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Perda e diminuição de olfato relacionado a COVID-19: O que sabemos até agora? | Colunistas

Perda e diminuição de olfato relacionado a COVID-19: O que sabemos até agora? | Colunistas

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Introdução

Em dezembro de 2019 o novo Coronavírus foi relatado pela primeira vez na cidade de Wuhan, China. Desde então, o vírus foi identificado em transmissão comunitária, disseminando-se para outros países e sendo denominado como uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de 2020. Atualmente, em 16 de fevereiro de 2021, a infecção atinge 109.313.916 pessoas em escala mundial, sendo 9.866.710 de casos confirmados no Brasil, estimativas feitas e publicadas pelo COVID-19 Global Cases by Johns Hopkins.

Paciente infectados pelo 2019-nCov podem se apresentar com uma grande variedade clínica, como síndrome gripal, pneumonia com presença ou ausência de complicação, Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), sepse e choque, podendo levar ao óbito. Dentre a sintomatologia da infecção, destaca-se a presença de febre, mialgia, fadiga, tosse e dispneia. Contudo, um novo conjunto de sintomas ganhou destaque nos últimos meses: as alterações olfativas. É sobre isso que vamos conversar nesta coluna.

Definições

Antes de avançarmos a respeito da fisiopatologia e dados epidemiológicos, é importante definirmos alguns conceitos.

A perda total de olfato é denominada anosmia, enquanto a diminuição do olfato é hiposmia. Outro termo importante de ser conceituado é parosmia, uma alteração do olfato que se manifesta como a modificação de alguns odores, enquanto a fantosmia é a percepção de um aroma sem o seu estímulo. 

As alterações mais relacionadas a COVID-19 são a anosmia súbita e a hiposmia, que geralmente diminuem de intensidade em cerca de 14 dias.  

A seguir está presente uma tabela que resume esses conceitos.

Tabela 01: Alterações olfativas e seus termos técnicos.
Criado por autora.

Epidemiologia

No artigo de Jerome R. Lechien e outros, publicado em abril de 2020 pelo European Archives of Oto-Rhino-Laryngology, foram analisados 417 pacientes infectados pelo COVID-19 sendo tratados em hospitais da Bélgica, França e Itália. Do total, 85,6% relataram disfunções olfatórias como manifestação da infecção. Dentre eles, 79,6% apresentaram anosmia e 20,4% hiposmia, sendo que esse sintoma se apresentou antes das demais manifestações clínicas em 11,8% dos pacientes, depois de outros sintomas em 65,4% e ao mesmo tempo em 22,8% dos pacientes.

Contudo, estudos realizados em outros continentes mostraram uma variação dessas porcentagens.

Em uma pesquisa de Ling Mao e outros, publicada pela JAMA Neurology em junho de 2020, um estudo chinês mostrou que apenas 5,1% dos pacientes tratados em um complexo hospitalar em Wuhan, China, apresentaram alterações olfativas.

No Brasil, uma pesquisa realizada pela Academia Brasileira de Rinologia (ABR) e a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF), com 253 pacientes, de todas as regiões do país, mostrou que 85.4% apresentaram anosmia súbita, sendo mais frequente em pacientes do sexo feminino (61%).

Para mais detalhes a respeito da pesquisa, acesse o link a seguir: https://www.aborlccf.org.br/secao_detalhes.asp?s=51&id=5957.

Fisiopatologia

A fisiopatologia das alterações olfativas relacionadas há COVID-19 ainda não são completamente esclarecidas, entretanto, existem diversas teorias para esse fenômeno, as quais serão resumidas a seguir. Para uma explicação mais ampla do mecanismo fisiopatológico é recomendado a leitura do artigo “Anosmia e disgeusia no paciente com coronavírus: revisão narrativa”, de autoria de Melyssa de Carvalho e outros, no qual essa parte da coluna foi baseada.

Teoria 01 – Resposta inflamatória

Uma das primeiras teorias a respeito da anosmia e hiposmia em pacientes infectados pelo novo coronavírus foi a resposta inflamatória. Segundo ela, a inflamação proveniente da infecção resultaria em edema, coriza, febre e obstrução nasal, a qual geraria as disfunções olfativas, como ocorre em infecções do trato respiratório superior de outras etiologias. Entretanto, muitos pacientes apresentavam o distúrbio olfatório, mas não outros sinais de inflamação.

Teoria 02 – Evento adverso de medicações

Desde o início da pandemia, diversos medicamentos foram utilizados, desde antiparasitários à antibióticos, passando pela classe dos anticoagulantes e antimaláricos (não há conflito de interesse, ou intenções políticas por parte da autora.). Sendo que todos esses medicamentos possuem efeitos adversos, dentre eles alterações sensitivas. A azitromicina é um medicamente relacionado a casos raros de distúrbio de paladar e olfato, tendo sido muito utilizado durante a pandemia. Outros medicamentos relacionados a distúrbios olfativos incluem os beta-adrenérgicos e colinérgicos.

Teoria 03 – Resposta imunológica

Sendo uma das teorias mais aceitas atualmente, a teoria da resposta imunológica implica que o vírus possui um tropismo aumentado pelas células olfatórias da cavidade nasal devido a expressão de ECA2 e TMPRSS2. Dessa forma, o vírus se ligaria a essas proteases, começando sua replicação, o que levaria um transtorno de neurotransmissão com diminuição da liberação de dopamina e serotonina.

Prognóstico e tratamento

A resolução das alterações olfativas difere segundo cada artigo, contudo, a maioria dos textos analisados mostrou que uma parte significante dos pacientes apresentaram uma melhora da anosmia e hiposmia após 14 dias desde o início dos sintomas, não necessitando de nenhum tratamento para as disfunções olfativas.

Até o momento não há evidências suficientes, ou um protocolo de tratamento para pacientes com distúrbio olfativo remanescente após melhora dos demais sintomas da infecção. Outrossim, vários artigos mostraram a realização de lavagem nasal com soro fisiológico e/ou uso de corticosteroide tópico nasal, sendo que o acompanhamento com um médico é imprescindível.

Além disso, existe também o treinamento olfativo, no qual o paciente deve inspirar durante 15 segundos quatro objetos com odores diferentes, sendo feito isso duas vezes ao dia, durante seis meses, no entanto, essa terapia não mostrou resultados promissores. Os objetos utilizados nesse treinamento podem variar desde óleos essenciais até coisas encontradas na cozinha, como café, cravo, canela, limão, dentre outros.

Para finalizar é importante esclarecer alguns pontos: pacientes com alterações olfatórias podem sofrer alguns inconvenientes e ameaças, como não perceber o odor de um alimento vencido, o que leva a uma intoxicação. Outra possibilidade é não notar um vazamento de gás de cozinha, ou o cheiro de fumaça. Por isso, durante os dias em que o paciente estiver com a alteração é importante ter um maior cuidado.  

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referência bibliográfica:

  1. Melyssa de Carvalho e outros. Anosmia e disgeusia no paciente com coronavírus: uma revisão narrativa. Revista Eletrônica Acervo Saúde: 09/2020.
  2. Jerome R. Lechien e outros. Olfactory and gustatory dysfunctions as a clinical presentation of mild-to-moderate forms of the coronavirus disease (COVID-19): a multicenter European study. European Archives of Oto-Rhino-Laryngology: 04/2020.
  3. Eduardo Macoto Kosugi. Recuperação incompleta e tardia da perda súbita do olfato na Covid-19. Jornal Brasileiro de Otorrinolaringologia: 05/2020.
  4. Protocolo de Manejo Clínico da Covid-19 na atenção especializada. Ministério da Saúde: 2020.

Johns Hopkins University e Medicine. Coronavirus Resource Center. [infográfico] Maryland: JHUM, 2020