Otorrinolaringologia

Otite Média Aguda: Abordagem e Tratamento | Colunistas

Otite Média Aguda: Abordagem e Tratamento | Colunistas

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Imagem de perfil de Luis Guilherme Andrade

A Otite média aguda é inflamação da mucosa da orelha média, com presença de secreção, de início agudo ou repentino, acompanhado de manifestações de inflamação.

A maioria dos episódios de OMA ocorrem em crianças, apesar disso, afeta adultos e adolescentes em menor incidência. 

Epidemiologia

80% das crianças terão pelo menos 1 episódio de OMA ao longo dos primeiros 2 anos de vida. O OMA é primariamente uma doença da infância, tendo pico de prevalência entre 6 e 36 meses de vida. Isso é relacionado à imaturidade imunológica da criança e tuba auditiva curta e horizontalizada, além de pouco funcional.

Classicamente, descreve um segundo pico entre 4 a 7 anos, relacionado ao ingresso da criança na escola, com maior convívio social e possibilidade de infecções. Entretanto, isso tem mudado, devido ao trabalho materno, o que leva à socialização precoce das crianças em creches e berçários. 

Além de muito prevalente, a OMA é relacionada a complicações com mortalidade, tais como meningite bacteriana e abscesso cerebral. O índice de recorrências das otites parece estar relacionado com a idade da primeira crise: quando antes dos 6 meses de idade, aumenta a incidência de novas crises ao longo da infância. 

Sobre sequelas, a OMA recorrente pode causar perda auditiva condutiva transitória, o que, em crianças, que pode reduzir aquisição de linguagem, aprendizagem e escrita. A OMA pode ser evento inicial de processo contínuo que causa otite média crônica, sendo o primeiro deles a otite média com efusão, presente em mais de metade das crianças após 1 episódio de OMA. 

Fatores de Risco e Protetores

Fatores de Risco: idade entre 6 e 36 meses de vida, história familiar positiva para OMA e OMA recorrente em pais e irmãos, fendas palatinas e outras anormalidades craniofaciais ou síndromes (causam disfunção tubária crônica), IVAS (especialmente por Influenza), hipertrofia de adenoides, tabagismo passivo, frequência em creches ou berçários, uso de chupetas e posição deitada.

Fatores Protetores: AME até 6 meses de vida e vacinação atualizada.

Fisiopatologia

A inflamação da orelha média que causa a OMA inicia-se, geralmente, nas vias aéreas superiores, mais precisamente na rinofaringe. A IVAS pode progredir para a orelha média devido à íntima conexão entre orelha média e VAS. Ou seja, há correlação entre IVAS e otite média.

A conexão ocorre pela tuba auditiva, a qual é crucial para proteção, ventilação e drenagem de secreções da orelha média. Entretanto, esse mecanismo é vulnerável, mesmo em adultos, e nas crianças, as tubas são pouco desenvolvidas, curtas, horizontalizadas e isso explica a maior incidência de OMA em crianças. Não bastasse isso, é desse mecanismo frágil que depende a resolução completa da OMA ou sua recorrência ou cronificação, com possíveis sequelas funcionais, especialmente ligadas à audição. 

O mecanismo de abertura periódica da tuba auditiva com consequente entrada de ar nos espaços da fenda auditiva pode ser comprometido por alguns fatores, sendo o mais comum o edema da mucosa da rinofaringe e tuba auditiva ao longo de um quadro de IVAS. A contaminação por ascensão de vírus e bactérias da rinofaringe até a orelha média é o fator determinante da fisiopatologia da OMA. 

A inflamação acompanhada de transudações da mucosa da orelha média dará origem à efusão, que, ao aumentar progressivamente de volume, provocará otalgia e abaulamento da membrana timpânica (MT). Os vasos submucosos da orelha média e MT ficam ingurgitados e tornam-se visíveis à otoscopia. 

A pressão exercida pelas secreções projeta lateralmente a MT de modo que pode haver ruptura espontânea dela, com drenagem à orelha externa. Caracteristicamente, a dor diminui quando há saída de secreções pelo CAE. 

A fase de recuperação ou convalescença da OMA caracteriza-se pela gradativa diminuição do edema e ingurgitamento vascular, bem como a reabsorção e drenagem, através da tuba auditiva, das secreções acumuladas. Essa fase é chamada de otite com efusão pós-OMA e pode durar de 1 semana a 3 meses. 

Etiologia

Os patógenos envolvidos na OMA estão relacionados com a microbiologia das VAS e é prudente dizer que a fenda auditiva, especialmente a orelha média, é uma extensão anatômica e funcional da faringe. 

Os principais patógenos bacterianos envolvidos na OMA são o Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis, sendo essa a ordem da frequência deles em OMA.

Outros incluem o Streptococcus pyogenes e Staphylococcus aureus, mas são bem menos frequentes e pouco consideradas na escolha de ATB para tratamento de OMA. 

Os 3 patógenos principais (pneumococo, hemófilo e moraxela) são comumente encontrados nas VAS, inclusive como contaminantes em assintomáticos ou infecções bacterianas nasossinusais. 

Em crianças portadores de conjuntivite bacteriana purulenta, o hemófilo é mais comum e esse fator deve ser considerado na escolha do ATB. 

Diagnóstico

O diagnóstico é feito de modo clínico, associando anamnese com EF, especialmente achados da otoscopia. 

O surgimento súbito de otalgia é sintoma mais frequente, sobretudo em crianças mais velhas. A febre é característica, mas não obrigatória. Otorreia aguda e recente sugere diagnóstico. A concomitância de sintomas de IVAS é comum e deve ser questionada. 

Em lactentes, otalgia pode não ser óbvia por causa da idade, mas sinais como irritabilidade, recusa alimentar, choro e, eventualmente, o ato de manipular ou puxar a orelha são característicos. 

No EF, otoscopia com visualização adequada da MT é principal ferramenta. Caso haja secreções dificultando a visualização, como cerume, elas devem ser limpadas.

Os sinais típicos de OMA à otoscopia são:

  • Presença de líquido ou efusão na orelha média.
  • Hipervascularização da MT com hiperemia.
  • Abaulamento da MT, demonstrando o aumento de volume da orelha média devido à presença de secreção inflamatória sob pressão.
  • Presença de otorreia de início recente não causada por otite externa. 
Rosa cor de rosa

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa
MT esquerda abaulada e hiperemiada em paciente com OMA. 

A otorreia permite diagnóstico diferencial com otite externa, porque na orelha externa não tem células produtoras de muco, e isso é visto na otite média. Ou seja, na OMA a secreção é mucopurulenta ou sanguinolenta. Na otite externa, a secreção é mais descamativa e sem muco. 

Tratamento

Envolve uso de analgésicos, acompanhamento da doença e decisão sobre o uso ou não de ATB. Esse último leva em conta certeza diagnóstica de OMA, gravidade das manifestações e idade do paciente. 

Medidas Comportamentais

São medidas que reduzem a inflamação, risco infeccioso (se perfuração timpânica) e edema de mucosa. 

Não molhar a orelha, não assoar o nariz, lavar com soro morno o nariz, elevar a cabeceira, ingesta hídrica em goles e compressa quente na orelha. 

Analgesia

Muitas vezes, fica em segundo plano devido à preocupação com o uso ou não de ATB. Entretanto, é fundamental, pois a dor é principal fator incapacitante. Pode ser feita com paracetamol, dipirona e ibuprofeno.

Uso ou Não de Antibióticos

Cada vez mais é recomendado uso criterioso, porque a maioria dos casos são de curso autolimitado e benigno e o uso de ATB não parece mudar tanto os desfechos. Dessa forma, a Academia Americana de Pediatria (2011) apresentou diretriz sobre isso:

  1. Tratar com ATB a OMA (uni ou bilateral) grave em todas as crianças, a qual é definida como dor moderada a grave > 48h ou febre > 39ºC. 
  2. Tratar com ATB OMA não grave bilateral em lactentes de 6 a 23 meses. 
  3. Opção de tratar ou não com ATB OMA não grave unilateral em lactentes de 6 a 23 meses. 
  4. Opção de tratar ou não com ATB OMA não grave uni ou bilateral em crianças de 24 meses ou mais. 

Escolha de Antibiótico

Conhecendo a epidemiologia dos patógenos, sabe-se que a cobertura para o pneumococo é prioridade, mesmo em crianças vacinadas.

O esquema inicial em crianças não alérgicas à penicilina e sem conjuntivite purulenta associada é amoxicilina na dose de 40 a 50 mg/kg/dia, VO, 12/12h, durante 10 dias. 

Fatores de risco para resistência do pneumococo à penicilina frequentar creches ou berçários, crianças institucionalizadas, uso de ATB nos últimos 30 dias e hospitalização recente. Nesses casos, aumenta-se a dose para 90 mg/kg/dia. 

A cobertura para hemófilo e moraxela exige uso de inibidores de betalactamase em associação com amoxicilina, já que a grande maioria dos hemófilos produz betalactamase. A mais usada é associar com ácido clavulânico na dose de 6,4 mg/kg/dia. 

Quando o paciente é alérgico à penicilina, usa-se cefalosporinas como alternativa. 

Conclusão

O OMA é uma doença frequente em faixa etária pediátricas e deve ser diagnosticada e tratada da melhor maneira possível – a fim de evitar complicações que trarão muitos prejuízos à qualidade de vida dos pacientes – mas não é por isso que todos os pacientes devem receber antibióticos, a final há critérios para o uso ou não de antibióticos. 

Autor: Luis Guilherme Miranda de Oliveira Andrade

Instagram: @luis.gandrade

Referências

Otite média aguda BMJ 2022.

Piltcher, Otavio, B. et al. Rotinas em otorrinolaringologia. (Série Rotinas). 2014.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.

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