Compreender a importância da interpretação adequada dos exames laboratoriais de perfil lipídico e glicêmico coloca você, futuro médico, em condição de intervir junto com o paciente, e prevenir a ocorrência de possíveis eventos cardiovasculares, uma vez que estes representam a principal causa de mortalidade no Brasil.
Começaremos discutindo acerca das lípides e suas mensurações e, logo em seguida, faremos o mesmo com os índices glicêmicos.
Perfil Lipídico e Glicêmico
Perfil Lipídico
A dislipidemia, ou seja, alteração nos valores dos lipídios plasmáticos acima do que é determinado pelos valores de referência para uma determinada população, é uma conclusão possível após análise do perfil lipídico de um paciente.
Fisiológica e clinicamente, os lipídios mais importantes são o colesterol, os fosfolipídios, os ácidos graxos e os triglicerídeos (TG). O colesterol está envolvido na estrutura celular, contribuindo na fluidez desta, bem como na constituição de hormônios esteroidais, vitamina D e ácidos biliares.
Fosfolipídios compõem a membrana celular, representando sua estrutura básica. Ácidos graxos, saturados ou insaturados (quando sem ou com ligações duplas, respectivamente), estão presentes na alimentação, a exemplo do ômega 3, ácido oleico, láurico, mirístico, dentre outros.
O TG, por fim, uma das mais importantes reservas energéticas do organismo, é formado por 3 ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol, e se deposita nos tecidos muscular e adiposo.
Como os lipídios são comumente insolúveis em água, para circularem no plasma exigem a associação com algum componente que garanta solubilidade, permitindo o seu transporte. Este elemento corresponde às lipoproteínas, que apresentam forma globosa.
No seu núcleo, ou core, ficam retidos os lipídios que são hidrofóbicos; na sua camada externa há colesterol livre e fosfolipídios, existindo ainda, na superfície, proteínas denominadas apoproteínas (Apo), que podem se ligar a receptores específicos nas membranas de células que atuam no metabolismo das lipoproteínas.

Imagem: Estrutura da lipoproteína. Fonte: Vilar, 2016
As principais lipoproteínas são o quilomícron, VLDL (lipoproteína de muito baixa densidade), IDL (lipoproteína de densidade intermediária), LDL (lipoproteína de baixa densidade) e HDL (lipoproteína de alta densidade).
Esta classificação se dá de acordo com a densidade da lipoproteína e esta, por sua vez, depende da quantidade de apoproteínas (quanto mais, maior a densidade) e de triglicerídeos (quanto mais, menor a densidade). O metabolismo dos lipídios e lipoproteínas pode ser subdividido nos ciclos exógeno e endógeno.
Lipoproteína | QM | VLDL | IDL | LDL | HDL |
|---|---|---|---|---|---|
Principais | TG dietéticos | TG endógenos | Col. e TG | Col. | Col. |
Apoproteínas | AI, AII, B48, CI, CII, CIII, E | B48, CI, CII, CIII, E | B100, CIII, E | B100 | AI, AII |
Diâmetro (nm) | 800 a 5000 | 300 a 800 | 250 a 350 | 180 a 280 | 50 a 120 |
Densidade (g/ml) | <1006 | <1006 | <1019 | 1019 a 1063 | 1063 a 1210 |
Ciclo exógeno
Neste ciclo, os lipídios são absorvidos da dieta na forma de colesterol livre, monoacilglicerois e ácidos graxos. Após serem ingeridos, os triglicerídeos sofrem ação das lipases pancreáticas, sendo hidrolisados em ácidos graxos livres, monoglicerídeos e diglicerídeos.
Os sais biliares emulsificam estes componentes, possibilitando sua movimentação, agora na forma de micelas. Na borda em escova intestinal, estes serão absorvidos, destacando a atividade da proteína transportadora Niemann-Pick C1-like 1 (NPC1-L1), que facilita o transporte do colesterol.
A inibição da NPC1-L1 se faz como importante área de estudo para desenvolvimento de terapias medicamentos para controle da hipercolesterolemia.
Posteriormente à absorção, as diferentes formas lipídicas são utilizadas no intestino para formar o quilomícron (que contém cerca de 80%-90% de TG), que exibe tanto ApoB48, quanto ApoB100. Ele é então secretado para o sistema linfático pelas células intestinais, alcançando a circulação sistêmica através do ducto torácico. Interage então com HDL, captando as apoproteínas apo-CII, CIII e E, além de colesterol; estas modificações permitem sua interação com os tecidos corpóreos.
Ao circularem, os quilomícrons sofrem ação da lipase proteica (LPL) presente na superfície endotelial de capilares, músculos e tecido adiposo, e assim, liberam os ácidos graxos e o glicerol do core, além do colesterol não esterificado da superfície.
O que resta do quilomícron é capturado pelo fígado e é empregado na formação da VLDL. Desta forma, em condições normais, espera-se detectar quilomícron no sangue periférico apenas no pós-prandial, já que este é completamente metabolizado pelo fígado.
Ciclo endógeno
Corresponde a circulação das lipoproteínas do fígado para a periferia, e então novamente para o fígado. O órgão em questão sintetiza e libera VLDL, que é rica em TG e ApoB100, como principal Apo; sua formação depende da Proteína de Transferência de TG Microssomal (MTP), que transfere TG para a ApoB. Esta montagem também está sujeita a intervenção terapêutica no tratamento da hipercolesterolemia.
Na circulação, a VLDL também sofre hidrólise da LPL, liberando ácidos graxos que podem tanto ser armazenados, como ocorre no caso do adipócito, quanto utilizados prontamente, como ocorre nos músculos. Pode interagir ainda com o HDL, em que troca TG por ésteres de colesterol, e com o LDL. Os remanescentes da VLDL são reabsorvidos pelo fígado ou transformados perifericamente nas IDL, que rapidamente são removidas da circulação pelo mesmo órgão.
O catabolismo hepático da VLDL continua, dando origem a LDL. Esta é principal molécula carreadora de colesterol no jejum, que apresenta apenas conteúdo residual de TG, sendo composta basicamente por colesterol e ApoB100. A LDL é capturada tanto por células hepáticas, quanto por outras células do corpo através do receptor de LDL (LDLR).
A queda na concentração de colesterol circulante induz ao aumento do LDLR, implicando em maior captura de LDL, IDL E VLDL. A expressão do LDLR no fígado é o principal regulador da concentração de LDL circulante e vincula-se a atividade da enzima Hidroximetilglutaril Coenzima A redutase (HMG-CoA), enzima indispensável para a síntese de colesterol intracelular. Sua inibição é alvo terapêutico no tratamento da hipercolesterolemia.
A lipoproteína de alta densidade (HDL) é sintetizada tanto no fígado, quanto no intestino e na circulação, e apresenta como principais Apos a AI e AII. O colesterol é esterificado na HDL, processo que é necessário para que haja sua estabilização plasmática.
Em um transporte denominado como reverso, esta partícula conduz colesterol da periferia para o fígado. Assim, o HDL atua prevenindo o surgimento de placas ateroscleróticas por remover LDL oxidadas, inibir a fixação de moléculas de adesão e de monócitos no endotélio, e por estimular a liberação de óxido nítrico. A extração de colesterol mediada pelas HDL vincula-se a atividade do complexo ATP-Binding Cassette A1 (ABC-A1).
Avaliação laboratorial das lipoproteínas
Variáveis pré-analíticas
Para que o resultado do exame laboratorial seja o mais fidedigno possível, refletindo com segurança e veracidade as informações referentes ao paciente, é necessário que se saiba acerca das variáveis envolvidas. É importante, desta forma, conhecer, controlar e evitar algumas dessas variantes.



