-cérebro. Portanto a administração de determinados probióticos para manipular o microbioma entérico com intuito de melhorar sintomas psicológicos de depressão, pode ser um campo muito promissor.

Autora: Kelly Ribeiro Moura Barboza

Instagram: @drakelly_barboza

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências

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